Basta fazer uma pesquisa no Google sobre mulheres que viajam sozinhas para encontrar centenas de artigos com dicas e com destinos a evitar por serem inseguros para o sexo feminino. Isto é explicado pelo facto de serem cada vez mais as mulheres que optam por viajar sozinhas. Por exemplo, as pesquisas sobre “Solo Women Travel” cresceram 230% em 2019, de acordo com o site Solo Travel World. Além disso, viajar sozinho, independentemente do género, é uma tendência que vai continuar a crescer no pós-pandemia.

Afinal, viajar sozinha é inseguro? Ainda é um ato olhado com algum preconceito? Existe receio por parte das mulheres? Fomos à procura de respostas através dos depoimentos de cinco mulheres portuguesas que viajam sozinhas. Diferenças à parte, estas viajantes deixam um conselho em comum: todas as pessoas deviam, pelo menos uma vez na vida, viajar a solo.

Ana Brígida, 34 anos, fotojornalista

Sem dúvida que viajar sozinha nos ajuda a ter mais autoconfiança

A minha primeira viagem sozinha foi para Londres, foram 10 dias a passear pela cidade e arredores. Tinha 19 anos na altura. Depois fiz os Estados Unidos de Nova Iorque até Los Angeles, com um grande amigo meu, e com 21 fui para a China durante um ano estudar. Em 2010 voltei e estive a viajar pela China, Laos e Tailândia durante seis meses. Na altura, havia sempre um comentário ou outro, é normal que se fique apreensivo quando, às vezes, até nós próprios estamos. Estamos a falar também de uma altura em que não existiam smartphones. Tínhamos o Skype e já era uma sorte!

Acho que ainda existe algum receio, mas também temos de ter em conta os diferentes destinos. Infelizmente, ainda existem algumas zonas do mundo que podem ser menos seguras para uma mulher, mas, por outro lado, também acho que com a atitude certa e com a noção do sítio para onde vamos, as coisas podem sempre correr muito bem.

Já me senti insegura algumas vezes

Já me senti insegura algumas vezes, mas não por ser mulher, acho que se, às vezes, nos pomos em determinadas situações, é normal que acabemos numa situação menos segura. Já fui apalpada no metro na Cidade do México, bem como a sair de um autocarro às 4h da manhã em Bangkok. Mas no metro da cidade do México existem carruagens para homens e outras para mulheres, pondo-me na carruagem dos homens, estou a pôr-me numa situação que, mais tarde, viria a perceber o porquê de existirem diferentes carruagens.

Ana Brígida
Ana em Bangkok créditos: DR

Mongólia, Laos e China foram países que me ficaram no coração. Na Mongólia foram cerca de dois meses em que estive a fazer um trabalho sobre os mineiros de ouro no deserto do Gobi, vivia com eles o dia a dia nas minas enquanto dormia numa pequena tenda. Todos estes três países também foram muito desafiantes e isso também me interessa como pessoa. Não são países fáceis de viajar, seja pela língua, pelos transportes. Mas é nestas diferenças que encontramos a essência bonita da interação humana. Descobrimos a mímica, os desenhos e os sons como forma de linguagem, tudo isto com muitos sorrisos.

Sem dúvida que viajar sozinha nos ajuda a ter mais autoconfiança, percebermos que somos capazes de fazer novas amizades, tomadas de decisão, desenrascar-nos em situações não planeadas. Para além disso, dá uma noção muito humilde do mundo. Transformou a minha forma de ser e ver as coisas.

Andreia Costa, 30 anos, informática

Absorves tudo aquilo que te rodeia

Tinha 24 anos quando fiz a minha primeira viagem sozinha e o destino escolhido para a grande aventura foi Tailândia. “Que era mulher”, “que a Tailândia ficava do outro lado do mundo”, “que era maluca”, “que não sabia os perigos que corria em ir sozinha.” Foram alguns dos comentários dos amigos. Os pais disseram: “achamos que fazes muito bem”.

O ser humano tem a tendência de primeiro pensar nas coisas más e só depois as boas. Claro que não estamos livres de coisas más, mas em Portugal podem acontecer exatamente as mesmas coisas. Ninguém está livre de ser assaltado em Portugal, por exemplo. Penso que a maior parte dos países, com exceção da Europa, estão um bocado condenados ao que as pessoas ouvem dizer, seja pelos media, seja por relatos de outras pessoas. Assim, nunca evitei nenhum destino pelo facto de ser mulher.

Descobrimos que temos aptidões que nem sequer sonhamos

Nunca me senti insegura em qualquer parte do mundo. Confesso que existem cidades que é preciso redobrar a atenção. O que às vezes sinto é que há cidades que não estão habituadas ao turista estrangeiro e nesse caso ou tratam super bem ou então olham um pouco “de lado”, nomeadamente por ser mulher e andar sozinha (refiro-me mais a países com forte cultura muçulmana).

