Bilhete-postal enviado por Fernando Vaz

Aterrar, confirmar que a máscara está devidamente colocada, sair do avião para o autocarro que nos levaria ao terminal. Ao entrar no autocarro, o primeiro sinal: o motorista não usava máscara, nem os colegas que trabalhavam na pista do aeroporto. No terminal um amontoado de pessoas sem qualquer distanciamento físico, máscaras, ou gel desinfectante para uso. Um roll-up anunciava a existência da doença COVID-19, situado lado a lado com os respectivos para malária, febre amarela, entre outras doenças que assolam a região, ficando-se por aí as medidas tomadas pelo governo local. Era a confirmação daquilo que já tinha lido: na Tanzânia, neste caso Zanzibar, a COVID-19 não mereceu tratamento diferente de qualquer outra doença e a vida prosseguia de forma absolutamente normal.

Tratadas as burocracias relacionadas com visto e carimbo de passaporte, seguia-se uma viagem de cerca de duas horas até ao destino onde iria ficar por, pelo menos, um mês. Pude voltar a viajar da forma que mais gosto, à boleia, estabelecendo contacto com as comunidades locais e conhecendo pessoas novas através do diálogo e troca de experiências presencial, circunstância que a gestão da pandemia COVID-19 me impossibilitara até então. Ao perguntar a cada uma das pessoas que conhecia qual a sua visão sobre a COVID-19 e a postura assumida pelo governo local, as respostas foram unânimes: a preferência por manter a liberdade, os seus trabalhos, o seu sector turístico activo, a imobilizar toda a actividade, possivelmente condenando-os a situações de precariedade física, mental e social.

Aterrei em Zanzibar no dia 20 de fevereiro de 2021, uns dias após o falecimento do Vice-Presidente da Tanzânia, pelo que o país ainda se encontrava em luto. Assim, os locais de diversão nocturna encontrar-se-iam encerrados durante uma semana. Nesse período, apenas decorriam alguns ajuntamentos em hostels ou na praia, sem grande aparato, mantendo-se o restante sector turístico perfeitamente operacional. Do mesmo modo, já se notava a tremenda diferença entre a Tanzânia e o resto do mundo. Os sorrisos não eram cobertos por uma máscara, o distanciamento social dava lugar a abraços entre desconhecidos que acabavam de se conhecer, as mesas dos restaurantes eram preenchidas por viajantes de todo o mundo que, ali, aproveitavam para conhecer melhor cada cultura ali representada. Terminado o período de luto, aconteceu uma autêntica viagem no tempo. Era o regresso a 2019, com bares 100% funcionais, festas sem qualquer tipo de limitação a nível de lotação, concertos ao vivo com casa cheia. O medo dava, finalmente, lugar ao prazer de viver. As restrições que os vários governos impuseram aos seus cidadão davam lugar a um conceito que tantas vezes foi posto em causa no último ano: liberdade.

Zanzibar: passaporte para 2019
Forte português em Stone Town créditos: Fernando Vaz

Durante o mês e meio que passei em Zanzibar não vi (literalmente) mais que uma mão cheia de pessoas a usar máscara, todas em resorts de alto luxo virados para o turista ocidental que, circunstancialmente, visitei. Não vi uma única pessoa com medo de um abraço ou com receio de uma conversa ao balcão de um bar. Consegui fazer algo que durante um ano me foi retirado: conhecer pessoas, aprender com elas, estabelecer contacto com culturas diferentes da minha e, assim, crescer enquanto ser humano. Mas, acima de tudo, vi crianças na escola, livres, a crescerem sem o medo de abraçarem os colegas e as suas famílias, que não se viam obrigadas a usar uma máscara que escondesse as suas expressões faciais.

Seria de pensar que tal relaxamento nas medidas levaria ao caos apoteótico, ainda para mais num sistema de saúde já de si frágil como o da Tanzânia. Nada mais errado. Em conversa com habitantes locais pude constatar que as infra-estruturas hospitalares nunca entraram em sobrecarga e que, quem necessitava de acesso a cuidados de saúde, os tinha. Em dois casos particulares distintos, assisti a duas pessoas diferentes que necessitaram de tratamento médico urgente, um turista holandês que sofrera um acidente de mota e uma habitante local que desenvolvera Malária, tendo ambos sido tratados devidamente, sem tempos de espera comprometedores para a sua saúde, estando agora bem de saúde. Na Tanzânia, a Covid-19 foi tratada como doença que é e não como catalisador do apocalipse mundial.

Mas Zanzibar é muito mais que um refúgio para quem quer viver em liberdade. Os anos de colonização africana, ocidental e árabe fazem da ilha um autêntico palco de diversidade cultural, expresso em influências linguísticas, gastronómicas, arquitectónicas. O forte português em Stone Town, cidade principal da ilha leva-nos séculos atrás, onde até se encontra uma janela em estilo manuelino. Palavras como mesa ou bandeira assumem o mesmo significado na língua local, Swahili, e são vários os pratos locais que começam a sua confecção com o nosso bem conhecido refogado de alho e cebola. Praias paradisíacas estão literalmente por toda a parte e os recifes bem preservados servem de albergue a peixes e corais que proporcionam uma verdadeira explosão de cores a quem os visita. A simpatia do povo local é avassaladora, o seu estilo de vida "pole-pole" é contagiante e o esforço que fazem em preservar o seu sector turístico faz de Zanzibar uma ilha bastante segura.

Após tantas viagens, guardarei as memórias de Zanzibar com um carinho muito especial. Porque, acima de tudo, possibilitou-me voltar a fazer aquilo que mais me apaixona: desfrutar da vida.

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