
Depois de ter encerrado durante dois anos e meio para obras, a Casa da Calçada começa a escrever um novo capítulo na cidade de Amadeo de Souza-Cardoso e Agustina Bessa-Luís. “Está muito diferente, há, claramente um antes e depois”, afirma Daniel Mariz, diretor de operações da Amazing Evolution que está a fazer a gestão do hotel.
“É uma casa histórica para a hotelaria no Norte e merecia esta remodelação”, refere, enquanto nos recebe no lobby que já revela a nova paleta de cores adotada nos interiores. Ficaram para trás os tons mais escuros e a decoração austera, passando para uma mais moderna, com tons claros e apontamentos contemporâneos.
Logo na receção, o belo e delicado trabalho de estuque da artista Iva Viana rouba o olhar que percorre a vinha esculpida em gesso. Já pelos quartos e suites do hotel, são os quadros da artista têxtil Diana Meneses Cunha que ganham protagonismo entre uma decoração comedida e leve. As secretárias antigas em madeira escura criam contraste e fazem uma ponte com o passado do edifício – um palacete do século XVI.
Por falar em quartos, o hotel reabriu com 35 acomodações divididas entre sete tipologias diferentes (Clássico, Clássico Superior, Prestige Garden View, Prestige River View, Deluxe River View, Suite River View, Panoramic River View e Family Suite). O projeto de reabilitação, orçado em cerca de 15 milhões de euros, é assinado por Pedro Guimarães, com design de interiores de Pilar Paiva de Sousa.

Dificilmente se esquece esta vista para o Tâmega: enquadrada pela ponte e igreja de São Gonçalo, emoldurada pelas arcadas em granito da Casa da Calçada, num dia de verão em que o brilho do sol reluz nas águas escuras. E é, justamente, esta vista que temos da varanda do quarto durante a estadia.
Além deste quadro vivo que muda conforme a hora do dia, a cama confortável, os espaços amplos, o ar condicionado na temperatura certa, a oferta de mimos à chegada, incluindo os snacks e as bebidas não alcoólicas do minibar, uma máquina de café e uma coluna portátil (os amantes de música entenderão) ajudam a criar um ambiente onde apetece ficar. A casa de banho, com uma banheira em mármore que rouba a cena, é igualmente confortável e luxuosa, com produtos de higiene da marca francesa Guerlain.
Lá fora, todavia, há muito mais para descobrir e saborear. O hotel revela-se renovado por completo em todos os espaços, além de ter reforçado a oferta gastronómica que está aberta a não hóspedes. No Canto Redondo, é a cozinha tradicional e de conforto que se destaca nas propostas do chefe Emiliano Savio. À Margem é outro dos espaços gastronómicos do hotel, com uma carta ligeira, onde também é servido o pequeno-almoço, sempre acompanhado pela vista do centro histórico de Amarante. Há ainda um espaço dedicado à gastronomia italiana, o Ciao Tílias, que se debruça sobre o Tâmega.
Por fim, mas não menos relevante, a joia da Casa da Calçada continua a ser o restaurante Largo do Passo que antes do fecho para obras detinha uma estrela Michelin.
Largo do Paço: a viagem de Francisco Quintas
Provar um menu degustação de fine dining é como embarcar numa viagem. A mente tem de estar aberta para novas experiências e os sentidos devem estar preparados para novas sensações. Se possível, é indicado fazer algum trabalho de planeamento, tal como numa viagem, quando, antes de embarcar, procuramos saber mais sobre o destino; num menu de alta gastronomia é essencial saber quem é o chefe, antes de nos sentarmos à mesa.
Francisco Quintas, o mais jovem chefe português a conquistar uma estrela Michelin no restaurante 2 Monkeys, apresenta-nos um menu em formato sopa de palavras que é também um convite à descoberta e à diversão durante 15 momentos que, num crescendo, nos conquista por completo. Para o chefe, natural de Miranda do Corvo, é também um regresso uma vez que já tinha feito parte da equipa do Largo do Paço enquanto estudante e, depois, a trabalhar.

