“Almanach Perpetuum”, de Abraão Zacuto, astrónomo judeu expulso de Espanha pelos Reis Católicos, foi reproduzido pela primeira vez em latim, traduzido pelo português José Vizinho, a 25 de fevereiro de 1496, na tipografia de Abraão d’Ortas, outro judeu, residente em Leiria.

“É um livro de matemática aplicada, com uma quantidade de tabelas” e a “explicação da leitura dessas tabelas”, contou à agência Lusa o investigador, encenador e dramaturgo Luís Mourão, responsável pela programação da décima edição de Leiria Medieval, iniciativa do município de Leiria.

Aquelas tabelas foram importantes para os Descobrimentos porque, com elas, Abraão Zacuto ajuda a definir “exatamente onde estão os astros, a uma determinada hora, num determinado dia”.

“Isso permitia, de facto, navegar independentemente das condições”, condição fundamental para “as travessias de alto mar” de que “depois vemos os reflexos delas, quer na descoberta do caminho marítimo para a Índia, quer, sobretudo, na chegada ao Brasil”.

“Era uma coisa que era impensável, sem ter referências nenhumas”, sublinha Luís Mourão. O livro de Zacuto deu-as.

Entre 20 e 23 de julho, Leiria Medieval festeja esse livro impresso pela comunidade judaica, que no final desse ano de 1496, tal com a muçulmana, seria forçada à conversão ou expulsa de Portugal, no quadro do acordo estabelecido para o casamento entre D. Manuel I e a filha dos Reis Católicos, Isabel.

“Quer se queira, quer não, é uma coisa determinante, é uma coisa importante para a cidade”, salienta Luís Mourão, que considera ser a edição do “Almanach” “um orgulho que os leirienses têm de ter”.

Por um lado, “terem publicado o primeiro livro de matemática aplicada que alguma vez foi feito em Portugal” e, por outro, “esse livro ter servido para uma epopeia que depois se desdobra a partir daqui e que continua a ser determinante na história de Portugal”.

É à última linha da última página dessa edição que a recriação histórica vai buscar o título para este ano, “Sob um céu de peixes”, em referência ao signo zodíaco de Peixes.

Mas, como “é muito difícil por um livro a desfilar”, Leiria Medieval vai contar a história do “Almanach Perpetuum” através de várias atividades.

“Pelo menos uma parte das pessoas que vêm cá vão ficar com esta referência”, afirma Luís Mourão, lembrando que, em 2022, a recriação atraiu um número de visitantes que, estima-se, tenha rondado os 200 mil.

“Ao longo do quilómetro e meio entre o Moinho de Papel e o Castelo de Leiria, temos animação em vários pontos”, como o Jardim da Vala Real, Largo do Papa, Jardim Luís de Camões ou Igreja da Misericórdia.

A programação recorda ainda esse tempo histórico em que coexistiam em Leiria cristãos, judeus e muçulmanos, antes de se quebrar, no final de 1496, a instável harmonia entre estas três comunidades.

Durante os quatro dias há encenações, música, animação, mercadores, cetraria, oficinas, desfiles, demonstração de armas e conversas sobre a Idade Média, envolvendo entre 1.200 e 1.400 pessoas, entre atores, figurantes, performers, mercadores e outros participantes, avança o organizador.