Com a forma de faca, por ser estreita e alongada, a ilha do Dragão nasceu para ser guerreira. Entre as nove que compõem o arquipélago dos Açores, São Jorge destaca-se pela beleza das suas fajãs, pelas paisagens verdejantes e pelo seu queijo, que tem vindo a conquistar paladares em todo o mundo.

Ainda que exista muito para descobrir neste território que se estende para o mar, bem como experiências fora de série para fazer, hoje viajamos pelo sabor intenso e ligeiramente picante desta iguaria que, mais do que um alimento, é uma herança viva.

Um queijo com sabor a história

E quem é que nunca ouviu falar do Queijo São Jorge que coloque a mão no ar. A probabilidade de já se ter ouvido falar deste produto, independentemente de se ter visitado o lugar onde é produzido, é gigante. Já sobre se conhecer a sua história ou origem, o cenário muda.

É que, atualmente, não precisamos de viajar até aos Açores para provar este queijo de sabor inconfundível. Encontramo-lo em grandes superfícies, feiras gastronómicas e lojas de produtos regionais. Se não fosse DOP (Denominação de Origem Protegida), certificação que adquiriu em 1986, não estranharíamos se nos dissessem que já tinha fábricas em outros lugares, contudo, isso seria contraproducente. Afinal, e conforme explicado pela Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural, a sua singularidade deve-se "não só às condições edafo-climáticas daquela região que, por sua vez, influenciam positivamente a qualidade do leite", como "ao método de produção, praticamente inalterado ao longo dos cerca de 500 anos da sua existência".

queijo sao jorge
queijo sao jorge Uniqueijo créditos: Ana Oliveira

Sim, este produto lácteo que viaja pelo mundo e que complementa prateleiras de supermercados, carrega séculos de história, tantos quanto os do povoamento do território. Descoberta em meados do século XV, a ilha de São Jorge terá começado a ser povoada pelo flamengo Wilhelm van der Haegen que, na zona do Topo, incentivou os membros da sua comunidade igualmente de origem flamenga e com experiência na produção de carne, leite e lacticínios, a produzir queijo.

Vindos de terras baixas e húmidas, os novos habitantes da ilha terão encontrado no território um clima semelhante ao dos Países Baixos, que era ideal para produzir um queijo curado, de grande porte, feito a partir de leite cru de vaca — tal como ainda acontece nos nossos dias.

Ilha São Jorge
Ilha São Jorge Ilha de São Jorge créditos: Ana Oliveira|SAPO

E quem escuta a história da quarta maior ilha açoriana e do seu povo percebe que é feita de resiliência. Na Casa Museu Cunha da Silveira, em Velas, é possível entendê-la melhor, tal como descobrir mais sobre Van der Haegen — que mais tarde ficou conhecido como Guilherme da Silveira — e os seus descendentes. Entre salas temáticas e recriações de ambientes domésticos e agrícolas, conseguimos mergulhar na vida insular dos séculos passados e perceber como a ligação à terra e à produção alimentar moldaram a identidade deste encantador pedaço de terra.

Mesmo a silhueta da ilha, que nos faz lembrar um dragão adormecido devido à cadeia montanhosa, fruto de erupções vulcânicas sucessivas, simboliza bem a força e a resiliência do povo jorgense. Pode passar despercebido — viveu isolado até ao século XX por falta de portos e aeródromos —, mas resistiu a ataques de piratas e de corsários. Também e, apesar das marcas deixadas pelos terramotos de grande intensidade que a assolam de vez em quando, não deixou de se reerguer.

Contudo, o curioso, e apesar das adversidades, é que o queijo de há 500 anos e o seu método (ainda que com aperfeiçoamentos) continua a existir e, cada vez mais, a conquistar o mundo. E o que o torna tão especial? Para o compreender, vale a pena visitar uma das suas principais casas: a Uniqueijo – União de Cooperativas Agrícolas de Lacticínios de São Jorge, localizada em Beira, no concelho da Velas.
Ilha de São Jorge
Ilha de São Jorge Ilha de São Jorge créditos: Ana Oliveira

Da tradição à excelência: bem-vindos à fábrica da Uniqueijo

Criada em 1986, a Uniqueijo integra hoje todas as cooperativas existentes na ilha sendo, deste modo, a porta de saída do seu queijo.

Todos os dias, a fábrica recebe leite das diferentes cooperativas para o transformar num dos produtos mais emblemáticos da gastronomia portuguesa. "Aqui não se pasteuriza o leite. O queijo São Jorge é feito com leite cru, vindo diretamente das vacas da ilha”, explica-nos o guia durante a visita pelas diferentes áreas de produção.

