Às 8h30 da manhã, num dia de sol resplandecente na cidade da Horta, chegamos às instalações da Norberto Diver, empresa especializada em várias atividades, do mergulho à observação de baleias e golfinhos. Norberto Serpa, o lobo do mar mais conhecido dos Açores, recebe-nos com simpatia para iniciarmos o passeio.

Mas, antes de embarcar, é necessário receber um briefing importante sobre o que nos espera durante a viagem. A bióloga marinha Lisa Steiner explica-nos de forma breve as várias espécies de baleias e golfinhos que circulam pelas águas açorianas. E são muitas. Entre espécies residentes e migratórias, comuns ou raras, podem ser avistados mais de 20 tipos diferentes de cetáceos, o que corresponde a um terço do total de espécies existentes.

Lisa é uma especialista nestes animais e nota-se o amor pelo que faz no brilho que lhe vem aos olhos quando mostra as fotografias de várias baleias que já teve a oportunidade de observar nos Açores. Consegue identificá-las através das caudas. “Quando vemos uma amiga na rua, reconhecemos a cara, nas baleias, eu reconheço as caudas. São como velhas amigas”, refere a bióloga marinha.

Antes do embarque, alguma agitação entre Norberto e os vigias que vão comunicando por telefone onde estão os animais. As vigias da baleia, que antes eram usadas para dar o sinal para a caça, são agora uma forma de garantir o sucesso da nossa viagem: conseguir avistar baleias.

Baleia à vista! A experiência de observar cachalotes nas ilhas do triângulo dos Açores
Norberto e Lisa créditos: Alice Barcellos

Os cachalotes (uma espécie de baleia) foram caçados nas águas do arquipélago primeiro por barcos norte-americanos, no século XVIII, até que, no século seguinte, açorianos que já trabalhavam nestes barcos introduziram a atividade a partir de certas ilhas do arquipélago. O Faial foi uma delas, a baleação terminou na ilha em 1985, data em que a proibição da caça à baleia foi implementada.

Agora, a caça é a outra. Os arpões foram substituídos pelas máquinas fotográficas dos turistas, ávidos para registar o momento, e os botes de madeira com remos deram lugar aos barcos a motor. É num destes que embarcamos, num semirrígido, quando ouvimos Norberto e Lisa a confirmar a presença de um grupo de cachalotes ao largo da ilha do Pico.

Baleia à vista!

Todavia, ainda iria demorar um pouco até chegarmos até aos animais. Para trás, deixamos a bela visão da marina da Horta e começamos a navegar com a ilha do Pico a mostrar-se majestosa aos nossos olhos que se demoravam no horizonte azul com a expectativa de ver algum movimento fora do comum.

Baleia à vista! A experiência de observar cachalotes nas ilhas do triângulo dos Açores
Navegando ao largo da ilha do Pico créditos: Alice Barcellos

Norberto e Lisa vão comunicando com os vigias para ir obtendo a localização mais exata dos cetáceos. Até que, de repente, ouvimos Lisa a anunciar a presença de um grupo de cachalotes. Vemos, primeiro, os jatos no ar, depois, os dorsos lisos e cinzentos.

Os cachalotes conseguem mergulhar grandes profundidades (podem chegar aos 3 mil metros) para irem em busca das lulas gigantes, o seu alimento preferido. É por isso que gostam tanto das águas açorianas, uma vez que estas apresentam zonas muito profundas. Os animais mantêm-se cerca de 45 a 60 minutos submersos e, ao fim deste período, têm de vir à superfície respirar, ficando cerca de 10 minutos a recuperar o fôlego.

Baleia à vista! A experiência de observar cachalotes nas ilhas do triângulo dos Açores
Os primeiros jatos a serem vistos créditos: Alice Barcellos

É nesta janela de tempo que podemos nos deleitar a observar estes animais misteriosos sobre os quais iríamos aprender mais na visita à Fábrica da Baleia de Porto Pim. Para já, parecemos crianças a vibrar com cada esguicho e movimento das cachalotes. Sim, no feminino, é um grupo de fêmeas com, pelo menos, uma cria, explica Lisa. E realmente conseguimos ver a cachalote mais pequena a boiar ao lado de uma maior que pode ser ou não a mãe, já que num grupo de fêmeas todas podem amamentar uma cria.

