Bilhete-postal enviado por João Monteiro Gaspar da Silva

Sempre tive o sonho e a curiosidade em sentir a terra da morna e da morabeza e decidi conhecer dois destinos que me pareceram muito interessantes. A primeira ilha a descobrir foi Santiago onde está a capital e, alguns dias mais tarde fui até à ilha do Maio que fica um pouco mais a norte.

Sempre tive um especial carinho por ilhas pequenas e aquele chão crioulo fazia com que tudo tivesse um encanto especial aos olhos do viajante que apenas procura encontrar paz e, no fundo, reencontrar a sua essência.

Numa viagem feita de carro encontrei este jovem pastor que levava as suas pequenas cabras. Chamava-se Orlando. Tinha alguma dificuldade em falar português uma vez que a sua língua natal é o crioulo mas isso não me importava. Queria sobretudo compreender como vivem aqueles animais num terreno tão desolador, uma terra lunar e gasta pelo vento que vem da mãe África. "Comem o que o vento trás", disse-me, como se o próprio vento fosse suficiente para viver e caminhar. Contou-me um pouco sobre a sua vida, a sua família mas o que surpreendeu-me verdadeiramente foi desabafar que um dia gostava de ser médico – "um bom médico!", acrescentou. "Gostava de fazer o curso na Universidade de Coimbra!"

Fiquei sem palavras. E sem esperança. No meio do nada, a caminhar só pela terra ardente ia um homem que tinha apenas um sonho. Ser médico. Fiquei com um nó na garganta. Com um calor infernal dentro de mim, disse-lhe para não desistir dos sonhos e acreditar sempre. "Ora essa homem ! É preciso andar para a frente!", acrescentei .

Dei-lhe um abraço e seguiu o seu caminho pela imensidão solitária daquela terra e iluminado pelo seu sonho.

Orlando nunca saiu da sua ilha. O seu sonho também não.