Um desafio ao estilo britânico

Estamos agora na África do Sul e os custos por aqui têm sido, no geral, os mais elevados da viagem (ainda assim substancialmente abaixo dos portugueses), notando-se bastante nos meios de transporte. Havendo vários pontos de interesse entre as duas maiores cidades do país, decidimos alugar um carro, dando assim mais liberdade ao nosso trajeto e à nossa carteira.

Assim, depois de percorrermos mais de 13 mil quilómetros de estrada usando transportes públicos, sentamo-nos ao volante de um pequeno Renault cinzento (na verdade, sentamo-nos muitas vezes, sem querer, no lugar do passageiro, já que aqui o condutor fica do lado direito do carro).

O condutor sentar-se no banco da direita significa que se conduz pelo lado esquerdo da estrada, e, isso, traz algumas dificuldades a portugueses que nunca viveram no Reino Unido.

Nos primeiros dias, todos os cruzamentos são feitos como se se tratasse de um exame de condução, sempre muito devagar, com medo de entrar em contramão. É ainda comum ligar os limpa pára-brisas em vez do "pisca" ou o motor receber a mudança errada, posta com a mão esquerda.

Mas, de alguma forma, mais de cinco meses a viver em países com o trânsito "do avesso" ter-nos-ão habituado e a viagem Joburg-Lesoto corre sem grandes percalços.

Lesoto: um enclave nos céus

O Reino dos Céus

A característica mais conhecida do Lesoto é, provavelmente, o facto de ser um país enclave, ou seja, é totalmente rodeado por outro, neste caso, a África do Sul. No entanto, as semelhanças entre os dois não são tão evidentes como se pode pensar.

O Lesoto é o único país situado 100% acima dos 1400 metros, sendo o ponto mais baixo a capital, Maseru. Por outras palavras (talvez mais confusas), é o país do mundo com o ponto baixo mais elevado. É, por isso, conhecido como o "Reino dos Céus", aludindo também à monarquia, que é o sistema de governo desde a formação do país, em 1822.

O Lesoto esteve, mais tarde, várias décadas sob soberania britânica, protegendo os Sotho - o povo a que pertence 99% da população - nas guerras que se sucediam contra os invasores Boers (descendentes de holandeses que se fixaram na África do Sul) e outras tribos locais. O país tornou-se novamente independente apenas em 1966.

Uma capital fria

A capital, Maseru, é a nossa primeira paragem, logo colada à pacífica fronteira. Já é de noite e sentimos o frio como nunca nos últimos seis meses. A altitude e o aproximar do inverno do hemisfério Sul levam o termómetro até aos sete graus Celsius (que desceriam para os dois durante a noite).

Durante o dia, aproveitamos para conhecer a capital, mas o centro de Maseru não nos enche o olho. É um pouco sujo, pobre e não tem particulares pontos de interesse, citando os próprios locais, que nos questionavam o porquê de lá termos ido.

 Maseru
Um museu em Maseru com telhado de palha e o símbolo nacional no topo.

Natureza e mais natureza

Mas assim que deixamos a capital para trás, começamos verdadeiramente a entender o porquê de o Lesoto nos ter sido tão recomendado por tantos viajantes que fomos conhecendo durante esta aventura.

Sabendo que será difícil fazê-lo mais tarde, paramos ainda num Shoprite (supermercado) para nos abastecermos para o dia e seguimos pela estrada que se dirige para o Sul do país.

Conduzir no Lesoto é uma dádiva e, sinceramente, vale a visita por si só. A paisagem é relativamente árida, mas muito rochosa e cheia de montanhas com um tom castanho que se avermelha quando reflete o Sol. As montanhas perfazem constantemente quase 360 graus à nossa volta, oferecendo imagens diferentes a cada reta e curva, qualquer uma mais bonita que a anterior. À falta de melhor comparação (já que os nossos olhos nunca viram nada semelhante ao vivo), chegaram-nos à cabeça as imagens do interior dos EUA e a famosa Route 66.

Depois de duas horas no alcatrão (que já esteve em melhores condições), paramos o carro e iniciamos uma caminhada por um trilho.

As indicações são quase nulas (e as que temos vêm de blogs perigosamente antigos) e parecemos ser os únicos turistas, pelo que o trilho se torna mais longo do que planeado.

Andamos por colinas, em constante sobe e desce, passando por plantações de cereais, pastos, ovelhas e respetivos pastores e grupos de crianças a achar demasiadas vezes que estamos perdidos.

Mas pouco mais de uma hora depois, chegamos à parte superior de um desfiladeiro com mais de 200 metros de altura. Do lado oposto, corre um rio tímido que acaba por cair no desfiladeiro, formando uma cascata fina e perfeita, uma das mais altas do continente, chamada de Maletsunyane.

O berço dos Basotho

No dia seguinte, vamos até Thaba Bosiu, uma pequena aldeia agora transformada em centro cultural e museu, onde conhecemos a história de Moshoeshoe I.

Este foi o primeiro rei do Lesoto, que na altura se chamava Basutoland, e viu na zona de Thaba Bosiu uma fortaleza natural capaz de proteger o seu povo. Estabelecendo-se neste planalto de difícil acesso, Moshoeshoe e o seu povo saíram vitoriosos de incontáveis batalhas durante as primeiras décadas de existência do país.

Thaba Bosiu é assim considerada o berço do Lesoto, e o símbolo nacional – um chapéu ao qual chamaram "mokorotlo" e que, para além de fazer parte da indumentária tradicional, está ainda presente na própria bandeira – é alegadamente inspirado numa das montanhas que se vêem da aldeia.

O centro cultural tenta mostrar e contar como era a vida em Thaba Bosiu quando governada por Moshoeshoe, contando com dezenas de habitações semelhantes às da época, e é uma visita bastante interessante.

Thaba Bosiu
Thaba Bosiu

Sáurios e viver com os Basotho

O nosso destino seguinte é Butha Buthe, uma cidade no norte do país, onde passaríamos mais dois dias, novamente em regime de couchsurfing.

Um couchsurfing em Joanesburgo
Um couchsurfing em Joanesburgo
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No caminho, fazemos ainda um pequeno desvio para uma pequena mas impressionante jazida de pegadas de dinossauros do período Jurássico, que continha ainda marcas fossilizadas de aves e minhocas.

Mas Butha Buthe é onde conseguimos ter a oportunidade de conhecer o registo menos turístico do país. Guiados pelo nosso incansável anfitrião, vamos aos bares e discotecas da cidade, experimentamos a comida regional e aventuramo-nos num trilho pela floresta do Parque Nacional Tsehlanyane, um dos principais e mais bonitos do Lesoto.

Antes disso, à entrada do parque, entramos numa área ampla ao ar livre e juntamo-nos a vários grupos de pessoas que comiam, bebiam e dançavam, aproveitando um sábado frio mas solarengo. Abrimos também nós umas cervejas e acendemos uma fogueira com lenha. Para além de nos aquecerem, servem ambos como base para um excelente braai (aquilo a que chamam por aqui a um churrasco) de carne de porco e frango e horas de conversa, rodeadas, como sempre, pelas imponentes montanhas tão características do Reino dos Céus.

Percorra a fotogaleria para descobrir belas paisagens do Lesoto:

Projeto Prá frente

O Projeto Prá Frente foi criado por dois jovens engenheiros, com a intenção de conhecer (e partilhar) uma perspetiva completa do Sudeste Africano, focando-se não só no seu património deslumbrante, mas também nas suas pessoas e naquilo que tem para oferecer para o futuro.

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