Imagem: Rafael Vigário/iClio 2018

Hoje, ainda nos deliciamos com as ruínas das estruturas que sobreviveram, casos da Villa Cardílio (Torre Novas), Villa de Milreu (Faro), Villa de São Cucufate (Vidigueira), ou da Villa do Rabaçal (Penela). É a esta última que vamos dedicar a nossa atenção.

Villa do Rabaçal: um pouco de história

Uma villa rústica era constituída por um edifício principal que servia de residência senhorial, habitações dos trabalhadores rurais e todas as estruturas e equipamentos necessários ao funcionamento da exploração: estábulos, lagares, forjas, etc. A villa do Rabaçal foi construída no século IV e é um excelente exemplo deste tipo de assentamentos rurais.

Os primeiros proprietários da villa – cujo nome ainda desconhecemos – eram pessoas de elevado estatuto social e económico que esperavam retirar proventos económicos deste empreendimento, mas também vincar o seu estatuto e afirmar o seu poder na região. Para isso, rodearam-se dos luxos que a civilização romana podia facultar, como se intui facilmente a partir da decoração parietal e dos dispendiosos pavimentos que cobrem as áreas mais nobres da villa.

Depois da queda do império romano, segundo o arqueólogo Miguel Pessoa, é possível que a villa ainda tenha “servido de residência a dignatários do reino suévico no século V e VI” (em: Villa romana do Rabaçal, Penela, Portugal. Um centro na periferia do império e do território da civitas de Conímbriga. Estudo de mosaicos). Porém, com o tempo acabou por cair em ruína e esquecimento, sendo que, durante algum tempo, no século XVI, ainda chegou a ser usada como cemitério.

O percurso

1 | O Espaço-Museu

Antes de visitarmos a villa propriamente dita devemos dirigir-nos ao espaço-museu. Este é um lugar de passagem obrigatória caso desejemos visitar a estação arqueológica da villa do Rabaçal: os ingressos adquirem-se aqui e dão direito a uma visita guiada.

O espaço-museu está aberto ao público desde 2001, é um museu constituído também pela estação arqueológica e pelo miradouro de Chanca. O edifício tem dois pisos: o piso térreo, com as zonas de receção, acolhimento e sala de exposição temporária (de momento, apresenta espólio resultante das escavações da villa de São Simão); o primeiro andar, ocupado com uma exposição permanente sob o título “Villa Romana do Rabaçal: era uma vez...”.

2 | A parte urbana: a 'residência senhorial'

A estação arqueológica encontra-se a alguns minutos de automóvel.

Villa Romana do Rabaçal
Villa Romana do Rabaçal créditos: Turismo do Centro

Aí, deparamo-nos com um cenário aprazível, pontuado por oliveiras. A alguns metros da entrada encontra-se a residência principal da villa romana. A estrutura ocupa um retângulo com cerca de 40 metros de largura e 250 de comprimento, apresenta planta radial e um peristilo octogonal com construções adjacentes.

Devemos, em primeiro lugar, dirigir-nos ao topo sul. Era aí que se situava a entrada principal da casa. Esta era composta por três compartimentos: dois laterais, usados provavelmente para as funções de vestíbulo (o da esquerda) e atendimento (o da direita); e um corredor central que conduz ao peristilo da casa. Ainda a sul, detetam-se vestígios de um compartimento amplo de planta octogonal e paredes largas, o que sugere construção em altura. Esta “torre” junto à fachada poderia servir como zona de arrumos e miradouro.

O peristilo constituía o núcleo central da residência. Era, tipicamente, um espaço rodeado de colunas – semelhante a um átrio ou a um claustro – à volta do qual se dispunham os compartimentos mais importantes do edifício e era típico das casas dos cidadãos abastados do Império Romano. No caso concreto da villa do Rabaçal, o peristilo tem 16 metros de largura entre lados paralelos e apresenta uma forma octogonal. A partir dele irradiam 8 corredores – onde se revelam placas decorativas em mármore de baixo relevo, que fazem ligação com o pavimento de mosaico – em relação direta com um pórtico octogonal de 24 colunas, das quais se conservam alguns fustes em mármore do Alentejo.

