Embarco rio a dentro em Escaroupim. Na lembrança levo um livro — “Avieiros”. Li-o há já muitos anos e os detalhes da história escapam-me, mas a visão das embarcações típicas, do cais em madeira e das casas palafitas, reaviva-me a memória e transporta-me docemente até ao universo de Alves Redol e aos seus “ciganos do rio”.

A história de Escaroupim é interessante. Começou em meados do século XIX quando, por barco e por terra (em carroças) grupos de pescadores avieiros partiram da Costa Brava — mais concretamente da zona de Vieira de Leiria — com destino sazonal às margens do Tejo. Tentavam encontrar neste rio a pesca a que estavam condicionados na sua terra de origem, pelas intempéries dos invernos rigorosos e pelo mar perigoso.

Aos poucos acabaram por se fixar nestes locais e não regressaram mais. Num processo de integração também deixaram de viver nos barcos e construiram nas margens do rio casas de caraterísticas palafíticas, formando pequenas aldeias como Escaroupim, com uma identidade tão especial quanto as características da sua forma de vida.

Eu observo de perto estas construções de arquitetura avieira e aproveito para as fotografar. As casas que encontramos aqui são parte integrante do Núcleo Museológico de Escaroupim e retratam as habitações originais dos pescadores, na sua forma e cores. Foram construídas em madeira e são assentes em pilares para evitar as inundações do Tejo em caso de subida do nível das águas.
Tal como as suas reproduções, as casas originais também tinham uma escada de acesso e a maioria era de pequena dimensão. Eram compostas habitualmente por uma cozinha, um ou dois quartos e uma sala comum. Por cima tinham outro espaço utilizado para guardar o material de pesca.

Vistas as casas, dirijo-me para o cais. Fico maravilhada com tanta beleza… parece uma pintura a óleo. O reflexo do céu nas águas calmas, os barquinhos tradicionais, os pássaros a sobrevoar, a brincar e a alimentarem-se ali em volta… é lindo! Se é tão bonito de manhã, imagino como será ao pôr do sol. Não tenho dúvidas que uma pessoa pode apaixonar-se aqui.

Chega, então, a hora do embarque. Fui num dos tours da empresa Rio-A-Dentro e recomendo. Um guia com experiência, bem disposto, todas as regras de higiene cumpridas, binóculos à disposição de cada um dos grupos (dentro do barco éramos 3 grupos e oito pessoas no total) e o melhor de tudo: o Tejo!

Navegamos pela antiga estrada fluvial que em tempos remotos ligava Salvaterra de Magos a Lisboa, mas começamos por visitar canais de águas calmas que abrigam uma grande variedade de plantas e animais. Rapidamente avistamos uma águia pesqueira, depois uma garça branca e uma garça real.

Fataças saúdam-nos com os seus saltos acrobáticos. Parecem ter curiosidade de saber quem atravessa o rio. Salgueiros, choupos, freixos e outros arbustos, ao longo das margens, começam a mostrar as suas cores de outono. A paisagem é bucólica e romântica... faz sonhar.

Passamos por ilhas (mouchões), bancos de areia e pequenas praias esquecidas. Vemos Ibis-negras a pousar e cavalos lusitanos a pastar livremente. Vemos também Valada do Ribatejo, uma aldeia de casinhas brancas, com a sua igreja e a pequena marina.

Pelo caminho, encontramos sempre muitas aves. Os coloridos guarda-rios, espécie residente desta área e os abelharucos, espécie estival, não conseguimos avistar. Dizem-nos ainda que há lontras, mas que são tímidas, por isso também não as conseguimos ver (apesar de eu ter ficado com a impressão de ver uma a entrar na água…). Mas não importa, só a paisagem é de tirar a respiração!

É outra faceta do Rio Tejo, uma que não conhecia e que me fascinou.

Faltou-me provar as especialidades locais no restaurante panorâmico "O Escauroupim” (que já não tinha mesas disponíveis) e visitar o Museu Escaroupim e o Rio, que pretende ser um contributo à memória das várias comunidades ribeirinhas do Tejo e um lugar de encontro e preservação de tradições e memórias. Estava encerrado por ser segunda-feira. Terá de ficar para a próxima… e tenho a certeza que haverá uma próxima!

“A vida é um pássaro. Um pássaro de muitas penas que se mudam ou que ficam para sempre. A vida é um pássaro que voa muito alto ou raso de mais, dizia Mestre Feliciano da Barca.

A gente traz o pássaro dentro de si, mas deixa-o fugir muitas vezes. Muitos deixam-no fugir à nascença. Esses ficam como pedras. Piores do que as pedras. São poucos os que voam com o pássaro”.

Alves Redol, “Avieiros”

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Artigo originalmente publicado no blogue The Travellight World

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