A Adega Machado nasceu pelas mãos de um guitarrista e de uma fadista. Ele, Armando Machado, e ela, Maria de Lourdes, viveram para o fado e criaram em pleno Bairro Alto, no coração de Lisboa, um palco que seria pisado por muitos artistas consagrados, como Amália Rodrigues e Mariza. Passaram-se 80 anos e, apesar de renovado em 2012, este restaurante faz questão de manter viva a história. A comida, inspirada nas tradições portuguesas, mostra que é possível renovar o passado, abrindo um caminho ousado e contemporâneo. A nova carta, acabada de lançar, é a prova disso mesmo.

Estamos na rua do Norte, nº 91, e a fachada amarela coberta de azulejos com motivos populares, criada pelo artista Thomaz de Mello, em 1937, está iluminada, como que a convidar-nos para assistir a mais uma noite de fados. Entramos num espaço fluido e agradável e somos encaminhados para a sala principal, onde um pequeno palco com três cadeiras vazias nos indica que será ali que a magia vai acontecer. O fado começa por volta das 21 horas, indicam-nos.

Ainda vamos bem a tempo de assistir à magia que vem da cozinha, da responsabilidade do chef Aléxis Gregório, um brasileiro que trocou o outro lado do Atlântico por Portugal há quase duas décadas. O centro das atenções da carta vai para os dois novos menus de degustação que custam 47 euros por pessoa e que permitem ir saboreando texturas, cores e sabores devagar numa viagem em que os nossos sentidos se apuram para não perder uma nota do que vem do palco. Não é todos os dias que temos a oportunidade de estar ali tão perto de artistas com vozes incríveis acompanhados por músicos que respiram fado e tocam história.

O menu Campestre, que é vegetariano, começa com uma beringela alimada e prossegue com um cannoli, mousseline de ervilhas e gaspacho. Nos pratos principais, é servido um rissol de cogumelos e espinafres com arroz de algas e “gnocchi alla romana”. A refeição termina com pudim de caramelo salgado, o único ponto em comum com o menu Terra e Mar, que foi o que experimentei.

O início da refeição surpreende desde logo pelo couvert, no qual são apresentados três tipos de pão - de tinta de choco, de tomate seco e sementes de abóbora e integral - que combinam perfeitamente com as manteigas de maçã, sardinha e bacalhau. Voz e guitarra de uma cantiga fresca e de sabores intensos e irreverentes. Apuramos os sentidos para a cavala alimada, um sabor tão nosso e tão rico em nutrientes. Mas a nossa visão é também cativada pelas cores e pelas formas que dançam no prato à nossa frente.

Chega, de seguida, chouriço de vitela, com puré de aipo e chutney de frutos vermelhos. Brinca-se com a tradição e com a portugalidade, ao mesmo tempo que se abre uma janela para o futuro. Porque a comida, tal como o fado, é intemporal. É e será desde que assim o queiramos. Robalo e couve lombarda é o prato de peixe enquanto a opção de carne escolhida é a vitela, servida com puré de grão e cenoura. O molho de frutos vermelhos que acompanha a vitela ameniza a intensidade do sabor da carne.

Enquanto satisfazemos a gula, o nosso espírito vai sendo elevado com as atuações da noite. Pede-se silêncio, pois o fado vai ser cantado. As luzes baixam-se e os olhares fixam-se no pequeno palco, onde os artistas afinam os instrumentos. No final de cada cantiga, todos aplaudem, mesmo que a maior parte não compreenda o que se canta. Afinal, o fado é universal e todas as noites o restaurante enche-se de turistas que vêm de todos os continentes para o ouvir.

Na noite em que conheci a Adega Machado, havia turistas da Coreia do Sul, Israel, Colômbia, Marrocos e Alemanha, além de vários grupos portugueses.

A refeição termina com um pudim de caramelo salgado, gelado de gin com manjericão e bolo de amendoim, uma colorida tela que enche os nossos olhos de prazer e satisfaz em pleno o paladar. Ao mesmo tempo, os nossos ouvidos deixam-se embalar ao som de “Lisboa Menina e Moça”.

Quem preferir, pode escolher outros pratos tradicionais que fazem parte da carta (30€), como o bife à portuguesa, o frango no churrasco e o bacalhau braseado. Nas sobremesas, destaque para o duo de chocolates, macaron, streusel e molho de frutos do bosque.

Marco Rodrigues, Pedro Viana, Bárbara Santos, Isabel Noronha, Pedro Moutinho e Yola Dinis constituem o elenco fixo de artistas que atua na Adega Machado. O restaurante mudou de mãos em 2012, integrando atualmente o grupo Fado & Food, que detém outras duas casas de fado: o Café Luso, também no Bairro Alto, e o Timpanas, em Alcântara.

Mas a história da família Machado, que se confunde com a própria história do fado, mantém-se presente, graças a um espólio fotográfico rico que embeleza e enriquece as paredes do espaço. Há um canto dedicado à diva Amália, que foi madrinha de dois filhos do casal Machado, e onde podemos ler uma mensagem escrita à mão que a fadista dedica à sua amiga e “comadre” Maria de Lourdes.

E há fotografias que assinalam momentos importantes da carreira de muitos artistas, como Mariza, que ali começou a cantar aos 7 anos, Alfredo Marceneiro, que realizou neste espaço o seu último trabalho contratado, Camané, Raquel Tavares e Carlos do Carmo. As memórias são muitas, mas o espaço, que se reparte entre uma sala principal, uma adega e um terraço ao ar livre, mantém-se muito fresco e jovial, como aliás, o fado.

Por Helena Simão, blogger do Starting Today

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