Andreia Costa
Tailândia, Filipinas e Índia (na imagem) foram os destinos que mais marcaram Andreia créditos: DR

Quando se viaja sozinha, para além de passarmos muito mais tempo connosco próprios, descobrimos que temos aptidões que nem sequer sonhamos. Temos de nos desenrascar, tomar decisões, falar com as pessoas... Todos os dias são diferentes, não existe rotina e isso é desafiante. Tudo depende de ti e apenas de ti. Só quando saímos da nossa zona de conforto é que conseguimos crescer e evoluir e isso em viagem a solo acontece todos os dias.

Viajar sozinha aumenta a confiança que tens em ti, muda a tua maneira de estar na vida e de ver o mundo, altera as tuas prioridades, absorves tudo aquilo que te rodeia, ajuda no autoconhecimento, falas mais com as pessoas locais ou outros viajantes. A parte pior de viajar por “nossa conta” é que ganhas um dos melhores vícios que existe, viajar!

Sandra Figueiredo, 38 anos, investigadora, professora e influencer

Como é que consegues viajar sozinha?

Recordo tão bem da minha primeira viagem sozinha: aos 23 anos, para o Brasil, mais especificamente, Florianópolis. Ouvi comentários apreensivos da parte de amigas que, na maioria das vezes e até hoje, dizem: “como é que consegues viajar sozinha?”. Os sentimentos que as pessoas pensam e evitam: solidão na viagem e perigo em determinados destinos.

Ainda existe algum receio em viajar sozinha, daí que ainda não tenhamos mulheres, de forma significativa, no ranking de Grandes Viajantes. Mas não condeno e nem refuto a questão de receio ou, digamos, prudência. Há destinos para os quais eu preferi ir acompanhada: Turquia, Palestina e Egito, por exemplo. As portuguesas talvez ainda mantenham esse receio pela sociedade patriarcal que temos, embora muito se alterou com as novas profissões, como as cientistas: temos de viajar imenso para congressos e junta-se o útil ao agradável. Também as jornalistas, as escritoras, as modelos e, claro, as profissionais na área de aviação.

Sandra Figueiredo
Camboja (na imagem), Alemanha, Tailândia, Costa Rica, Belize, Guatemala, Miami, Nova Iorque, Panamá, Malta foram os destinos que mais marcaram Sandra créditos: DR

Nunca me senti insegura, nem quando me ‘esganavam’ com olhares na entrada de países mais conservadores. Para tal há que respeitar a cultura e um lenço resolve tudo. Aliás, até gera mais encanto em toda a viagem, o exotismo atrai-me e não lhe chamo ‘condicionamento’. Nos meus quase 50 países, não me recordo de uma única situação, nem quando fiz um dia no meio da selva de Costa Rica ou quando palmilhei as lindas favelas do Rio de Janeiro.

Receita de empoderamento e de perder medos é mesmo viajar

Quando era “criança” (com cerca de 25 anos) evitei Egito e México. Até hoje arrependo-me, mas vou ao México em breve. Egito, done. Quando se é mulher, não se evita nada. Mas prudência considero para casos como Índia (estar sempre acompanhada é melhor, nem que seja com um guia) e Jamaica. Bolívia nunca fui, mas não sei se iria sozinha…

Receita de empoderamento e de perder medos é mesmo viajar. Quando viajo me sinto a mulher mais feliz do mundo. Sublinho que adoro adormecer e acordar quando quero, deixar de tomar o pequeno-almoço, se for o caso, escolher os tours que prefira, perder-me nas horas e meditar ou algo parecido. Depois, voltar com maior vontade de beijar Portugal.

Ana Maria Lourenço, 35 anos, assessora de comunicação

Viajar sozinha tornou-se quase obrigatório

A primeira viagem completamente sozinha foi em 2019, para Bilbao. Não comecei a viajar sozinha por opção e, na verdade, prefiro viajar com companhia. Não em grupos grandes, mas viajar com uma ou duas pessoas para mim é ideal. Gosto de partilhar, a verdade é essa.

Contudo, com a idade, viajar sozinha tornou-se quase obrigatório. Nunca deixei de fazer nada por não ter companhia, seja ir ao cinema, ir ao teatro ou a concertos. Por isso, quando não conseguia conjugar mapas de férias com amigos, comecei a marcar férias sozinha. Essa é logo a primeira vantagem: quando não temos medo de ir sozinhos, podemos aproveitar todos os fins de semana prolongados, todas as férias, podemos ajustar orçamentos, disponibilidades, tudo de forma mais fácil e sem discussão. A segunda vantagem é, e isto vai soar egoísta, aproveitar o destino à nossa maneira. Eu gosto de caminhar quilómetros e quilómetros, uso transportes só quando necessário - isto é chato para muita gente. Posso parar quando quero, ler um livro para descansar as pernas e prosseguir. Também adoro sentar-me em esplanadas e ficar simplesmente a observar a cultura, absorver a cultura. Isto geralmente é mais fácil quando estamos sós.

