
Um encontro inesperado com um hipopótamo na Namíbia foi uma das peripécias mais marcantes que já viveu em viagem. Natural de Oeiras, Ana Rita Jorge é uma amante da vida selvagem e da natureza, tentando sempre conciliar a observação de animais no seu habitat natural durante as suas aventuras pelo mundo. Em Portugal, elege como lugares preferidos o nosso único parque nacional e uma ilha açoriana. Fique a conhecer mais sobre a autora do projeto Episodes of a Trip.
Como/quando começou o “bichinho” das viagens?
Acredito que esta vontade imensa de viajar e de conhecer o mundo se prenda com o ambiente em que cresci. Lembro-me de ouvir histórias e ver fotografias de locais que os meus pais tinham visitado e de pensar: “Um dia, serei eu". Para além das viagens que faziam anualmente, os seus trabalhos também estavam amplamente relacionados com partidas e chegadas. O meu pai trabalhava embarcado e a minha mãe no aeroporto. Por isso, as conversas em torno de diferentes culturas e países tiveram sempre um lugar de destaque, em variadíssimos momentos e contextos. Aos 16 anos, fiz a minha primeira viagem para fora de Portugal – não contando com as idas a Espanha – e, desde então, não parei. Percebi, rapidamente, que, para mim, o viajar era muito mais do que querer ver o monumento X ou Y. Não se tratava de “colecionar” carimbos no passaporte ou de ir a algum destino “da moda”. Percebi que o que gostava mesmo era do desconhecido e das emoções que este provocava em mim. O desconhecido ajuda-me a expandir horizontes.
De que forma tenta inspirar os seus seguidores no Instagram?
A premissa, tanto da página do Instagram, como a do canal do Youtube, começou por ser, única e exclusivamente, a partilha de episódios em viagem, tentando demonstrar que todas as experiências são pessoais e únicas. Não são nem melhores nem piores do que as das restantes pessoas, são apenas diferentes.
Devemos ser viajantes conscientes
Mas, ao longo destes últimos tempos, tenho sentido a necessidade de ir além desta premissa. Viajar está cada vez mais fácil, simples e acessível, e isso acarreta uma enorme responsabilidade. Devemos ser viajantes conscientes, respeitando não só o espaço e o tempo de cada país, mas também o ambiente e os animais que se encontram ao seu redor. Parece algo simples e até mesmo básico, mas muitas vezes a falta de informação ou de sensibilidade conduzem a comportamentos nocivos. Se, com as minhas partilhas, conseguir colocar uma pessoa a questionar, então alcancei o meu objetivo, pois essa pessoa poderá, num futuro próximo, influenciar outra e por aí adiante. Afinal de contas, somos todos possíveis agentes de mudança.
Além de viajar, gosta muito de…
Gosto de fotografar, filmar e escrever, sobretudo, em contexto de viagem. Curiosamente, o interesse em filmar surgiu ainda antes do de fotografar e escrever. Recordo-me de fazer o meu primeiro vídeo, aquando da minha viagem à Guatemala, com uma amiga, em 2015. Na altura, não era um destino muito falado no meu círculo de amigos e, talvez por esse motivo, tanto a minha família, como outras pessoas mais próximas associavam este país a uma única palavra: perigo. Senti que as imagens de vídeo seriam uma ótima via para desmistificar aquela crença.
Percebi mais tarde que, à medida que o tempo vai passando, temos uma tendência natural para nos esquecermos de pequenos episódios e/ou detalhes daquilo que vamos vivenciando. Encontrei na escrita uma forma de eternizar não só os momentos, mas também as diferentes reflexões e emoções que vou tendo ao longo das viagens. Neste momento, esses textos, servem – grande parte das vezes – como base para a narrativa dos vídeos que edito e mais parte partilho no canal do Youtube.
Outra grande paixão é a de estar ao ar livre, no meio da natureza, de preferência a contemplar algum animal em estado selvagem. Sempre gostei de observar o comportamento de animais e, por isso, realizo algumas viagens cujo objetivo final é esse mesmo: a observação de vida selvagem. Noutras, tento conciliar a visita ao país com a probabilidade de avistar um determinado animal. A Índia é um ótimo exemplo, pois no meio das cidades caóticas e das festividades do Holi, tirei uns dias para visitar um parque nacional e observar o tigre-de-bengala. Já no Parque Nacional Torres del Paine, no Chile, queria muito fazer caminhadas, mas também tentar observar o puma.
Viagens mais marcantes e porquê?
Em jeito de cliché – e atenção que não há nada de errado com clichés –, poderia dizer que viajar permite-nos conhecer características e potencialidades intra e interpessoais que desconhecíamos ter e, por vezes, permite-nos desenvolver outras. Por este mesmo motivo, sinto que todas as viagens têm o seu lugar especial, pois todas, sem exceção, contribuem não só para as viagens vindouras, como para a nossa visão do agora – mundo. Mas, como tudo, existem viagens que nos proporcionam experiências e emoções mais fortes do que outras e, por esse motivo, destaco a Namíbia, o Uganda e a Ilha de Bornéu.
A Namíbia é um país com inúmeros ecossistemas, e as suas estradas de gravilha guiam-nos ao maior canyon de África, ao deserto mais antigo do mundo e a parques nacionais onde conseguimos avistar diferentes espécies de animais. Recordo esta viagem com nostalgia, pois, para além das paisagens deslumbrantes, foi a primeira vez que, juntamente com o meu marido, fizemos um safari sozinhos. A satisfação de termos conseguido observar os Big 5 – elefante, rinoceronte, búfalo, leão e leopardo – foi imensa!
