O Kruger é um dos parques nacionais mais célebres de África e uma das reservas de animais mais visitadas no mundo. Este enorme parque da África do Sul, com a área de toda a Região Norte portuguesa, tem centenas de espécies de mamíferos, répteis e aves que coexistem na savana.

Por esta altura, estamos já habituados às reservas naturais africanas. Habituados ao custo de as visitar - que se divide no pagamento do guia, no aluguer do veículo e nas taxas de entrada e de conservação do parque - e também ao enorme retorno que proporcionam, como experienciámos no Quénia, na Tanzânia ou em Moçambique, ao oferecerem uma imersão neste ecossistema selvagem e uma observação tão crua dos animais e dos seus comportamentos. Mas aqui, surpreendentemente, o custo foi reduzido e o retorno, como sempre, gigantesco.

Parque Nacional do Kruger

A celebridade desta reserva relaciona-se em primeiro lugar com a sua extensão imensa e com a elevada concentração de animais. É possível encontrar aqui os "Big 5" - leia-se os cinco animais mais difíceis de caçar: elefante, rinoceronte, búfalo, leão e leopardo - e é até provável encontrá-los a todos num dia de visita. É um parque confortável e descomplicado, relativamente económico e onde podemos entrar com o nosso próprio veículo. Os quase 2000 quilómetros de asfalto não obrigam a um 4x4 e, não seja o trânsito, permitem uma movimentação bem mais fluida e rápida.

Existe também o outro lado da moeda e esta facilidade tem um custo. Sabemos que, ao entrar no Kruger, entramos numa enorme área vedada, com uma teia de alcatrão e muitos turistas, onde o sentimento de imersão não é tão esmagador.

Não tendo connosco carro e não querendo ali despender muito tempo nem dinheiro, a nossa melhor hipótese seria o safári noturno, já que assim conseguimos visitar o parque no próprio dia e numa carrinha com mais visitantes. Ao passarmos por este parque natural de renome, não conseguimos ficar indiferentes ao que nos propunham: pouco mais de 25 euros cobriam todos os custos de visitar por três horas um dos parques naturais mais aclamados. E, na verdade, já há muito que queríamos experimentar um destes safáris noturnos.

Um pôr-do-sol africano

À chegada do parque, ao caminharmos para o portão sul, atravessar o Rio dos Crocodilos (Krokodilrivier, como é chamado em Afrikaans) é, por si só, um safári. Dão-nos as boas vindas visões de crocodilos a descansar ao sol de fim de tarde, de um ou dois hipopótamos que àquela hora se preparam para sair da água e de uma família de elefantes junto da água.

Pôr-do-sol no Parque do Kruger
Pôr-do-sol no Parque do Kruger créditos: Projeto Prá Frente

São cinco da tarde quando nos sentamos na carrinha descapotável todo-o-terreno. Pouco depois estamos a receber o briefing de uma guia enérgica e bem-disposta e logo de seguida ela assume o volante e arrancamos para atravessar o portão que delimita o parque.

O sol vai-se deitando, enchendo o céu de rosa e alaranjado. O Parque ganha uns tons dourados à medida que as sombras ganham vantagem. Aquela hora, como as primeiras do dia, são períodos de alguma luz e de pouco calor e portanto altura de muito movimento na savana.

Começamos por ver alguns impalas, próximos mas tímidos, e depois mais à frente ao longe a correr em manada. À nossa direita, a poucos metros, avistamos um javali descontraído, quase pousando. Estes dois animais são dos mais comuns da paisagem africana.

O sol ainda enche o céu de luz pouco depois de se pôr no horizonte montanhoso quando vemos muitos carros parados na estrada à nossa frente. É sinal de avistamento… Juntamo-nos à fila de carros que vai avançando devagarinho e a guia prontamente encontra o casal de leões que repousa a cem metros. Passamos quase meia hora a observá-los e à tensão que se vai acumulando entre estes predadores e os impalas que sabemos estarem próximos. Os felinos a certa altura deslocam-se de um lado para o outro e dão-se-nos a ver mas é tudo o que teremos da parte deles. Parece que a caça ficará para outra altura.

