O avião da Air Tahiti sai de Moorea com destino a Bora Bora - são cerca de 45 minutos de voo que sobrevoará as ilhas de Huahine, Tumaraa e Tahaa (a ilha com cheiro a baunilha) até ao seu destino final. Bem sentada numa das primeiras filas do voo - a técnica para obter os melhores lugares já tinha sido estudada, testada e de sucesso comprovado previamente: estar cedo na fila (os lugares não são marcados), estudar a trajectória do voo (decidir atempadamente se alinho nos lugares da esquerda ou direita) e sentar-me adiante da asa para não ter qualquer obstrução ao campo de visão.

A vista de todas as ilhas, mas sobretudo de Bora Bora é verdadeiramente arrebatadora, tal e qual o postal oferecido nos inúmeros programas de televisão, revistas e agências de viagem. O Monte Otemanu saúda-nos do alto dos seus 727 metros, e os nossos olhos oscilam rapidamente entre a montanha verde, os inúmeros bungalows sobre as águas turquesa e a barreira de coral que desenha um anel em torno de toda a ilha. Se o paraíso existe, só poderia ser aqui.

Do aeroporto (localizado num ilhéu) saem lanchas para os principais resorts de Bora Bora, algumas atravessando a lagoa pelo módico valor de 150 euros por pessoa (ida e volta). Para a nossa estadia em Bora Bora tínhamos optado por ficar duas noites na ilha principal, alojados no Hotel Maitai Polynesia por forma a podermos explorar as redondezas mas também poupando na estadia seguinte - dois dias no Intercontinental Thalasso & Spa, com a vista prometida, um investimento de 48 horas equivalente a quase um quarto da despesa total da viagem. E, dessa forma, apanhamos o ferry que faz o transbordo gratuitamente para a ilha.

Deixamos as mochilas num quarto bem simpático e dirigimo-nos para a praia. Comparativamente às restantes opções, o Maitai oferece um equilíbrio simpático entre a localização (adjacente à praia de Matira), a qualidade e o valor por noite, dispondo ainda de equipamento de snorkelling e kayaks para usufruto gratuito pelos hóspedes. Assim, o final da tarde é passado entre banhos de água morna, peixes multicoloridos e, ocasionalmente, umas grandes chuvadas.

Num pequeno “aparte narrativo”, e atendendo já a que as opiniões deste texto possam chocar (apesar de serem apenas um relato do que vi), alerto por isso que depois terei “a outra face da moeda” para apresentar na crónica seguinte.

Para o segundo dia em Bora Bora programamos uma volta pela ilha (possível de circunscrever em cerca de uma hora), naturalmente condicionados pelo facto de a scooter alugada não nos permitir aventuras pelo seu interior. As expectativas são moderadamente elevadas (ou não fosse este o mais idílico dos locais à face da terra), mas rapidamente se começam a desmoronar - a construção tomou praticamente conta de toda a estrada junto à lagoa, com pequenas propriedades privadas a reservarem as vistas só para si. Pelo caminho surgem dois resorts abandonados onde ainda permanecem as estruturas originais, já despidas de alguns telhados.

Casas pobres e até mesmo “barracas”, entre tijolo, contraplacado e madeira intercalam com veículos com anos de abandono, electrodomésticos e todo o tipo de lixo e despojos que se possam imaginar. Passamos por lixeiras a céu aberto, sucatas sobre a praia, contentores esquecidos pelo tempo, muitos cães claramente doentes e também muito, muito plástico. A areia, praticamente inexistente, dá lugar a pedras e cascalho, pois as construções anárquicas ocuparam a área disponível em muita da superfície costeira da ilha, perdendo-se a “praia” que ali existiria previamente.

O lado lunar de Bora Bora, uma realidade que poucos turistas conseguem ver
créditos: Andreia Castro

A estrada de alcatrão pouco cuidado prossegue, levando-nos até à vila de Vaitapé, uma terra pequena com 20 a 30 estabelecimentos de pouco interesse mas que constituem o coração urbano da ilha. À semelhança de Taiti não há em Bora Bora restaurantes, cafés ou esplanadas, um hábito e prazer talvez demasiado português mas que choca pela ausência, num local onde poderiam haver instalações com paisagens únicas no mundo - excepção feita ao Bloody Mary’s, um espaço que já foi um dos resorts mais conhecidos da ilha e que hoje em dia se limita a um restaurante, também ele vazio.

Chegamos até Matira Beach, a primeira e única praia de areia branca que encontraremos durante todo o percurso e, rapidamente, estamos de volta à entrada do hotel. A sensação é mais amarga do que doce, e já nas espreguiçadeiras continua-se a discussão gerada à hora de almoço: no que se tornou, afinal, Bora Bora?

Bora Bora é o espelho da imagem criada pelos programas de televisão, revistas e agências de viagens, mas também a consequência da sua insularidade agravada pela pandemia que se prolonga e carrega o fardo pesado de todo um turismo estagnado. O paraíso vendido não se encontra na própria ilha, mas sim na zona dos resorts instalados na barreira de coral. Na verdade, vive-se mal em Bora Bora, com dificuldades notórias na gestão do dia-a-dia e no custo de todos os bens essenciais. Apesar dos largos milhões gastos anualmente pelos turistas que chegam de todo o mundo, o dinheiro colectado pelas grandes multinacionais e entidades governamentais locais não se reflecte na qualidade de vida dos polinésios. Esta é a realidade sobre a ilha de Bora Bora, realidade essa a que 90% dos viajantes não têm acesso pois são imediatamente direccionados para as companhias hoteleiras que circundam a ilha - e, aí sim, o paraíso existe.

- Se queres acompanhar esta e outras viagens, encontra-me no Instagram em @andreia.castro.dr ou no Facebook em Me across the World