Agora, enquanto chefe, nada foi deixado ao acaso: do serviço impecável, à minuciosa harmonização vínica, passando pela agradável playlist, esta viagem gastronómica apresentada por Francisco Quintas é, ao mesmo tempo, sofisticada e simples, séria e lúdica, provando que o fine dining não precisa ser formal e sóbrio, muito pelo contrário, este convite à descontração torna toda a experiência mais memorável.
É difícil eleger quais foram os melhores pratos, uma vez que todo o menu foi pensado para ir evoluindo em complexidade, como explicou o chefe durante o jantar. Ainda assim, numa fase inicial da experiência, destacamos os brócolos com béarnaise, trigo sarraceno e caril; o pão de massa mãe e o brioche ainda quentes, acompanhados por manteiga fumada, de enchidos e de cebola; bem como, o prato mais sazonal do menu, onde o tomate, a melancia, a huacatay (erva aromática do Peru) e o queijo foram responsáveis por uma combinação perfeita para aquela noite quente de verão, onde fomos também aos Açores através do vinho branco Ameixambar, produzido pela Adega do Vulcão com uvas do Pico e do Faial.
Outro momento marcante deste menu foi a visita à cozinha, a convite do chefe que aproveitou para apresentar toda a sua jovem equipa e explicar um pouco mais sobre aquelas gambas violeta com batata e chilli, acompanhadas com uma cerveja artesanal da marca Sovina, bem fresca. Uma combinação que nos transportou para um pôr do sol de verão na praia.
Dentro dos pratos de peixe, o pregado com lula gigante, caviar e bergamota pode muito bem entrar para a lista de “clássicos” do chefe, enquanto o tamboril com cenoura, funcho, aneto e citrinos indica mais ousadia. Aliás, a escolha de ingredientes menos consensuais como as molejas de vitela e o pombo revelam que Francisco Quintas gosta de arriscar e surpreender.
Com cevadinha, nabo e ruibarbo, o pombo foi um dos nossos favoritos da noite que conquistou não só pela miríade de sabores, mas também porque, antes, fomos convidados a escolher a nossa faca de carne. As peças artesanais, desenvolvidas pelo projeto Lua Knives, em parceria com o chefe, foram trazidas à mesa e cada um dos comensais teve a chance de escolher uma faca. Mais um vinho que se destacou, enquanto experimentávamos pombo pela primeira vez: o exclusivo Unnamed, um Douro DOC produzido pela Quinta dos Piscos.
Finalmente, se as duas sobremesas estavam impecáveis – a primeira com morangos, hibisco, hortelã e chocolate branco, e a segunda com citrinos e gengibre –, foram os petit fours que voltaram a trazer a dimensão lúdica à mesa. Transportados numa casa de madeira amarela, a imitar uma Casa da Calçada em ponto pequeno, abrimos as portas e, lá dentro, encontrámos os delicados doces servidos no final deste menu irrepreensível.
A pressão não é a estrela, é que os clientes saiam satisfeitos
A pergunta sobre o regresso da estrela Michelin ao Largo do Paço é, talvez, um das mais feitas ao chefe, mas Francisco Quintas afirma que “a pressão não é a estrela, é que os clientes saiam satisfeitos”. “A estrela é um objetivo, o objetivo é recuperá-la, mas de uma maneira natural e divertida”, conclui o chefe de 26 anos para quem as viagens são uma grande influência na criação dos pratos.
“Já viajei dentro e fora da Europa e adoro trazer um bocadinho de tudo, e juntar à minha cozinha que tem um estilo de viagem, do que eu gosto, do que me apetece fazer e do que está na temporada”, explica. “É isso que queremos trazer, uma cozinha divertida, muitos sabores, muita coisa a acontecer, que faça pensar e que não seja só mais um fine dining”, resume Francisco Quintas.
Do spa que vive “dentro” das vinhas à caminhada vínica
Sem dúvida que a experiência gastronómica no Largo do Paço é um dos pontos altos da estadia na Casa da Calçada, contudo, uma das apostas deste novo capítulo do hotel é também no bem-estar.
Assim, uma visita ao spa, construído de raiz, é essencial e (muito) recomendada. Chama-se Tempo e tem a particularidade de estar completamente integrado na paisagem. Entre um charmoso jardim histórico, onde se encontra a piscina exterior, o edifício do novo spa foi construído por baixo das vinhas que fazem parte do hotel.


