Márcia Monteiro
Márcia Monteiro

Texto por Márcia Monteiro

Uma das coisas que me fez mais confusão nos dias que passei em Nova Deli foi o ruído. Na Índia, as buzinas dos veículos são constantes, seja dia, noite ou madrugada. Conseguem imaginar o que é ouvirem buzinas de centenas de veículos em simultâneo a qualquer hora do dia ou da noite?

A deficiente infraestrutura urbana voltada para o trânsito faz com que não se estabeleça um limite físico por onde os veículos podem circular, logo o volume que transita pelas ruas resulta num sistema de trânsito aparentemente caótico e desordenado. As principais características do intenso trânsito indiano, para além da permanente utilização das buzinas, é a existência de pessoas e animais que circulam em simultâneo nas ruas em simultâneo com os veículos, ou seja, não existe a delimitação de espaços por onde cada um deva andar.

À primeira vista é difícil compreender como é que os condutores indianos se orientam nestas condições muito menos como é que é possível saírem incólumes sem registos de acidentes. Com alguma observação, rapidamente percebemos que a condução é defensiva, ou seja, os condutores estão sempre atentos a todos os movimentos. Por causa disso, a buzina é absolutamente necessária e não é considerada ofensiva como na Europa, portanto não se trata de nenhum instrumento para chamar a atenção ou para reclamar. A buzina serve para sinalizar manobras. Se um veículo pretende parar ou fazer qualquer outro tipo de manobra, usa buzina. Porque normalmente tudo o que diz respeito à sinalização luminosa (sejam os piscas dos veículos ou os semáforos), não funcionam.

Isto pode parecer um detalhe sem importância, mas para as pessoas que estão habituadas a um trânsito mais ou menos organizado, isto faz toda a diferença. Para quem não está habituado ao ruído da cidade, faz ainda mais diferença porque o ruído na Índia é constante e multiplicado por centenas de veículos. Se para a maioria das pessoas o trânsito indiano parece caótico, a verdade é que no meio do caos, todos eles se organizam respeitando a lógica da cooperação mútua quase como se estivessem a respeitar um código da estrada que só eles entendem. Vi estradas largas com três faixas de rodagem onde circulavam cinco faixas de veículos, vi pessoas a embarcarem e a desembarcarem em camionetas em pleno andamento e a maioria delas levava mais de vinte passageiros no tejadilho e o mais impressionante de tudo, não vi um único acidente em toda a viagem.

Acho incrível como é que cada país ou cada cultura tem as suas próprias formas de lidar com as mais diversas situações. Pode parecer um episódio sem importância, mas termos a capacidade de observar e compreender cada uma destas formas, faz-nos ganhar mais respeito e tolerância por cada um de nós. Numa situação normal, qualquer pessoa diria que é inadmissível conduzir numa cidade sem o mínimo de condições, sem sinalização, sem policiamento, etc. Mas a verdade é que aquela é a realidade deles e é dentro de cada uma dessas realidades, que as pessoas têm de aprender a viver.

Excerto de "A Magia das Viagens", de Márcia Monteiro, editado pela Cordel D' Prata.

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