Tudo começa com a receção e análise do leite, que deve obedecer a critérios rigorosos de qualidade. Depois, segue-se o processo tradicional de fabrico: o leite cru é coalhado, cortado, moldado e prensado. Após o repouso, os queijos são imersos em salmoura e transferidos para a zona de cura, onde repousam, em prateleiras de madeira, durante um mínimo de três meses — embora muitas das rodas fiquem a maturar durante 7, 12, 24 ou até 36 meses, ganhando intensidade e complexidade com o tempo.

Ilha de São Jorge
Ilha de São Jorge Uniqueijo créditos: Ana Oliveira

É na sala de cura que o tempo e o ambiente controlado fazem a sua magia. As peças de queijo são viradas regularmente por funcionários experientes, que garantem que a textura, a humidade e o aspeto da crosta evoluem como previsto. Aqui, o silêncio impera. Tudo é feito com precisão, quase como um ritual.

Depois, e para obter o selo DOP, um queijo de cada lote é selecionado para ser avaliado pela Confraria do Queijo São Jorge. Aqui, um painel de provadores certificados qualifica o produto com base na textura, aroma, paladar e crista. A pontuação mínima é obrigatória — caso contrário, terá que ser comercializado como Queijo Ilha. O rigor é elevado, mas essencial para manter a reputação de excelência que este produto conquistou ao longo dos séculos.

No final da visita, há espaço para saborear. Na loja da fábrica, aberta ao público, é possível provar diferentes curas de Queijo São Jorge e levar para casa esta verdadeira expressão do território. Seja o de 3 meses, mais suave, ou o de 24 meses, com notas picantes e um final prolongado, todos contam uma história: a de uma ilha onde a natureza, a tradição e o tempo se fundem num só sabor.

Uniqueijo
Uniqueijo Uniqueijo créditos: Ana Oliveira| SAPO

Muito mais do que um queijo

Viajar até São Jorge é viajar também no tempo — um tempo em que a produção era artesanal, a ligação à terra visceral e os sabores autênticos. O Queijo São Jorge DOP não é apenas um produto; é uma herança viva, moldada pelo clima, pela geografia, pela história e, acima de tudo, pelas pessoas que continuam a honrar esta tradição, dia após dia, geração após geração.

Na ilha do Dragão, onde as vacas pastam sobre mantos verdejantes e as fajãs desenham a paisagem com traços únicos, o queijo é mais do que um produto gastronómico: é cultura, é memória, é identidade. E provar uma fatia deste queijo é, de certa forma, saborear o espírito resiliente de São Jorge — uma ilha que resiste, preserva e surpreende.

Assim, da próxima vez que vir uma roda de Queijo São Jorge DOP numa loja ou feira, lembre-se: dentro dela vive um pedaço dos Açores. E, se tiver a oportunidade, vá até à ilha das Fajãs. Porque há sabores que só se entendem verdadeiramente quando os provamos no lugar de onde vieram.

Ilha de São Jorge
Ilha de São Jorge Ilha de São Jorge créditos: Ana Oliveira

Mais para descobrir (e saborear) em São Jorge:

Com 54 quilómetros de comprimento e 6,9 quilómetros de largura máxima, a ilha de São Jorge pertence ao Grupo Central e é um dos vértices das chamadas "ilhas do triângulo", em conjunto com o Faial e o Pico, do qual dista 18,5 km.

Ainda pouco conhecida para lá do queijo, surpreende igualmente devido às particularidades de algumas fajãs — sabia, por exemplo, que é nesta terra açoriana que se produz o único café da Europa? — , à imponência das encostas e a lugares como como a Ponta dos Rosais, onde existe um farol abandonado, ou a "brutal" Poça de Simão Dias na Fajã do Ouvidor.

Neste artigo, encontra sete sugestões de atividades para fazer na ilha. Durante a sua visita a este refúgio verdejante, não deixem de experimentar o inhame. Se tiver coragem e espirito de aventura, atreva-se no canyoning. Histórias não faltam para descobrir neste lugar insular e a do inventor dos moinhos é daquelas que apaixona.

Para ficar, não faltam lugares de charme como a Quinta da Magnólia que até conta com vista para o Pico, que, quiçá, não será o seu próximo destino?

O SAPO Viagens visitou a Ilha de São Jorge a convite das Casas Açorianas - Associação de Turismo em Espaço Rural com o apoio da SATA