Fotografia por João Amado

1. Como/quando começou o “bichinho” das viagens?

Quando tinha menos de um ano de idade, e a minha mãe me levou para o meu outro país, o Brasil (o meu pai e a minha mãe são brasileiros). Portanto, antes de nascer já estava a viajar entre duas culturas e duas nacionalidades diferentes. Não deu para não continuar.

2. Além de viajar, gosta muito de…

Tocar e cantar, tirar fotografias, fazer surf, socializar, conhecer pessoas, a questão é que viajar engloba tudo isto quando a pessoa quer. No fundo, se a pessoa estiver sempre a viajar, ela consegue fazer aquilo que gosta noutros lugares e ainda viajar no lugar onde está, na própria casa. Há sempre dimensões diferentes naquilo que vivemos no nosso dia-a-dia. Ou seja, não precisa de ser uma questão mutuamente exclusiva: não é um “além de viajar”, é “quando eu viajo”, ou quando não viajo..

3. Quantos países já visitaste?

Não faço ideia. Alguns. Dos continentes, falta-me a Antártida. Está para breve.

João Kopke
João Kopke é um surfista português que também é cantor lírico e contador de histórias. créditos: André Farinha

4. Viagens mais marcantes e porquê?

Acho que a mais marcante até hoje é capaz de ter sido a Amazónia brasileira. Estive na região do rio Tupana, e nos últimos dois dias de viagem eu já tinha feito todas as coisas minimamente normais que se faz lá, que mesmo assim não são tão normais: tirar a tarântula do buraco, ir ver os jacarés no rio, dar saltos no meio da Amazónia, acampar no meio da floresta, enfim, todas essas coisas, que a viagem em si pressupõe.

Estava alojado num hotel, bom, não era bem um hotel: entrou-me uma cobra pelo meio do quarto um dia e tivemos que ir lá tirá-la. Era o que eles, lá no Brasil, chamam uma cobra verde. Não era uma jararaca, nem uma cobra-coral, que são altamente venenosas, mas é perigosa na mesma, causa alguns estragos, se nos morder. Tinha entrado pelo quarto, teve que se tirar, enfim, era este o tipo de sítio onde fiquei. Sem rede, sem internet e a mais ou menos dois dias de viagem, entre barcos e carros. E eu queria fazer uma coisa um bocadinho diferente daquelas que já tinha feito porque já lá estava há uma semana e pedi ao Revelino, que era a pessoa que nos guiava, que me levasse a fazer algo único.

Já ficáramos amigos nesses dias, tínhamos a mesma idade, falávamos das mesmas coisas e tínhamos as mesmas motivações, embora ele nunca tivesse saído dali e a cidade mais próxima (uma aldeia para aí com 20 casas) lhe desse comichão, por achar que era muita gente e claustrofóbico — portanto, não faço ideia do que acontecia se o levasse para São Paulo, onde era capaz dele ter um ataque de ansiedade..

Enfim, ele pegou em mim e entrámos numa daquelas canoas que a malta ribeirinha usa, que tem água mesmo a entrar pelas amuras. Trouxe com ele uma espingarda, duas canas de pesca (dois paus, basicamente, com uma linha), dois arpões e um facão, e lá fomos pela floresta, sem tenda, sem nada. Dormimos ao relento, caçámos um jacaré (eles lá comem jacaré), ou melhor, ele caçou, visto que eu não cacei grande coisa (estava só a remar na canoa), e ele, pronto, apanhou o jacaré. E isto a meio da noite, já depois de ter entrado uma tempestade muito grande. Foi uma experiência que me marcou muito. Nem sequer pela aventura em si, que foi incrível, mas por ter feito este amigo que me levou a viver como ele vive e a divertir-se como ele se diverte. Foi muito marcante. Principalmente por essa conexão humana que depois levou a esta aventura incrível, mas a conexão humana foi a base disso.

Trailer do Experiências.pt, o novo programa de travel & living que o João protagoniza no canal Casa e Cozinha a partir do dia 14 de outubro.

5. Destino a que queres regressar e porquê?

Ui, Maldivas pelas ondas. Amazónia por esta história. Costa Rica por uma história bastante parecida mas com outras pessoas. Marrocos pela música. Indonésia pelas ondas e pelas tribos. Enfim, acho que quero regressar a todos os sítios. O problema é que quero visitar muitos novos, então se calhar isto ainda tem de dar uma grande volta.

6. Próximos destinos e expectativas

A próxima viagem internacional que vou fazer é Marrocos. Já lá fui muitas vezes mas esta vai ter um carácter especial. Estamos a gravar um outro documentário que se chama "Frequency" e que vai à procura de ondas, obviamente, mas também das tradições musicais de vários lugares.

