“Não é para qualquer um, é preciso ter preparação física. Mas para mim é muito fácil. É, como posso dizer, a ida da cozinha para a sala de jantar”, conta à Lusa, a 2.080 metros de altitude, precisamente ao lado da cratera formada na erupção que há cinco anos fez um rio de lava descer em direção à aldeia, durante 77 dias.

A subida ao ponto mais alto do vulcão não está ao alcance de qualquer um, sendo uma viagem de três horas (subida) exclusivamente a pé pelo trilho demarcado, lentamente até chegar ao “Pico Grande”, a 2.829 metros de altitude. Apesar das dificuldades, os turistas, sobretudo europeus, não param de chegar à aldeia, representando o turismo, a par da agricultura que ali encontrou condições únicas para prosperar, a grande atividade económica da terra.

O vulcão é assim o posto de trabalho de Eudes Fernandes, 23 anos e guia turístico desde 2017, que sempre viveu em Chã das Caldeiras. Fez formações para ser guia e sabe falar, além de português e crioulo, inglês, francês e espanhol, línguas que necessita para explicar a história do vulcão aos turistas, durante as viagens, normalmente a subir, tendo em conta que as descidas são mais rápidas e obrigam a cuidados redobrados.

A última erupção do vulcão, que formou o atual “Pico Pequeno”, a 2.080 metros de altitude, destruiu a aldeia, que se vai reerguendo aos poucos, e fê-lo despertar para o turismo.

“Por dia são nove quilómetros a andar, no vulcão. Mas é tranquilo”, garante. Há outros dias, como quando esteve à conversa com a Lusa, em que faz duas viagens ao pico mais alto, tal é a procura de turistas.

“Por acaso hoje vou duas vezes [ao 'Pico Grande']. Vou dormir lá em cima, com outros clientes”, conta, explicando que em cada viagem pode acompanhar desde apenas um turista até um grupo de seis. “Mais do que isso já temos de ser dois guias, por questões de segurança”, adverte, admitindo que já apanhou “alguns sustos” com quedas de turistas, mas sempre sem gravidade.

Além dos picos, Grande e Pequeno, os 80 turistas que chegam a escalar o vulcão num dia, logo a partir das 05:00, procuram ainda o trilho da descida aos Mosteiros, mas a o vulcão tem ainda cerca de uma dezena de outros percursos disponíveis.

Assume que com o turismo ganha “o suficiente” para “viver tranquilamente” em Chã das Caldeiras e em total liberdade.

“Gosto do que faço, amo muito ser guia”, diz.

Eudes Fernandes é um dos 30 profissionais que integram a Associação de Guias de Turismo de Chã das Caldeiras, criada após a erupção que ali se iniciou em 23 de novembro de 2014 e só terminou fevereiro do ano seguinte.

“Há muitos jovens de Chã das Caldeiras que sonham ser guias e nós precisamos de os capacitar, formar”, explica à Lusa João Pedro de Pina Silva, de 36 anos, presidente da associação. Alcindo, como também é conhecido na aldeia, conta que o turismo – além da atividade de guias também na componente do alojamento local - tem sido a solução encontrada por muitas famílias locais para lidar com a seca que Cabo Verde já vive há quase três anos.

“Muitas pessoas estão a puxar pelo turismo para poderem compensar a dificuldade da agricultura”, conta.

Atualmente, recorda, há uma dezena de pequenas pensões já instaladas na aldeia, que fica a quase 2.000 metros de altitude, disponibilizando mais de uma centena de quartos.

“Mas não estão a dar resposta. Há pessoas a fazerem quartos individuais nas suas casas e nós também queremos incentivar isso, face aos receios de termos aqui, um dia, quem sabe, uma grande unidade hoteleira”.

A preocupação, desabafa, é “evitar” que o “turismo de massas” chegue a Chã das Caldeiras, como acontece com outras ilhas de Cabo Verde.

“Se vier muita gente, acaba por estragar tudo. As pessoas querem autenticidade”, assume.

A associação já lançou a primeira pedra para a sua sede, em construção na área antes tomada pela lava da erupção de 2014, prevendo para o início do ano a sua inauguração, juntamente com uma página de Internet, financiada por uma Organização Não-Governamental italiana.

A futura sede, além do apoio e formação dos guias de Chã das Caldeiras, será uma espécie de posto de turismo – que não existe na aldeia -, para aconselhar quem chega para visitar o vulcão.

“Há pessoas que não têm condições físicas para subir ao pico grande, mas podem sempre subir ao pico pequeno. É esse aconselhamento e ajuda que pretendemos dar”, remata Alcindo.

Paulo Julião (Texto), Fernando de Pina (Fotos) e Ricardino Pedro (Vídeo)