Depois de mais de seis meses de restauração, "A Liberdade guiando o povo", um dos quadros mais conhecidos do Museu do Louvre, voltará a ser exposto a partir de quinta-feira, dia 2 de maio, com as suas cores originais.

As camadas de verniz e de poeira haviam-se acumulado sobre este quadro do pintor romântico Eugène Delacroix (1798-1863) de grandes dimensões (2,60m x 3,25m) que rapidamente se tornou símbolo do republicanismo.

"Somos a primeira geração que redescobrirá as cores de Delacroix", explica Sébastien Allard, diretor do departamento de pinturas do Louvre.

O quadro, que saiu apenas uma vez da França, para uma exposição no Japão em 1999, representa uma alegoria da Liberdade: uma mulher com os peitos descobertos a segurar a bandeira tricolor francesa.

Foi pintado por Delacroix em 1830 em homenagem aos revolucionários que se levantaram em armas contra o regime de Carlos X, que acabava de promulgar uma série de leis antiliberais.

"Nós estávamos a perder a riqueza da intensidade cromática, os planos, os brancos, as sombras, estava tudo misturado sob essas camadas amareladas", explica Allard, que observou dia após dia a transformação do quadro numa sala do museu transformada em atelier de restauração.

A liberdade guiando o povo
Especialistas em restauração a trabalharem no quadro "A liberdade guiando o povo", em fevereiro, 2024 créditos: AFP/Dimitar Dilkoff

Ao longo de quase dois séculos, o quadro foi coberto por até oito camadas de verniz.

Essa era a estratégia para realçar as cores, mas com a deterioração de cada camada, essas cores iam-se transformando numa massa amarela e opaca, na qual também ficaram presas "a sujeira e a poeira".

A última grande restauração do quadro foi feita em 1949.

"Revelação"

Esta nova limpeza profunda é uma "revelação", assegura Allard: cinzas, pretos, castanhos e brancos ressurgem na tela, a fumaça branca sai das armas e a poeira surge nas barricadas.

O céu azul surge sobre as torres da Notre-Dame ao fundo, assim como todos os detalhes de uma cena cheia de violência e exaltação.

"É fascinante ver aparecer sob o verniz uma matéria pictórica em muito bom estado, com toques vibrantes, tem-se a impressão de estar no coração da criação", diz à AFP Bénédicte Trémolières, uma das duas restauradoras escolhidas para esta missão.

"Delacroix escondeu em todos os cantos pequenos toques de cores azul-branco-vermelho espalhados de maneira subtil, como um eco à bandeira, e que já não eram totalmente perceptíveis", acrescenta a sua colega, Laurence Mugniot, mostrando "a pupila azul com um toque vermelho" de uma personagem ou a "farda de um guarda suíço".

A liberdade guiando o povo
Uma especialista em restauro a trabalhar no quadro "A liberdade guiando o povo", em fevereiro créditos: AFP/Dimitar Dilkoff

Assim como outros grandes formatos, a enorme tela não pôde ser transportada até ao atelier do Centro de Pesquisa e Restauração dos Museus da França (C2RMF).

Para avaliar a magnitude dos trabalhos, os especialistas basearam-se em "arquivos e fotografias antigas" e realizaram "análises minuciosas da tela, submetida a infravermelho, raios X e ultravioletas", conta à AFP Côme Fabre, curador do departamento de pinturas do século XIX do Louvre.

Depois de Delacroix

As restauradoras então realizaram "ensaios" de restauração em pequenas partes do quadro.

Equipadas com lupas binoculares e microscópios, "descobriram que algumas correções, incluindo uma marca castanha no vestido da Liberdade, haviam sido adicionadas depois de Delacroix e por isso poderiam ser retiradas", revela Sébastien Allard.

O quadro chegou ao Louvre em 1874. Sempre pertenceu ao Estado francês, que o adquiriu na sua primeira exposição pública em 1831.

Embora represente a revolução de julho de 1830, o quadro ganhou muitos outros significados, como a Revolução de 1789 ou, até mesmo, da França em geral.