"Muita ansiedade, muito cansaço também", confessa Pedro H. Gaspar. Para este dançarino, o "cansaço" é resultado de muitos meses de ensaios exigentes. A "ansiedade" explica-se em poucas palavras: o carnaval do Rio vai, enfim, começar.

"A gente fala muito aqui da 'TPC', a Tensão Pré-Carnaval, que todo mundo que participa da escola de samba sente", explica Gaspar à AFP. Este jovem negro de 30 anos, de sorriso largo e elegância evidente, é um dos passistas da Unidos de Vila Isabel, uma das doze prestigiadas escolas do Grupo Especial, que vão desfilar na Marquês de Sapucaí nas noites de domingo e segunda-feira.

"O carnaval chegou", diz uma expressão consagrada. Nos últimos dias, os blocos arrastam multidões de foliões fantasiados, embriagados de alegria e de cerveja, ao som de ritmos variados.

Mas, como acontece todo ano, paralelamente ao carnaval de rua, os desfiles suntuosos no mítico Sambódromo diante de 70 mil espectadores cada noite serão o ponto alto da festa. Este ano, a passarela do samba, monumento projetado por Oscar Niemeyer, comemora 40 anos.

Carnaval do Rio de Janeiro
O ReI Momo do carnaval carioca, o comerciante Caio Cesar Dutra, recebe a chave da cidade durante a cerimónia oficial de abertura das festividades, em 9 de fevereiro, 2024 créditos: AFP/Mauro Pimentel

Ali, os componentes das escolas de samba vão defender as cores das suas agremiações numa competição duríssima, embalada por sambas-enredo criativos e eletrizantes.

"Questões fundamentais"

Para além da representação artística, o carnaval também manifesta a sua pertinência política e social, trazendo nos sambas-enredo a exaltação de figuras negras às vezes desconhecidas, de tradições mergulhadas nas suas raízes africanas, mas também, de homenagem às comunidades indígenas.

A Salgueiro vai celebrar a resistência dos Yanomami, indígenas da Amazónia que sofrem uma grave crise humanitária provocada pelo garimpo ilegal. Embora o drama vivido por esta comunidade tenha registado proporções catastróficas durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (2019-2022), o seu sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva, tem tido dificuldades em reverter a situação.

"O desfile das escolas de samba continua sendo um lugar onde o Brasil pensa ele mesmo", entusiasma-se o professor do Departamento de Sociologia do Colégio Pedro II e investigador em "pensamento social do samba", Mauro Cordeiro.

"O carnaval carioca hoje é um espaço em que se discutem as questões fundamentais, políticas e sociais, do Brasil", acrescenta o investigador, que atuou na GRES Beija-Flor de Nilópolis e foi responsável pela concepção e desenvolvimento do enredo "Brava gente! O grito dos excluídos no bicentenário da independência", apresentado pela escola no carnaval de 2023.

Embora também haja espaço para a leveza - como o samba-enredo da Mocidade deste ano, dedicado ao caju, já considerado um êxito -, o carnaval é coisa séria.

E os festejos, que rendem à cidade receitas consideráveis - 5,3 mil milhões de reais (cerca de 990 milhões de euros) estimados para esta edição -, não escapam das preocupações quotidianas.

Como medida de segurança, as autoridades do Rio anunciaram a mobilização de milhares de agentes durante o carnaval, especialmente em torno do Sambódromo.

Outra questão séria: a epidemia da dengue, que já teve 50 mortes confirmadas em todo o país. A cidade decretou estado de urgência sanitária, e haverá distribuição de repelentes entre os espectadores do desfile.

Renovação

Mas nada disso deve ofuscar o encanto, nem impedir as grandes escolas de samba, radicadas em bairros populares, de terem o seu momento de glória.

A Mangueira será mais uma vez uma delas. A escola foi batizada com o nome da favela onde foi criada há 96 anos, a poucos metros do estádio do Maracanã, na zona norte da cidade. Este ano, a verde-e-rosa homenageia a cantora Alcione, um ícone do samba, contando a infância da 'marrom', que este ano comemora com pompa 50 anos de carreira.

Há 36 anos, a estrela cofundou a Mangueira do Amanhã, braço da escola dedicada à formação artística de crianças da comunidade. Nascida na favela há 30 anos e 'cria' da escola, Bárbara Rachel é atualmente a sua diretora cultural.

"O carnaval, ele é muito mais do que somente os 4 dias de explosão de festa internacional em que os olhos do mundo estão voltados para nós, para as pessoas que nasceram nessas comunidades, para as pessoas que tiveram suas vidas afetadas e seguem tendo suas vidas transformadas por essa arte, porque o carnaval traz uma proposta de construção, de educação, de formação humanitária para o mundo", afirma a jovem.

A poucos dias do desfile da Mangueira sobre Alcione, ela insiste: "Para nós enquanto povo, é muito emocionante porque a gente está falando de fato de uma figura que marcou nossas vidas. E não marcou só minha vida, mas marcou a vida de toda uma geração que está comigo", conta Bárbara Rachel, cujos alunos vão desfilar no carnaval infantil.

A renovação está encaminhada. Ou como diz Alcione numa das músicas imortalizadas na sua voz, "Não deixe o samba morrer".