Safári noturno

São seis da tarde, a noite começa a instalar-se e é hora de ligar as lanternas que estão disponíveis para a primeira e última fila do carro. Além dos faróis frontais, os dois lugares nos extremos da dianteira seguram uma lanterna cada, assim como o casal que ocupa os bancos da última fila, atrás de nós. As horas que se seguem são com os olhos postos na escuridão que nos rodeia e nos seis focos de luz (dois de cada lado e dois à frente) que desvendam fragmentos da savana e dos seus hábitos noturnos.

O exercício é muito diferente do que estamos habituados em safári e toda a tripulação se concentra em busca de uma forma familiar nos focos de luz que dançam na vegetação à medida que o carro avança. A partir daqui, a nossa visão é mais limitada e só descobriremos animais que estejam perto da estrada. Isto significa que paramos o carro menos vezes mas de cada vez que o fazemos temos um qualquer espetáculo a poucos metros da viatura. Nesta altura, a guia está mais focada na estrada e no que surge à luz dos faróis fronteiros, pelo que se houve de vez em quando um “STOP” de um passageiro a avisar uma qualquer descoberta nas laterais.

O primeiro avistamento noturno é o de três girafas que interrompem o jantar para nos cumprimentar. A nossa guia pára o carro para as observarmos e explica-nos como estas girafas encontram mecanismos de não baixar a guarda enquanto descansam à noite. Aprendemos que são os mamíferos que menos dormem, por vezes descansando apenas alguns minutos de cada vez e com a cabeça de pé e pescoço erguido já que, como nos explicam, “se baixarem a cabeça para dormir podem não a levantar nunca mais”.

Girafas
O primeiro avistamento noturno é o de três girafas que interrompem o jantar para nos cumprimentar. créditos: Projeto Prá Frente

Mais à frente, encontramos um hipopótamo mesmo junto à estrada. Assim, fora da água, é ainda mais óbvia a sua enorme dimensão. Dizem-nos aqui uma vez mais o que fomos ouvindo várias vezes por África: todo o cuidado é pouco com estes mamíferos semi-aquáticos. A seguir ao mosquito, é o animal que mais mata em África. Não sendo um predador, é extremamente territorial e é comum virar canoas e pequenos barcos que se aproximam dele inadvertidamente. Por outro lado, como é comum saírem à noite, como aquele mesmo à nossa frente, para se alimentarem, regressando à água na manhã seguinte, são comuns os encontros acidentais com a população madrugadora. Nesse caso, sentindo-se ameaçado por ver um obstáculo à sua chegada à água, o hipopótamo facilmente investe contra a pessoa - e este bicho de duas toneladas chega a correr 45 km/h - e faz por usar a sua dentada - das mais fortes do reino animal - para despedaçar o que quer que seja em metades.

Antes de começarmos a conduzir de regresso à entrada, ainda conseguimos ver alguns animais noctívagos como a coruja ou o porco do mato e aprender sobre os hábitos noturnos de outros pássaros e répteis. Passamos também por uma nova família de javalis, alguns deles feridos por qualquer ataque de predador. É uma imagem triste mas a política é clara nestes parques naturais e a interferência com a lei natural deve ser próxima de nula. Mais tristes ainda são os ataques de caçadores furtivos, que sabemos continuarem a acontecer nesta reserva.

Quando vamos para um safári, não vamos para uma experiência controlada. Não sabemos que animais vamos encontrar nem que sorte vamos ter. Cem pessoas vão a um mesmo parque em zonas e horas diferentes e têm cada uma uma experiência muito diferente. Somos nós os estranhos naquele ambiente que é deles. Meros observadores que pedem licença para visitar os que ali vivem e saem sempre de coração cheio pela oportunidade vivida. A beleza dos safáris é muito esta.

Projeto Prá frente

O Projeto Prá Frente foi criado por dois jovens engenheiros, com a intenção de conhecer (e partilhar) uma perspetiva completa do Sudeste Africano, focando-se não só no seu património deslumbrante, mas também nas suas pessoas e naquilo que tem para oferecer para o futuro.

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