Por Liliana Ascensão, líder de viagens na The Wanderlust

A Guatemala é, para mim, uma jornada tanto para dentro como para fora, e o Universo de dentro é tão infinito como o de fora. Eis 5 subtilezas que fazem a Guatemala levar os viajantes nessa jornada.

“Guatemaia te atrapa”

Existe um trilho informal que vai da Patagónia ao Alasca percorrido anualmente por milhares de viajantes, em carrinhas, à boleia, a pé ou em transportes públicos, que formam uma infinita rede de ligações e uma inteligência colectiva sobre o percurso.

“Guatemaia te atrapa”, assim se diz, em forma de conselho para quem ainda não chegou lá. É que quem viaja sem tempo e plano definido acaba invariavelmente a adiar a partida mais dois dias, mais uma semana, mais dois meses. Há sempre mais alguma coisa especial!

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Bailarina no Lago Atítlan créditos: Liliana Ascensão

À maior parte dos visitantes é atribuído um visto de 3 meses e muitos contam passar 6 ou 7 dias a caminho de lugares mais badalados, como o México ou a Costa Rica. Porém, o tempo passa, fazem-se viagens de saída do país para renovação do visto e reentrada, e fica-se, sobretudo pelo lago Atítlan, um dos lugares âncora de encontro destes viajantes, e eventualmente o favorito entre eles. Nisto, turistas em missão Instagram não percebem a dinâmica do país, encontram mais lugares feios do que mágicos e acabam por ter uma experiência superficial.

Os Maias existem fora dos livros de História, e não fazem sacrifícios humanos...

...mas estão a passar por sacrifícios há 500 anos! 40% da população são ameríndios, descendentes diretos dos Maias e 35% são mestiços. Os restantes 25% são descendes de colonizadores Europeus e imigrantes, maioritariamente vindos de países desenvolvidos e auto-intitulandos de expats. A minoria detém a maior parte da riqueza, e impõe a sua cultura passiva ou activamente. A maioria é rural, com pouca educação formal, e geração após geração habituaram-se à marginalização no seu próprio território, violência e apropriação patrimonial e cultural. Estão consolidados nos seus rituais e cosmovisão ancestrais, e ao que no ocidente chamamos de sítios arqueológicos ou monumentos, eles chamam de templo ou casa, com uma cultura suculenta e a transbordar para quem a quiser testemunhar. Turistas mais distraídos tendem a identificar-se mais com a minoria e podem perder muito com generalizações e livros de uma história potencialmente mal contada.

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Ruínas Maias de Tikal créditos: Liliana Ascensão

O chocolate não é suíço e o café não é Nespresso

O nome científico do que conhecemos como chocolate é Theobroma Cacao. Theobroma, "alimento dos deuses" em latim, e cacao de xocolatl, de xococ (amargo) e atl (água) na língua Nahuatl, dos Astecas. A ciência moderna reconhece evidências sobre efeitos do consumo na redução da pressão arterial, propriedades hidratantes e aumento da produção de serotonina, entre outros. Há mais de 2.000 anos que na América Central sabem disso, e na Guatemala há milénios que é usado para fins medicinais e rituais. Se em tempos foi usado para grandes oferendas a deuses e governantes, e até moeda de troca, hoje continua a prevalecer nos rituais indígenas de fogo sagrado e é encontrado em oferendas em altares católicos. Há também cerimónias new age, com xamãs ocidentais, tendências que se estão a espalhar da Guatemala um pouco para todo o mundo, sempre lideradas por alguém que passou pelo país.

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Produtor de café créditos: De La Gente

Além de plantações de cacau, a Guatemala é o maior produtor de café da América Central, superada em alguns anos pela vizinha Honduras, e a qualidade do café produzido é reconhecidamente muito boa. As “fincas” estão modernizadas e começam a expressar preocupações com questões laborais e de sustentabilidade. Para um guatemalteco brioso, pó de grão de café torrado há meses e cozinhado em cápsulas de alumínio descartáveis que viajaram meio mundo pode ser uma bebida agradável, mas não é café. Um viajante curioso tende a concordar.

As recordações são memórias, os souvenirs são fraudes

Os mercados tradicionais são lições de vida, cheios de ruído e aromas, bons e maus, e muitas cores de frutas e legumes exóticos, não tantos quantos aquela terra fértil poderia oferecer. Ver as transações de grãos de café ou abacates é fabuloso, e dá que pensar o que é que, de facto, acrescenta valor a um produto, quando comparamos os preços pagos aos produtores com os das bonitas embalagens com rótulos fair trade ou organic que encontramos nas lojas de Antígua.

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Artesãs da Guatemala créditos: Woven

Os reis dos objetos a adquirir são os têxteis coloridos com sumptuosos bordados, do vestuário às toalhas de mesa. São vendidos tanto em boutiques luxuosas como pelas ruas por senhoras humildes, com preços que podem ir de cêntimos a pequenas fortunas e muito importantes justificações para isso. Turistas desinformados acabam por privilegiar cópias importadas, obrigando as tecedeiras artesanais a baixarem o valor da sua mão de obra minuciosa e a recorrerem a materiais sintéticos, em vez dos algodões orgânicos tingidos naturalmente. Felizmente, há projetos como a Woven, com a missão de impulsionar o trabalho de tecedeiras independentes e a proteção do património cultural, do meio ambiente e da cultura do país.

Vem com curso de desenvolvimento pessoal incluído

Comparativamente com outras culturas, a ancestralidade está mais presente e preservada na Guatemala, os impactos da “modernização” esfregam-se na nossa cara, do plástico nas bermas da estrada às t-shirts do Ronaldo nos meninos de mão dada com as mães em trajes tradicionais. Nós, os visitantes, somos parte importante da contaminação, e estes impactos tão evidentes funcionam como a oportunidade perfeita para questionamos como queremos interagir com os locais mais remotos, inexplorados e por isso, preservados do planeta. Como visitantes está ao nosso alcance estimularmos mudanças alinhadas com o que acreditamos que funciona, em vez de perpetuarmos falhanços assumidos da cultura ocidental. Podemos, por exemplo, distribuir as compras por famílias locais, privilegiar artesanato autêntico e natural, reduzir a utilização de cosméticos, recusar coisas embaladas em plástico e, importante e pouco mencionado, abster-nos de obter terras a preços injustos para os locais, de onde extrairemos recursos para criar riqueza apenas para nós próprios. E se podemos fazê-lo lá, porque não fazer o mesmo em casa? Isso mesmo!

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Vulcão Acatenango créditos: Liliana Ascensão