Vir fazer um gap year a Portugal e não passar por Lisboa é quase pecado… capital. A piada foi propositada, claro, mas será uma das primeiras coisas que vais encontrar quando parares para beber um café num dos muitos bairros que a capital tem. Podíamos aconselhar pores em prática um português correto na hora de pedir uma bica, mas vamos fazer isto ao contrário, para teres a verdadeira experiência de alfacinha. Entra num café e diz “queria um café, se faz favor”. A resposta do outro lado do balcão vai ser imediata – “Queria? Já não quer?”. Claro que isto não acontece só em Lisboa, Portugal é exímio em trocadilhos, anedotas e em fazer sorrir. Mas aqui o efeito é potenciado pela vida de bairro, de que tanto gostamos.

Lisboa é uma cidade que não parece uma cidade. Guarda em si uma vida de bairro em bairro, que é única, que é imediata, que estende a passagem dos dias à janela, na corda do estendal e nos vasos com flores que vão do verde-vivo ao castanho-seco, conforme o trato. Visita Lisboa, passa por cá uma temporada, mas não te deixes ficar só pela Lisboa “de baixo”, vai observando a vida da Lisboa “de cima”, ou não fossem os corvos parte da sua simbologia.

É uma cidade com muito para ver, fazer e sentir, e vai ser difícil mostrar-te tudo o que por cá podes encontrar. Por isso vamos focar-nos em alguns pontos, que foram destacados pela Maria Leones, uma das nossas voluntárias, e por mim, que por cá nasci e vou vivendo.

Começa por acordar cedo e fazer uma visita aos mercados que preenchem cada bairro. Consoante a zona onde te encontrares, vais facilmente encontrar um, à distância de uma pequena caminhada. Ou de um passeio higiénico, como mandam os tempos atuais.

No Mercado de Alvalade encontras a banca do Sr. Sadik onde podes provar todas as suas especiarias e sair de lá com uma explosão de sabores na boca, e uma bem composta banca de peixe; no Mercado de Arroios, ali na Praça do Chile (“ali"… é tudo perto na cidade das Sete Colinas), dá os bons dias à Manuela dos Caracóis, espreita as várias bancas de legumes, leguminosas e queijos, e se a fome apertar entra no Mezze, da Associação para a Integração de Refugiados do Médio Oriente Pão a Pão, onde podes experimentar comida síria.

No Mercado de Campo de Ourique, as influências são espanholas, ou não tivesse sido renovado e dinamizado ao jeito do Mercado de San Miguel, em Madrid – as bancas com peixe e frescos continuam, mas os restaurantes fervilham; e no Mercado 31 de Janeiro, um dos mais recentes Mercados de Lisboa, há flores, frutas e legumes, peixe fresco e a Rota das Índias, com ramos de cheiros e especiarias a granel. Há muitos mais mercados em Lisboa e convidamos-te a explorá-los um bocadinho, para a verdadeira experiência de um local. Deixamos para última nota o Mercado da Ribeira, onde podes comprar flores e um pastel de nata da Manteigaria na porta ao lado.

Lisboa é um mundo e enriquece todos os dias com ele, sem nunca perder a sua virtude. Lisboa bairrista, mas com influência de todos os lados. Lisboa é um autêntico gap year, se virmos bem. Ajuda a conhecer-nos a nós e aos outros, mostra-nos que há mais mundo para lá das nossas quatro paredes e tem influência de séculos de outras culturas.

Começar a descer a avenida Almirante Reis até à Praça da Figueira é entrar num mundo de contrastes. No seu início encontramos o espaço Maria Modista, onde podes aprender a costurar (o ofício de muitas das donas de casa que vieram do interior do país à procura de uma vida melhor na cidade), bem como o Café Império, que já foi um cinema outrora. Uns passos para a frente e não faltam lojas de ferragens, de roupa interior, sapatarias e lojas de candeeiros, ao mesmo tempo que supermercados vários de comida oriental e restaurantes de comida típica chinesa e indiana. No mesmo prédio onde um toldo grande diz “Tsingtao”, uma das mais conhecidas cervejas chinesas, no rés-do-chão, no primeiro andar vive um letreiro de um alfaiate ou de uma modista que grita “alugam-se fatos”. Mais uns minutos de caminho e conseguimos virar para o Largo do Intendente onde a loja A Casa Portuguesa mostra o que de melhor é feito em Portugal, como os azulejos da Fábrica de Cerâmica Viúva Lamego, que curiosamente podemos encontrar uns metros mais à frente. E não esquecer a mítica marisqueira Ramiro, onde ainda não terminaste uma imperial e já tens outra à tua frente. Por fim, dás por ti no Largo do Martim Moniz e na Praça da Figueira, com os seus tradicionais táxis parados à espera de quem quiser ser transportado.

Lisboa também é festa, ou não vivêssemos nós os Santos Populares ao rubro. Basta perguntar a qualquer lisboeta qual é a sua altura favorita do ano e o 13 de junho será a resposta dada com mais frequência. Nesta altura todos os bairros competem entre si, para ver qual o mais típico, o mais folião, o que tem os melhores pregões, quadras e ritmo, e reina um cheirinho a sardinha assada no ar. Também cheira a manjerico, mas para melhor o sentires passa-lhe a mão por cima e cheira o aroma que deixa nela, nunca diretamente do vaso. Um gap year também deve ser feito de diversão e nada melhor do que aprenderes sobre uma cidade e a sua cultura em festa. Escolhe o teu bairro e defende-o com unhas e dentes. Mas de barriga cheia sempre.

E não podia deixar de respirar e ser cultura. Quando tomamos a decisão de fazer um gap year somos geralmente inspirados por livros, filmes, música e testemunhos de quem já foi e voltou e que trouxe uma bagagem cheia de estórias para contar. E Lisboa tem uma bagagem bem carregada. Tem o fado da Maria Severa, que eternizou o seu amor com o Conde de Vimioso, o fado de Amália Rodrigues, e o fado de Carlos do Carmo que deu a conhecer a sua “Lisboa menina e moça” a quem a quiser receber de braços abertos, o teatro de revista, que dizem ser o fado falado com humor, a poesia de Fernando Pessoa, de Sophia, de Natália Correia, de Ary dos Santos, de Cesarinny e de muitos outros, a lírica de Camões, e adotou a prosa de quem não sendo alfacinha de gema, a tornou um ponto de atração na literatura e na música portuguesas, como José Saramago. Quando passares pelo Terreiro do Paço, não te esqueças de passar o Arco da Rua Augusta e virar à esquerda, para terminares na Casa dos Bicos, a atual Fundação José Saramago, na zona ribeirinha da cidade.

E porque este texto já vai longo, prometemos outro. Porque tanto falámos sobre Lisboa e ainda não chegámos ao Tejo que a banha e a todo o seu encanto. Ou não fosse feita de um mundo esta cidade, esta menina, esta moça.

Pela Gap Year Portugal, Joana Firmino Ribeiro

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