Pouco passa das nove da manhã e já a carrinha de António Mendes, o homem do pão, está parada no largo à entrada do Piódão, no concelho de Arganil. Diariamente, passa por esta e por outras povoações, vendendo pão, broas, bolos, bolos rei e carcaças. Pouco mais de 60 pessoas vivem nesta aldeia, rodeada de pequenas ribeiras, no coração da serra do Açor. O Piódão, que muitos comparam a um autêntico presépio, foi-se construindo em anfiteatro, com recurso ao xisto, muito abundante na região.

A circulação na aldeia faz-se por entre ruas irregulares, curtas e estreitas, ou por escadarias que dão acesso aos pontos mais altos e permitem vistas fantásticas do vale, mas também do casario de portas e janelas de madeira, pintadas de azul, imagem de marca do Piódão. A aldeia é um exemplo vivo da capacidade de adaptação das populações, noutras épocas, mesmo em ambientes de geografia difícil e vias de comunicação quase inexistentes.

Conta uma lenda local, que por aqui se terá escondido, durante algum tempo, um dos assassinos de Inês de Castro, Diogo Lopes Pacheco, aproveitando o isolamento e a lonjura da aldeia e escapando assim à morte a que estava condenado. Hoje, o Piódão integra a rede das Aldeias Históricas de Portugal e é uma aldeia aberta ao turismo.

No verão, os acessos e zonas de estacionamento em torno da povoação são escassos para acolher os inúmeros visitantes que procuram as águas frescas e as cascatas da região para um mergulho refrescante. É o que acontece na praia fluvial da aldeia, resultante de uma pequena represa que retém as águas da ribeira do Piódão, criando piscinas naturais (bandeira azul desde 2016); ou na Foz d’Égua, outra zona balnear, de águas cristalinas, a poucos quilómetros do Piódão, a que se chega descendo pequenos degraus de xisto.

Voltando à aldeia, logo na praça principal, o visitante pode entrar no pequeno mas muito interessante Museu do Piódão e ficar a conhecer as memórias da vida colectiva dos habitantes desta aldeia, percorrendo uma significativa exposição de fotografias de época, antigas alfaias agrícolas e muitos outros registos históricos da região (entrada 1€).

Na parte cimeira do largo, fica a igreja matriz de Nossa Senhora da Conceição, uma construção anterior ao séc. XIX, mas que foi objecto de uma grande intervenção em 1898, que lhe deu o atual perfil arquitetónico. A cor branca da igreja contrasta com o tom escuro do resto da aldeia o que a distingue, à distância, no meio do casario. Outros dois pequenos edifícios religiosos que merecem visita são a Capela das Almas (séc. XVIII) e a Capela de São Pedro (séc. XVII).

Na hora do almoço, há várias opções para uma refeição na aldeia. À entrada, está o restaurante ‘Delícias do Piódão’, com uma ampla esplanada e vista para todo o vale circundante. Cabrito assado, chanfana e bucho são os pratos regionais mais populares e que atraem mais visitantes.

Chanfana do Delícias do Piódão
Chanfana do restaurante Delícias do Piódão créditos: Food and Travel Portugal

Um pouco mais para o interior, mesmo junto ao chafariz do Piódão, está ‘O Fontinha’, o primeiro restaurante a abrir na aldeia, em 1989, pela mão do pai de José Lopes, o actual proprietário e também presidente da Junta de Freguesia. Na cozinha, ficamos a saber a receita do bucho que se serve na casa: estômago de porco, febra, sangue, arroz, salsa, cominhos e cravinhos. E também um dos segredos do tempero da chanfana: o uso do serpão, uma erva aromática que cresce no campo em forma de pequeno arbusto. Nos doces, o destaque vai para a tigelada, feita com ovos, açúcar, casca de limão, leite e canela, tudo dentro de um tacho de barro que vai a cozinhar no forno a lenha. No final, o doce vai para a mesa no próprio tacho e é servido em fatias.

Doces são também a especialidade de Fátima Quaresma, conhecida por Tuxa. É dela a autoria das Cajadas do Piódão e das Telhas do Piódão, produzidas numa pequena doçaria instalada em Côja, a 30km da aldeia. “Andei dois anos atrás da receita original das cajadas: mel, castanhas e nozes”, conta. “Muitos frades de Coimbra vinham de castigo para o Piódão e eles sabiam as receitas dos doces. Tentamos recuperar essas receitas mais antigas”. Agora, as Cajadas estão no mercado há seis anos e são um sucesso, vendidas em embalagens de seis unidades. O mesmo se passa com as Telhas, vendidas em caixas de cartão com o formato de uma casinha do Piódão; e com as broas de batata e de abóbora: “A minha avó fazia as broas com abóbora, mas num ano em que não houve abóboras, acabou por fazer com batata”.

Telhas
As Telhas do Piódão créditos: Food and Travel Portugal

Tuxa vende os seus produtos para lojas em todo o país, na sua própria loja, ‘A Boutique da Tuxa’, e na loja da filha, ‘Coisas Daqui e Dacolá’, uma espaço de promoção e venda de produtos tradicionais da região, também situado em Côja e onde encontramos licores, aguardentes, cervejas artesanais, azeites e até o gin Amicis, feito com botânicos das serras da Lousã e do Sicó.

Muito perto, ainda em Côja, está a fábrica de licores Donanna, de Ana Maria Brito, a funcionar desde 2005, uma sociedade que junta mãe, filhas e genros. “Temos uma variedade grande de licores, doces de fruta e bolachas”, conta Ana Brito no meio de uma azáfama que se divide entre a produção dos licores e dos doces. Daqui, saem licores feitos com produtos da região, como o medronho, a castanha ou o mel; doces à base de abóbora, mirtilo ou amêndoa; e bolachas de gengibre, sésamo e canela, ou salgadas, com sabor a alho e orégãos.

Informação de viagem

Onde comer

Delícias do Piódão: Fica logo à entrada da aldeia. Tem uma esplanada com vista magnífica para o vale e uma sala confortável para apreciar pratos regionais como o cabrito assado no forno ou a chanfana. Tel. 963 557 214

O Fontinha: Aberto há quase 30 anos, localizado no interior do Piódão, serve comida típica regional, com destaque para a chanfana assada em forno a lenha, o bucho de porco recheado ou as trutas grelhadas. Tel. 235 731 151

Solar dos Pachecos: Também localizado logo à entrada do Piódão, serve as especialidades da região, além de oferecer uma variedade de refeições rápidas e petiscos. Tel. 235731424

Onde dormir

Casa da Padaria: O edifício de paredes de xisto e janelas azuis foi em tempos uma padaria, função ainda recordada com o tradicional forno a lenha, presente na sua forma original, e com alguns utensílios utilizados no fabrico do pão de forma artesanal. Dispõe de 4 quartos. Duplos desde 50€. Tel. 235 732 773, casadapadaria.com

Inatel Piódão: Construído em xisto, este hotel é um bom ponto de partida para quem pretende dedicar-se à descoberta da serra. Dispõe de 27 quartos totalmente equipados, restaurante e piscina coberta aquecida. Duplos desde 50€. Tel. 235 730 100, inatel.pt

Casa de Xisto do Piódão: Casa rural em xisto, situada no centro da aldeia. Foi restaurada recentemente, tem lareira e aquecimento central. O aluguer da casa é feito em exclusivo e o valor depende do número de noites e de pessoas. Preço: 6 pessoas, 150€, casadexistopiodao.com

Para mais informações: Visite o site visitarganil.pt

Artigo originalmente publicado na revista Food and Travel Portugal