Por João Damião Almeida

A História quase milenar do nosso território lusitano, e as batalhas equestres nele travadas, habituou-nos a castelos medievais e cidades muralhadas, numa herança que, não sendo única, é ímpar. Quatro meses depois de deixarmos a Europa, fomos encontrar ruínas deste tipo de construção secular, com a sua localização elevada e as suas muralhas em pedra, por entre macacos e sob um calor tórrido de latitudes surpreendentes, no Zimbábue.

Outrora, um dos maiores impérios de África

O Reino do Zimbábue foi um império Bantu que surgiu há pelo menos 800 anos e que cobria a região do atual Zimbábue e norte de Moçambique. Além de uma potência agrícola e militar, este povo controlava o comércio na região, produzindo metais e marfim. Por todo o território, ergueram vilas e cidades em pedra, que os primeiros registos escritos (do português Vicente Pegado) chamam de Symbaoe e que significaria em Shona "casas de pedra". Ao maior e mais impressionante dos 200 symbabaoes (ou zimbábues) que chegaram aos nossos dias deu-se o nome de Grande Zimbábue e foi esse monumento que deu nome ao país em 1970.

Uma das casas de pedra do Zimbábue
Ruínas de um estilo de habitação medieval, conhecida por Symbaoe, que está na origem do nome atual do país. créditos: Projeto Prá Frente

Hoje em dia, passear nesta cidade perdida, outrora capital e sede do poder, permite adivinhar a grandeza daqueles tempos. A cidade alojaria milhares de famílias e as ruínas que nos chegam, com os seus vários complexos, são as maiores e das mais antigas da África subsaariana.

O complexo do Grande Zimbábue fica num vale junto do lago Mutirikwi. A natureza é uma das maiores riquezas do país: as suas paisagens e fauna selvagens, os seus rios e cascatas grandiosos, os seus minerais e metais preciosos. Mas este património da humanidade, num vale viçoso envolto, naquela manhã, em nevoeiro, é lembrança viva de um tempo de prosperidade que lhes é distante. A outrora "jóia de África" inglesa foi nas últimas décadas vítima de uma brutal ressaca pós-colonial. E nem tudo no país do Great Zimbabwe (em que Great é Grande mas é também Grandioso), é aos dias de hoje tão Great assim.

Décadas de instabilidade

Depois de uma independência custosa e demorada, com 10 anos de guerra civil entre o governo instaurado maioritariamente branco e os partidos nacionalistas de ideologia maoista e marxista-leninista, o conflito termina no final dos anos 70, com a instauração de uma democracia birracial frágil. Robert Mugabe foi eleito em 1980 e governou o país durante quase 40 anos, num regime autoritário e uni-partidário.

A governação ditatorial e opressiva, aliada a secas e inundações devastadoras, corrupção impune, doenças generalizadas e sanções internacionais por violações de direitos humanos, levaram a um declínio económico desde os anos 90, crises sucessivas e períodos de hiperinflação. São incalculáveis as perdas económicas e humanas que o regime de Mugabe implicou. Mugabe saiu em 2017.

Dinheiro zimbabueano
No supermercado, o troco traz notas de divisas diferentes e em tempos podia incluir uma nota de 100 triliões de dólares zimbabuanos. créditos: Projeto Prá Frente

Estas décadas deixaram cicatrizes que ainda hoje são óbvias a quem visita o país. É clara a diferença no desenvolvimento das grandes cidades em relação aos países seus vizinhos, nomeadamente para a Zâmbia, que tem sabido aproveitar o declínio do território a sul para tentar chamar a si a liderança de oferta turística na Rodésia. No Zimbábue encontrámos também (de longe) a internet móvel mais cara da nossa viagem, realidade que sabemos ser recente mas impactante para a economia, para a educação e para a democracia.

Os bancos têm todos os dias filas intermináveis à porta e o fantasma da inflação está presente. Hoje em dia é utilizado o dólar americano e a pseudo-moeda Zimbabwe bond. Esta última, mais instável e com taxas de conversão variáveis, exige-nos uma ginástica aritmética constante nas compras do dia-a-dia e dá azo à mais variada panóplia de esquemas para fazer dinheiro com estas variações. Um pouco por todo o lado, há quem venda bonds na rua a uma taxa muito favorável. Para ir ao supermercado é possível pedir emprestado cartões de débito especiais à entrada para depois dividir o que se ganhou na conversão com o dono.

Desligar da internet (inflacionada) por uns tempos, trazer como souvenir uma nota de 100 triliões de antigos dólares do Zimbabué e experienciar estas particularidades numismáticas é certamente interessante a quem visita o país por uns dias. Contudo, as marcas de uma crise tão recente ficam claras para quem sai da rota turística.

Um país tão rico

Passear pelos 720 hectares do Grande Zimbabué confunde-nos o espaço e o tempo. Passamos pelo Hill Complex, no alto do monte, qual castelo português. Descemos para a Great Enclosure, com as suas torres cónicas de propósito incógnito. E temos ainda tempo de visitar o museu e a vila etnográfica que nos ensinam sobre a história desta civilização e sobre a cultura Shona.

É um complexo muito especial e sobre o qual se sabe pouco. As pedras graníticas são empilhadas sem a utilização de argamassa, em paredes que chegam até aos 11 metros de altura. O estilo de construção arrojado e a grandiosidade do complexo levantou dúvidas sobre a sua autoria e as tecnologias utilizadas ainda são motivo de especulação.

A certa altura somos cumprimentados por uns macacos vervet. Serão os maiores mamíferos (de cauda) que veremos naquele país já que, apesar da excelência na oferta de safáris e reservas naturais, a passagem pelo Zimbabué terá mesmo de ser atalhada. À saída, somos abordados por uma simpática família que nos pede fotografias e conversa. Mais à frente, a caminho de apanhar o minibus que nos levará de regresso a Masvingo, paramos numas bancas que vendem artesanato delicado, roupa e fruta e pedimos um saco de goiabas para a viagem.

De regresso a Masvingo, voltamos à nossa camarata partilhada com quatro zimbabuanos que discutem a bíblia fervorosamente e estamos a uma noite mal dormida e um dia de viagem da fronteira. Foi uma passagem curta por um país tão plural, um estado de 16 milhões e de 16 línguas, mas saímos gratos pela oportunidade de o conhecer. Em apenas três dias conseguimos passear por três cidades, visitar dois patrimónios UNESCO - Cataratas Vitória e Grande Zimbábue - e percorrer mil quilómetros de estrada.

Atravessámos este que é um dos países africanos mais visitados e encontrámos pessoas maravilhosas, paisagens deslumbrantes, cultura e artesanato, cidades agradáveis e alguns dos locais mais marcantes da viagem. Compreendemos a sua história tão própria, conhecemos o Império que foi e algumas das maravilhas que tem para oferecer. O Zimbábue é um país complexo. Mas tão rico.

Projeto Prá frente

O Projeto Prá Frente foi criado por dois jovens engenheiros, com a intenção de conhecer (e partilhar) uma perspetiva completa do Sudeste Africano, focando-se não só no seu património deslumbrante, mas também nas suas pessoas e naquilo que tem para oferecer para o futuro.

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