Começámos esta jornada no passado mês de janeiro, movidos pela vontade de encontrar novas formas de encarar a vida e as experiências. Escolhemos o Sudeste Asiático porque algo nos dizia que uma força transformadora nos aguardava por lá.

Estipulámos uma estrutura básica que nos permitia garantir que existiria equilíbrio no processo. Como tínhamos tido um burnout há cerca de dois anos e, até então, ainda não tínhamos recuperado por completo, decidimos que primeiro descansaríamos. Depois, encontraríamos a inspiração que há muito estava ofuscada pelas demandas do quotidiano e só no final, quando tivéssemos recuperado a nossa vitalidade, devolveríamos o nosso tempo e conhecimento ao mundo. A ideia era fazer disso um processo cíclico, que se repetiria várias vezes ao longo dos seis meses do nosso gap year.

Já tínhamos explorado a Tailândia, de norte a sul durante um mês e meio. Foi a nossa primeira experiência de adaptação cultural na Ásia. Foi um processo difícil, visto que conhecemos o país num prisma menos turístico, mais local, e começámos a aprender a viver longe dos nossos costumes e confortos. No fim deste percurso, foi uma difícil despedida. Queríamos ficar ali para sempre.

No Vietname, a experiência foi impactante. Sentimos o reflexo da guerra na cultura e o resultado de uma exploração turística. O distanciamento das conexões humanas mais íntimas e a implementação de uma mentalidade coletiva de lucro e capitalização de tudo aquilo que o turista toca. Chegámos a ponderar encerrar a nossa estadia no território ainda na fase inicial de adaptação.

Felizmente, decidimos ser teimosos e optámos por dar uma oportunidade — e foi aqui que encontrámos uma realidade à parte do mundo que conhecemos.

Um lugar fora do tempo: eis a aldeia vietnamita que nos transformou
Um lugar fora do tempo: eis a aldeia vietnamita que nos transformou créditos: Go with the slow

Fomos parar a Thai Hai, na província de Thai Nguyen, uma vila de preservação étnica e ambiental. Ali aprendemos a viver com os outros e para os outros. Quando decidimos fazer work exchange nesta aldeia ecológica no Vietname, sabíamos que seria uma experiência diferente.

Chegámos a Thai Hai sem saber bem o que esperar. Só sabíamos que queríamos viver com os locais, aprender sobre sustentabilidade e ajudar a comunidade. Aos poucos, fomos entrando no ritmo da aldeia. Não havia pressa ali. Não havia ruído excessivo. Cada gesto tinha o seu tempo e razão para acontecer. Estavam mais alinhados com o nome do nosso projeto para este gap year, Go With The Slow, uma mistura de "Go with the flow" (seguir o fluxo) e "take it slow" (ir com calma; abrandar). Ali, nada era tão urgente que justificasse que existisse stress ou ansiedade sobre as coisas.

Ali, todos faziam parte. Cada tarefa era partilhada e executada com plenitude e carinho, desde a cozinha à recolha do lixo — o valor de cada pessoa não se media pelo que tinha, mas sim, pela forma como ofereciam a sua presença e o seu tempo.

Um lugar fora do tempo: eis a aldeia vietnamita que nos transformou
Um lugar fora do tempo: eis a aldeia vietnamita que nos transformou créditos: Go with the slow
Um lugar fora do tempo: eis a aldeia vietnamita que nos transformou
Um lugar fora do tempo: eis a aldeia vietnamita que nos transformou créditos: Go with the slow

E foi com isso que tentámos retribuir — com o nosso tempo, que foi dedicado a filmar conteúdos visuais e a brincar com as crianças da vila.

Pelo meio, o Júlio ficou doente. Nada de grave. Mas uma amigdalite que desenvolveu para uma otite. E a aldeia moveu-se à nossa volta para nos fazer sentir bem. Fizeram-nos uma bebida medicinal tradicional e uns chás de mel colhido no próprio dia. Recebemos massagens faciais para aliviar a tensão e o desconforto. E todo o processo que envolveu uma admissão de três dias num hospital.

Foi ali que aprendemos o que significa viver em comunidade. Não se trata só de partilhar as tarefas do dia a dia nem a comida à mesa. Trata-se de partilhar a vida.

Estarmos atentos uns aos outros. Dar sem pedir nada em troca. E perceber que às vezes recebemos sem pedir. Que nunca se está realmente sozinho quando se tem uma comunidade que protege os valores humanos e culturais. A vila protegia os valores da etnia Thai — não a ancestralidade genética ou social. Cuidar um do outro estava nos alicerces mais profundos e inabaláveis.

Um lugar fora do tempo: eis a aldeia vietnamita que nos transformou
Um lugar fora do tempo: eis a aldeia vietnamita que nos transformou créditos: Go with the slow

Hoje, quando pensamos em Thai, não nos lembramos dos dias difíceis em que o Júlio esteve doente. Lembramo-nos das mãos que nos seguraram e como nos fizeram sentir parte de uma comunidade tão longe de nossa casa que nem sabíamos que existia. Foi a primeira vez, depois de dois meses de viagem, que realmente nos sentimos em casa mesmo a 11.000km de Portugal. Sentimos aquele calor no peito quando percebemos como este espaço foi capaz de mudar, toda a nossa experiência no Vietname, mudar a nossa perspetiva de vida e de ter novamente esperança que o mundo possa voltar a ser um lugar onde a economia e o turismo vive em harmonia com os valores de preservação sociais e culturais, que transcendem fronteiras, etnias, classes e géneros.

Há lugares que parecem existir fora do tempo. Num mundo distante. Thai Hai é um deles. Fez-nos olhar para a vida com mais consciência e a olhar para os outros como uma extensão de nós próprios. Mostrou-nos uma outra forma de viver. Mais simples, mais humana e mais justa. É, sem sombra de dúvidas, uma forte razão para voltar ao Vietname.