Os olhos treinados de Lisa e Norberto dão o aviso: “atenção, vai mergulhar”. Uma das cachalotes começa a mergulhar e presenciamos o instante mágico de ver o dorso a arquear, a cauda a levantar, até submergir com graciosidade no azul profundo. É impossível conter a excitação de ter observado aquele momento tão rápido, mas que nos ficará para sempre gravado na memória.

Baleia à vista! A experiência de observar cachalotes nas ilhas do triângulo dos Açores
O momento do mergulho créditos: Alice Barcellos

Mais surpreendente ainda foi saber que aquela cachalote foi avistada pela primeira vez por Lisa em 1988. Pela cauda, a bióloga consegue identificar o animal através das fotografias que leva nos seus cadernos. Os cachalotes vivem entre 60 a 70 anos.

Ainda conseguimos observar um salto e mais um mergulho. Ficamos completamente rendidos a estes gigantes dos mares. São a maior das baleias com dentes e os maiores predadores com dentes do mundo; têm a maior cabeça e cérebro do mundo; podem chegar a medir 20 metros e a pesar 60 toneladas. Além disso, têm uma característica única: possuem na cabeça uma substância cerosa de cor leitosa, o espermacete. Daí era retirado o óleo utilizado para os mais diversos fins (da indústria à cosmética) durante o período da baleação.

Baleia à vista! A experiência de observar cachalotes nas ilhas do triângulo dos Açores
Mergulho de uma cachalote créditos: Alice Barcellos

Um lobo do mar que não gosta de viajar sozinho

Regressamos ao Faial de coração cheio e com vontade de voltar ao mar uma vez mais para conseguir observar outras espécies. “Ficaram a faltar os golfinhos”, comentamos com os nossos companheiros de barco.

Na Marina da Horta, trocamos algumas palavras com Norberto Serpa. Picaroto, veio estudar para o Faial com 15 anos e esteve sempre ligado ao mar. Trabalhou como técnico do Departamento de Oceanografia e Pescas (DOP) da Universidade dos Açores, é mergulhador profissional, instrutor de mergulho em apneia, além de colaborar em vários estudos no campo da biologia marinha, com baleias, jamantas e tubarões-azuis.

Sempre teve o sonho de dar a volta ao mundo num veleiro e há cerca de três anos e meio começou esta empreitada. No entanto, vai conciliando a viagem com a vida familiar e com a empresa que tem no Faial e que funciona durante o verão. “Sou um conciliador, estou bem com a minha patroa, estou bem com os filhos, com os netos e comigo. Sinto-me feliz e vivo num paraíso”, afirma.

Norberto Serpa
Norberto Serpa créditos: Alice Barcellos

Sobre o facto de ser uma referência no Faial, Norberto diz: “é devido ao nosso coração e à nossa maneira de ser que a gente chega lá”. “Eu hoje levei três pessoas ao mar, o que não é lucrativo, ontem fiz uma viagem muito lucrativa e logo a seguir fiz duas que paguei para as fazer, porque levei um neto e toda a escola de um dos meus netos”. “Faço isso com o coração, ganho outras coisas que me dão um grande conforto pessoal e que me enchem o coração”.

“É uma maneira de estar, mesmo no Pico, nas adegas, se vires ao lado, há sempre uma cozinhazinha para conviver com outras pessoas. Temos este espírito de conviver e de conhecer, de ser aventureiros, aquela curiosidade de sentir outras coisas”, conta.

É este lado aventureiro que o levou a partir nesta volta ao mundo. “É para se ir fazendo e não tem fim à vista”. Neste momento, o barco encontra-se no Taiti à espera do regresso do seu skipper. “Estou a gostar muito da Polinésia e acho que vou ficar um ano ou dois lá”. “Vou de avião até ao barco e depois vou progredindo”, refere.

“Durante a viagem, vou trabalhando com cientistas. Por exemplo, nas Galápagos estivemos a trabalhar com os tubarões-martelo, vou trabalhando com crianças nas escolas, alertando para o plástico no mar através de palestras”, explica.

A juntar a isto tudo, estão as amizades que vai fazendo. “Custa muito sair de certos sítios porque vou fazendo amigos pelo caminho”. “Tenho sempre amigos e conhecidos que me vão visitar, tripulação. Não sou uma pessoa solitária, nem gosto muito de viajar solitário. Eu gosto de partilhar os momentos bons com as pessoas que partilham do mesmo sentimento”, conclui.

Veja o nosso roteiro de três dias pela ilha do Faial

O SAPO Viagens visitou o Faial a convite do Turismo dos Açores