Estes corredores conduzem a diversas salas, sendo os mais importantes:

- O corredor norte liga a vestígios de dois compartimentos contíguos. Estes, por sua vez, dão acesso a dois cubículos, ligados a vestígios de uma construção com planta cruciforme, provavelmente uma capela paleo-cristã adossada posteriormente à estrutura;

- O corredor oeste comunica com os vestígios de uma sala triabsidada, a de maiores dimensões, identificada por triclinium, ou seja, à sala de banquetes. Do ponto de vista da decoração, este é o corredor mais interessante, pois reúne a decoração geométrica, vegetalista e figurativa mais diversificada;

- O corredor sudoeste liga a uma sala identificada por oecus, ou seja, o salão principal de uma casa romana usada ocasionalmente como triclinium. O seu pavimento em mosaico está em avançado estado de degradação, provocado pela instalação de várias sepulturas no séc. XVI.

Para a maioria dos visitantes, os pavimentos em mosaico são a parte mais interessante do complexo. De facto, apesar dos séculos de enterramento, várias secções ainda estão em bom estado de conservação, revelando vários motivos decorativos e mais de uma dezena de cores e cambiantes. A influências de estilos e técnicas orientais é inegável. A representação de espécies botânicas, animais terrestres e marinhos, bem como objetos vários, cria um efeito quase cinemático. As figuras mais conhecidas encontram-se nas áreas nobres da casa, em especial no corredor Oeste e no triclinium: aí pontificam as famosas figuras das Estações do Ano, do Auriga e a figura de Ceres.

Estações do Ano
Estações do Ano créditos: Município de Penela

3 | O Balneário

Fora da área visitável, mas em terreno aberto, encontramos o balneário da propriedade. Está a meio caminho entre a parte urbana e a parte rústica e ocupa uma área de cerca de 10x20 metros. À escala romana o balneário é pequeno, mas, mesmo assim, calcula-se que ele tivesse capacidade para receber mais de uma dezena de pessoas em simultâneo.

É constituído por dois corpos retangulares: um composto por pára-vento, vestíbulo, caldarium, boca da fornalha e casa do forneiro; outro constituído pelo tepidarium, frigidarium e pelas estruturas de abastecimento e de evacuação de água. Esta composição está de acordo com o pensamento dos autores latinos que recomendavam um banho higiénico com 3 etapas principais: caldarium, tepidarium e frigidarium. Assim, depois de se despir no vestíbulo, o utilizador começava pelo caldarium, que era a sala dos banhos quentes, e terminava com o banho numa piscina de água fria, o frigidarium. Pelo meio, estava o tepidarium, uma sala de transição.

4 | A área rústica

A parte rústica da villa situa-se a norte da residência principal, logo a seguir ao balneário e também está no exterior do recinto visitável.

Esta parte estava reservada à habitação dos servos domésticos e da lavoura; juntamente com a villa fructuaria, que incluía as instalações de recolha e transformação dos produtos da agricultura e da criação de gado. Esta parte do complexo é menos conhecida, mas os vestígios recolhidos e analisados permitem supor a existência de várias estruturas: cozinha, lojas, dormitórios dos trabalhadores – que trabalhavam na herdade (fundus) –, casa dos teares, estábulos, redis de gado, celeiro, armazém, moinho, adega, lagar, oficinas, palheiros, eiras e alpendres.

5 | O Miradouro de Chanca

O miradouro foi construído em 2002. A partir dele é possível admirar a beleza vale do Rabaçal: tem espaço de descanso e um painel explicativo sobre vários pontos na paisagem, com destaque especial para as construções ainda visíveis da antiga villa romana. É, a nosso ver, a conclusão perfeita para a visita.

No final, ficamos com um sentimento de admiração (inveja?) pelo criador da villa: o sítio escolhido é, ainda hoje, ideal para a construção de um refúgio campestre; os pavimentos surpreendem pela beleza, cerca de 1700 anos depois de terem sido instalados. Pertenceria a villa do Rabaçal a uma das principais famílias aristocráticas de Conímbriga? Não se conhecem registos literários ou epigráficos que permitam atestar esta ideia. O que sabemos é que a família que aqui viveu nos tempos áureos da villa, teria desejos semelhantes aos do jovem Paulino de Péla, seu contemporâneo: “Queria uma casa cómoda, com grandes aposentos dispostos sucessivamente, segundo as estações do ano, uma mesa brilhante e bem guarnecida, criados jovens e numerosos, artistas em diferentes géneros, hábeis a executar prontamente encomendas, cavalariças cheias de cavalos bem alimentados e, para os passeios, carros seguros e elegantes.” (citado por Pierre Riché, As Invasões Bárbaras).

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