Começámos pelo Alentejo, pela Andaluzia, por Marrocos, e desta vez com Marrocos, vamos tentar descobrir o que é e como é que se vive a cultura do Gnawa, que é um estilo de música tradicional, considerado Património Imaterial da Humanidade, tal como o cante alentejano e o flamengo, que já explorámos em episódios anteriores. Tem a particularidade de ser uma música de cura, uma música espiritual que pretende curar. E vamos viver essa experiência, eventualmente vamos participar de uma dessas experiências e entrar no ritual.

Então, vamos ter uma cultura que eu não conheço bem, vivenciada através de pessoas que estão muito dentro dessa cultura. Vamos tentar, o máximo possível, não contar essa história pelos nossos olhos, de outsiders, mas em parceria com olhos de dentro, ou seja, ter essa estranheza de olhar de fora e a proximidade de estar acompanhado por pessoas que são dali. É uma série à volta do mar e da música. Então, vai correr bem.

7. Dica de viagem mais valiosa que podes dar

O Gonçalo Cadilhe uma vez disse que somos sempre turistas quando viajamos. Isso pode ser verdade, porque nós no fundo estamos a tentar viver a viagem sendo sempre outsiders, mas se tivermos a possibilidade de conhecer alguém de lá que nos leve, não como guias, mas, se possível, enquanto amigos, temos meio caminho andado para termos uma experiência muito mais profunda e verdadeira do que é o lugar, do que se formos com os nossos olhos de viajante, para estar nas filas dos 300 mil turistas com máquinas ao pescoço e protetor solar nas mochilas e essas coisas. A minha dica seria esta, tentar conhecer alguém do nosso destino que nos abra algumas portas e nos leve pelos caminhos, porque isso muda completamente a forma como olhamos para os lugares.

João Kopke
Em 2020, o João atravessou o país de bicicleta (e prancha de surf) para o mini-documentário "De Norte a Sal". créditos: @way__pt

8. Lugar preferido em Portugal

Não tenho um lugar preferido. Podia dar muitas respostas com muitas perspetivas diferentes. Adoro a minha casa de sempre, Lisboa e Carcavelos. Sou um eterno encantado por Lisboa, pela complexidade que a cidade tem. E ela está em constante mudança. É um lugar realmente cosmopolita, mas que preserva história, cultura, tradições e consegue integrar coisas novas, gente novas de montes de nacionalidades (músicos de todo o lado, que é uma das realidades que eu mais vivo), na cultura que já tem, de casas de fado e de ruas de Alfama e tudo o mais.

Também poderia dizer a Madeira ou os Açores, que em si mesmo são sítios muito diferentes uns dos outros, mas que como um todo, estes arquipélagos dão-nos uma noção que Portugal também consegue ser exótico e muito diferente daquilo que encontramos aqui no continente. Conseguimos viver coisas que são mais associadas a outras latitudes: mergulhar com tubarões-baleia, nos Açores, quem diria? Mas é possível, portanto gosto do que está perto, gosto do que está longe, acho que Portugal é incrível.

9. No Experiências.pt, és desafiado a descobrir novas sensações um pouco por todo o país. Consegues destacar o momento mais inesperado que viveste neste novo programa?

A experiência mais interessante que eu tive até agora, ao gravar este programa, foi vivida em Mira de Aire, quando me falaram em fazer uma experiência de espeleologia. Estava à espera, por causa do “logia”, viver algo um pouco mais associado às ciências, uma coisa calma, mais monótona. E quando chegámos lá, a primeira coisa que fazemos é descer um rapel de 15 ou 17 metros, até uma primeira gruta — só isso já deixou uma parte da produção lá em cima, que não quis descer.

E depois entrámos numa segunda galeria, que era acessível apenas através de um buraquinho muito apertado, onde cabia uma pessoa, muito apertada, ou seja, com os braços muito próximos do corpo. Era preciso deslizar por um túnel escuro de seis metros até uma outra galeria completamente escura. Foi um momento de muito medo, de achar que não ia conseguir fazer aquilo, e eu acho que nunca me tinha acontecido sentir isso durante uma gravação. Chegou a um ponto em que disse "acho que quero sair daqui" e o espeleólogo que estava connosco disse, precisamente, que o medo era a coisa mais normal do mundo, que se não tivesse medo era uma pessoa estranhíssima, mas que nós estávamos ali era para superar medos.

Uma experiência que eu achava que ia ser calma acabou por ser um dos maiores momentos de superação da minha vida. Foi um momento muito mental. Estava ali sozinho no meio do túnel, foi aí que bloqueei. E lá está, nenhum dos câmaras conseguiu vir connosco. Fui só eu e os dois espeleólogos, e uma pessoa da produção, o Rui Lindo do MauMau Mia, que foram as únicas pessoas capazes de descer até ali. Éramos seis ou sete e ficou tudo lá em cima. Foi um momento incrível e do qual eu não estava à espera.

Obrigado, João!

Podem seguir as aventuras do João pelo seu instagram e espreitar o Experiências.pt no canal Casa e Cozinha a partir do dia 14.