Por Fábio Inácio, líder de viagens The Wanderlust

Esfahan é metade do mundo. “Esfahan, nesfe jahan”, em iraniano, é um ditado popular, muito comum de se ouvir pelas ruas da cidade. Nasceu na Pérsia Antiga, no século XVI quando esta era governada pelo Shah Abbas da Pérsia. Desde esse tempo que a cidade é conhecida pela sua arquitetura esplendorosa, pelas artes e pelo artesanato.

Aluguei um estúdio, ou como chamam no Irão, uma suite, para viver durante um mês e criei uma rotina parecida com a dos habitantes da cidade.

Acordava entre as 6 e as 7 da manhã e ia correr ou caminhar para as margens do rio Zayandeh, seco há quase dois anos, entre as duas pontes históricas Khaju e Si-o-se-pol, que funcionam como um dos centros da cidade. Não era o único! Muitos homens, mulheres, jovens e idosos também já estavam por ali a fazer exercícios apesar do frio e quase sempre antes da claridade da manhã.

Ponte Khaju
Ponte Khaju créditos: Fábio Inácio

À medida que o dia ia crescendo, se a chuva não resolvesse chegar, as mesas de ping-pong do jardim ficavam cheias de reformados a jogar à “roda bota fora”. Ao fim do dia, amigos e famílias juntavam-se para ver o pôr-do-sol!

Após a rotina matinal, estudava farsi, a língua oficial do Irão. Para praticar, saía à rua, ia às compras. Os iranianos não perdiam a oportunidade de meter conversa comigo, o que facilitava ir pondo em prática o pouco que já sabia.

Irão
Loja que ia todos os dias créditos: Fábio Inácio

- Salam! Ale Shoma Chetore?
Be man yek kilo havij va seshe Tokhme Morgh beder.
Kheili Mamnoom, Khodaafez.
- Olá! Como estás?
Quero um quilo de cenouras e seis ovos por favor.
Obrigado, adeus.

Por regra cozinhava em casa. O meu estúdio tinha cozinha, casa de banho e uma sala com três sofás e uma cama. Grande parte da população, principalmente fora das grandes cidades, tem casas deste tamanho, sendo a única diferença não terem cama. O chão da sala é forrado com carpete e serve para os momentos de socialização, refeições e para dormir. A casa tinha um pequeno balcão a separar a cozinha da sala, mas optei sempre por comer no chão. Durante as refeições utilizam uma toalha de plástico que retiram com todo o cuidado no final para não deixar cair comida na carpete, depois metem cobertores e almofadas para dormir.

Irão
Almoço em casa créditos: Fábio Inácio

De tarde ia às aulas de farsi à casa de uma professora particular, que não falava bem inglês, e por isso um dos seus filhos estava sempre presente para dar uma ajuda. Ficava a uma hora de distância de casa e ia quase todos os dias a pé, quando não tinha muito tempo chamava um “Snap”, igual à “Uber” e pagava não mais de um euro pela viagem. Quando fui ao Irão pela primeira vez, em 2014, os preços eram só um pouco mais baratos do que em Portugal, mas desde o ano passado (por causa das sanções internacionais) o real desvalorizou muito. Actualmente, para um turista fica muito barato viajar pelo Irão.

Depois das aulas caminhava de volta à casa e ficava por uma das pontes a assistir ao fim do dia e a conversar com alguns jovens que vinham curiosos falar comigo. A ponte escolhida era quase sempre a Khaju, mais pequena, mais acolhedora, mais bonita e onde ao mesmo tempo que o sol baixa vozes de pessoas escondidas, surgem a cantar. Alguns cantam as músicas tradicionais, outros as suas próprias composições.

Irão
Praça Naghsh-e Jahan créditos: Fábio Inácio

Quinta e sexta-feira é o fim-de-semana e motivo de festa! Os vários parques e a Praça Naghsh-e Jahan ficavam cheios de pessoas. Zonas como Jolfa, o bairro arménio-cristão, com igrejas e muito cafés, enchem-se de movimento. Os bazares e as lojas fecham mais cedo, é o tempo para as famílias e amigos estarem juntos.

Fui passando assim os dias, sem encontrar muitas diferenças entre aquele estilo de vida e o que se vive em Portugal. Existe, contudo, uma grande diferença incontornável, a ditadura religiosa imposta a todos os que estão em solo iraniano. Esta dita a forma de vestir ou os comportamentos em público, entrando em muitos aspetos da vida diária. Paralelamente, o que se encontra é uma população com ideias semelhantes às nossas e que, secretamente, se opõem ao regime em que vivem. Trabalham, estudam, falam de futebol, adoram o Queirós, falam de política religião, namoram, casam, brincam...