
Bilhete-Postal por Pedro Neves
Fiz a minha primeira viagem pela Linha do Douro em 2021 e tenho procurado voltar sempre que possível e descobrir novos encantos na forma como rio e comboio transformam a paisagem. O mais recente desses encantos é uma árvore que se destaca pela sua posição privilegiada para assistir ao vaivém na linha centenária.
Há deslumbramentos que estão reservados só para os mais atentos. E só quem prestasse atenção teria apanhado um vislumbre de uma certa árvore ao longo do documentário "Linha do Douro: Um património sobre carris", filmado em 2023 inteiramente a partir da perspetiva de uma locomotiva a subir o Douro durante 3 horas e meia.
Parece tão significativa que podia constar, a par dos 23 túneis e 35 pontes, como uma das fantásticas obras de arte da Linha do Douro
Ao fim de 1 hora e 39 minutos do filme-viagem, o comboio deixa a estação de Ermida em direção ao Pocinho para, instantes depois, atravessar um pequeno túnel dominado por uma enorme árvore, posicionada diretamente por cima da linha ferroviária. Parece tão significativa que podia constar, a par dos 23 túneis e 35 pontes, como uma das fantásticas obras de arte da Linha do Douro, para usar vocabulário de engenharia. Trata-se mesmo de uma obra da Natureza e proporciona uma vista curiosa que impressiona pela humildade que o gigante verde confere ao gigante de metal em movimento — ali, mesmo o maior engenho humano mostra deferência à paisagem, cerca de oito vezes por dia.
Apesar da curiosidade, e de perseguir árvores fotogénicas, acabei por não me lembrar mais desta árvore, até me cruzar inesperadamente com ela ao vivo, há poucas semanas, quando regressei à região vinícola para fotografar, mais uma vez, o seu colorido embaixador ferroviário.
O objetivo era voltar a fotografar a passagem do MiraDouro nas imediações da Régua, pelo que reservei uma curta estadia na Quinta da Ermida, uma charmosa casa senhorial situada no concelho de Baião junto às águas do Douro. A apenas meia hora de comboio da Régua (o principal destino urbano da Linha do Douro), o alojamento chamou-me a atenção pela proximidade da estação ferroviária, construída já depois da Quinta (e que acabaria por lhe tomar o nome).
O que eu não sabia era que a Linha do Douro atravessa literalmente a propriedade, tão perto da casa principal que é possível avistar os vários comboios diários a partir da janela dos quartos. Os planos para desfrutar das férias e deixar a obsessão com o MiraDouro sossegada foram, literalmente, pela janela fora. Passei dois dias a subir e descer escadas sempre que se aproximava a hora de passagem de um serviço InterRegional.


Com 120 metros, o túnel de Riboura não é dos maiores da Linha do Douro, mas destaca-se, ainda assim, dos restantes devido à árvore no seu topo. Trata-se de um cedro, possivelmente um cedro-do-Himalaia. A infraestrutura ferroviária data de 1878, um ano antes da inauguração deste troço da linha até à Régua, e a espécie de árvore pode viver entre 150 a 300 anos, pelo que é possível que este exemplar tenha testemunhado os trabalhos de construção aos seus pés (não existem, tanto quanto sei, certezas sobre esta hipótese).
Na cordilheira dos Himalaias, estes cedros podem atingir os 70 metros de altura. Na Europa, onde são usados para ornamentar jardins e parques (em Portugal, um dos exemplares mais imediatamente reconhecíveis é aquele que dá as boas-vindas aos visitantes do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra), raramente superam os 20 metros. Todavia, visto a partir da cabine de uma locomotiva (ou através da lente de uma câmara, usada no documentário da RTP), o cedro da Ermida ganha uma imponência especial que a destaca de qualquer outra árvore ao longo da linha ferroviária duriense.
Se viajarem a bordo do MiraDouro, e seguirem na direção do Porto, também podem tentar avistá-lo. Momentos antes de chegarem à Ermida, só precisam de se deslocar até à última carruagem e espreitar pela janela/porta da traseira. A sua figura, ilustrativa da grandiosidade técnica e paisagística da Linha do Douro, dificilmente deixa quem a vê.

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