A minha mãe fica muito assustada e o grau de preocupação aumenta consoante o destino. Quando fui para Cabo Verde, por exemplo, ela ficou bastante apreensiva. Teme pela minha segurança. Quanto aos meus amigos, dividem-se em duas reações: os que também viajam sozinhos e que simplificam tal como eu, e os que consideram um ato de coragem. Oiço muitas vezes a frase “quem me dera ter coragem”.

Ana Maria no Dubai
Destinos que mais a marcaram: Bilbao porque foi a primeira e Bordéus porque foi a última, mas a viagem realmente mais importante é sempre a próxima! créditos: DR

Sabemos que há sociedades onde as mulheres não têm a independência e os direitos que têm na Europa. Sabemos que há países com estatísticas assustadoras de violência, assédio, violações. Depois há países sobre os quais não sabemos quase nada. É, por isso, que nos grupos de viagens uma das perguntas mais comuns é: “é seguro para uma mulher sozinha?”. As mulheres procuram esta validação através da experiência de outros, o que expressa o receio de más experiências. Eu percebo e também sinto esse receio, mas não me impede de ir e de viajar. Até agora tem corrido bem.

Fiz coisas maravilhosas e que me fizeram sentir mais livre

Onde me senti mais observada foi no Dubai. É verdade que dos Emirados Árabes é dos mais ocidentalizados, com muita mistura de culturas e onde já estão acostumados a ver estrangeiros e mulheres sem estarem de rosto e cabeça coberta, por exemplo. Também é verdade que me vesti de forma sóbria. Ainda assim, por andar a pé, nos museus, a andar de barco, sempre sozinha, fui bastante observada e abordada também. Contudo, não me senti perturbada em momento algum. Alguns países requerem maior pesquisa: saber bem os costumes, a cultura, sítios e horas a evitar, os melhores e mais seguros sítios para ficar a pernoitar. Há destinos onde é preferível fazer tours em vez de partir à descoberta sozinha. Há sempre alternativas. O importante é ouvirmos os nossos instintos.

Fiz coisas maravilhosas e que me fizeram sentir mais livre - dos sentimentos mais poderosos de sempre. Uma delas foi andar à boleia em Cabo Verde. Nunca fiquei em hotel, fiquei em casa de locais e para me deslocar andava à boleia. No meu último dia da viagem, levantei-me ao nascer do sol para ir ao deserto de Viana. Ia voar na hora do almoço e faltava-me fazer esse ponto de visita. Apanhei três boleias até chegar ao deserto, as ruas estavam ainda vazias e na estrada só andavam camiões e carrinhas de trabalhadores. Foi com eles que apanhei boleias: precisei de ajuda para subir para um camião gigante, fui sempre a única mulher e notoriamente turista, confiei quando me mandavam sair e procurar boleia noutra estrada do cruzamento e correu tudo bem. Cheguei onde queria, nunca me aceitaram dinheiro e fui respeitada. Se corri riscos, se calhar, mas não tinha motivos para desconfiar de pessoas que não conhecia. Costumo dizer que devemos confiar mais no desconhecido, aprender a evitar preconceitos e pré-conceitos. Isto vai levar-nos a ter melhores experiências e a viver o inesperado.

Ana Luísa, 40 anos, gestora de cliente na área da construção

Peguei no carro, sai e fui sem destino

Tinha 35 anos quando fiz a minha primeira viagem sozinha e não tinha destino. Estava de férias, no sofá, sem nada combinado e com 17 dias pela frente. Resolvi pôr umas coisas na mochila, peguei no carro, sai e fui sem destino. Nessa altura não sai de Portugal, estive por Peniche, Nazaré, até chegar a Monchique.

Quem gosta de nós fica sempre preocupado quando sabe que vamos viajar sozinhas, mas nada de mais. Não é um passo muito fácil. Não sei se por ser mulher, mas mais por não termos por hábito fazer coisas sozinhos. Nem ir ao cinema ou a um restaurante, quanto mais ir para outra cidade outro país. Fica sempre difícil o arranque, a decisão.

Faz-me sentir bastante independente

Não me senti insegura. Tento não me colocar em sítios pouco movimentados à noite, tento sempre saber o caminho para casa. Levo sempre o cartão do hotel para, se me distrair, apanhar um táxi e voltar ao hotel sem problemas de maior.

Ana Luísa em Budapeste
Os destinos que mais a marcaram foram: Praga, Viena e Budapeste créditos: DR

Saber que não dependo de ninguém para fazer o que gosto faz-me sentir bastante independente. Ter ultrapassado o medo de apanhar um avião e ir conhecer o mundo deixa-me bastante feliz e com vontade de ir um pouco mais além que os limites da rotina. É uma experiência única, quer seja ela boa ou nem tanto. Todos deveríamos, pelo menos uma vez, ter coragem de ir e estar sozinho. Sentir na pele as dúvidas, os nossos gritos interiores. Ter medo de tudo correr mal, de não sentir segurança. Só quando te desafias e superas o que nunca imaginaste que serias capaz é que te tornas um ser mais maduro, sendo que a maturidade é a inocência recuperada.