De fora, não temos a noção do espaço de 500m2 que conta com piscina interior aquecida, saunas, banho de gelo, um ginásio com muita luz natural que vai, com certeza, agradar aos que não conseguem ficar sem treinar, e salas de tratamento, onde estão disponíveis várias opções de massagens.
Optámos pela massagem de relaxamento e, durante uma hora, estivemos, literalmente, nas nuvens, embalados pelo aroma suave de um dos óleos de massagem elaborados em exclusivo para o spa da Casa da Calçada pela marca portuguesa Oliófora.
Outro momento que fez parte da nossa estadia foi uma caminhada vínica em que, guiados pelo sommelier do grupo, João Dória, percorremos, socalco a socalco, as vinhas da propriedade de quatro hectares de onde são retiradas uvas de várias castas para a produção dos vinhos da Calçada Wines.
Durante o passeio, ficamos a conhecer a mais antiga vinha demarcada da região dos Vinhos Verdes (de 1917), de onde sai o Quinta da Calçada Vinhas Velhas, “mas só em anos excecionais”, salienta João Dória que conduz uma visita pelos vários socalcos onde estão plantadas castas como Arinto, Loureiro e Alvarinho, em que cada patamar ilustra uma forma diferente de plantio e cultivo da vinha.
É uma “aula” de viticultura, ao mesmo tempo em que ficamos a conhecer outros “segredos” da Casa da Calçada, como a “gruta do amor” que ganhou este nome na época em que a propriedade estava “abandonada” e recebia visitas furtivas de casais amarantinos que ali podiam namorar em segredo. Há também um pequeno bosque, com uma vista privilegiada para a cidade, que está a ser recuperado. Dos planos futuros fazem ainda parte a criação de uma horta e uma experiência gastronómica exclusiva na torre do século XIX. A visita termina com uma prova de vinhos Quinta da Calçada, realizada no bar da piscina exterior. É caso para dizer: um brinde aos novos capítulos.
Uma janela para o passado
Há lugares que são janelas para o passado e a Casa da Calçada é um deles, sendo, portanto, imprescindível conhecer a sua história. O edifício foi construído no século XVI como um dos palácios do Conde de Redondo, com vista privilegiada para a ponte, a igreja e o convento de São Gonçalo que, juntos, formam um dos postais mais emblemáticos de Amarante, cidade do distrito do Porto.
Ao longo dos séculos, a Casa da Calçada afirmou-se como um lugar aberto a nobres, intelectuais, republicanos e foi, até, um bastião de defesa contra as invasões francesas, acabando por sucumbir a um incêndio, após bombardeamentos das tropas napoleónicas.

O edifício amarelo viveria, mais uma vez, tempos áureos a partir do século XIX quando é comprado pela família Lago Cerqueira. Com a implantação da I República em Portugal, o primeiro presidente da Câmara de Amarante, António do Lago Cerqueira é um dos ilustres habitantes da Casa da Calçada que a recupera após outro incêndio – a traça barroca é mantida, mas recebe elementos neoclássicos. Foi também António do Lago Cerqueira que introduziu a produção de espumantes e vinhos nas Caves da Calçada, legado que permanece até hoje.
Outro legado que continua vivo foi a transformação da Casa da Calçada em hotel. Desejo do empresário Manuel António da Mota, fundador da Mota Engil, que comprou a propriedade em 1960.
Este sonho acabou por ser concretizado pela filha Paula Mota. Após um longo e desafiante trabalho de recuperação do edifício, escrevia-se mais um capítulo às margens do Tâmega, com a abertura de um hotel, em 2001, que se viria a afirmar como um dos mais conceituados do Norte do país.

A Casa da Calçada acumulou distinções, entre elas, a entrada para a associação Relais & Châteaux, em 2003, onde ainda permanece, e a primeira estrela Michelin para o restaurante do hotel, o Largo do Paço, em 2004, sob o comando de José Cordeiro. Desde então, o Largo do Paço foi “palco” para vários chefes de renome, como Ricardo Costa ou Vítor Matos, entrando para o mapa da alta gastronomia portuguesa.
O melhor lugar para terminar esta viagem é na Sala Memória que nos transporta para o passado da Casa da Calçada. Apesar de subtilmente renovado, o mobiliário, as cores e o cheiro a fumo devido à presença de uma grande lareira, são elementos que nos ajudam a compreender melhor a essência deste lugar histórico.
O SAPO Viagens visitou a Casa da Calçada a convite do hotel
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