O Uganda é uma verdadeira pérola de África. Foi aqui que conheci uma “África diferente”, onde a típica paisagem de savana africana é substituída pelas florestas tropicais. Um dos grandes propósitos desta viagem foi a de observar dois grandes primatas: chimpanzés e gorilas-das-montanhas. Foi um verdadeiro privilégio poder observar, por 60 minutos, estes primatas que partilham mais de 98% do seu ADN connosco.
Visitei, no ano passado, a Ilha de Bornéu, lado malaio, e foi uma verdadeira surpresa. Contemplámos diferentes ecossistemas e avistámos diversos animais. Para além de ter superado as minhas expetativas, nestes dois aspetos, não estava à espera de encontrar um povo tão caloroso e afável.
Destino que quer regressar e porquê?
De uma forma geral, não penso em repetir destinos para visitar exatamente os mesmos lugares. Não pela conhecida frase “não voltes onde foste feliz”, mas sim porque existem muitos lugares de interesse no mundo e, infelizmente, o tempo de férias é limitado. Já repeti uma ou outra cidade, mas porque não representou um grande esforço financeiro e foi por apenas dois ou três dias. Mas, se a ideia de repetir destinos for a de conhecer outros lugares ou ter outras experiências, aí faz-me todo o sentido. Como por exemplo, voltar à Tanzânia para tentar fazer a subida ao Kilimanjaro ou à Índia para conhecer a zona dos Himalaias.
Maior peripécia, susto ou experiência marcante que já passou em viagem?
Uma história passada em 2019 que hoje em dia ainda me deixa a suar das palmas das mãos: um encontro imediato com um hipopótamo. Este episódio foi passado na Namíbia, mais especificamente na zona do Rio Cubango. Enquanto programava a viagem, ainda em Portugal, achei que seria uma ótima ideia andar numa canoa tradicional para avistar hipopótamos. Só que assim que cheguei ao sítio, percebi que não era preciso meter-me dentro de uma canoa, pois conseguia vê-los e ouvi-los do deck do parque de campismo, onde iríamos pernoitar. Acabei por fazer a atividade meio contrariada, e a canoa passou, com sucesso, nas margens do rio cujos habitantes principais eram os crocodilos e hipopótamos. O meu coração bateu forte num ou outro momento, mas correu tudo bem.
Já de noite, estacionámos o carro de várias formas, até que encontrámos uma posição que nos pareceu adequada. Abrimos a tenda que se encontrava no topo do carro e, enquanto o meu marido foi à casa de banho, eu fiquei a trocar umas mensagens sobre um trágico acidente no Quénia que tinha envolvido um turista e um hipopótamo – irónico! Nessa altura, ouvi um passo lento e pesado. Ignorei. Até que o ouvi novamente e quando me volto a minha lanterna vermelha refletiu em dois olhos mínimos: hipopótamo! Tinha um hipopótamo a poucos metros de distância. Meti-me de imediato no carro e pensei numa série de situações, cujo desfecho era, maioritariamente, dramático. Foi nessa altura que me lembrei que o meu marido tinha ido à casa de banho. Felizmente, no meio de tantas formas de estacionarmos o carro, acabámos por deixá-lo numa posição favorável perante esta situação. Assim que vi uma lanterna a vir em direção ao carro, abri a porta do lado contrário e “gritei baixinho” para que corresse. Passei a noite toda com vontade de ir à casa de banho, enquanto o hipopótamo passou a noite toda a comer a relva à volta do nosso carro.
No dia seguinte, os funcionários do parque de campismo viram o meu e-mail e as nossas chamadas telefónicas e, de forma muito simpática, para nos compensarem pelo susto que tínhamos apanhado, ofereceram-nos uma noite numa cabana de palha. Só que esta cabana ficava exatamente ao lado do sítio onde os hipopótamos tinham arranjado forma de subir para o parque de campismo. Os habitantes locais dizem que eu tive uma experiência de vida, já eu sinto que esta experiência me tirou anos de vida!
Dicas para mulheres que querem viajar a solo.
Talvez a primeira dica – e penso que a melhor de todas – seja relembrar que não devemos deixar que o medo tome conta ou comande a nossa vida. Por vezes, temos receio de viajar sozinhas porque nos sentimos constrangidas com aquilo que os outros possam pensar ou porque tememos pela nossa segurança, mas nesses momentos é importante não nos esquecermos de que é algo que queremos e que nos faz sentido.
Já viajei de diferentes formas. Com amigas, com os meus pais, em família, sozinha e, atualmente, viajo com o meu marido. Mas existem considerações que, enquanto viajantes, devemos sempre ter, independentemente de irmos a solo ou acompanhados. O facto de viajarmos informados e preparados para o destino que queremos conhecer é algo crucial, devemos ter especial atenção às seguintes situações: evitar caminhar à noite, em zonas pouco movimentadas e pouco iluminadas, especialmente dentro de grandes cidades; avisar alguém que nos seja próximo – como um familiar ou amigo – do sítio onde estamos; conseguir dizer “não” em situações que nos estejam a ser desconfortáveis; e algo a considerar, enquanto mulher que viaja sozinha, é a ingestão de qualquer substância que possa provocar alteração da consciência, como por exemplo o álcool.
Lugar preferido em Portugal.
Tenho dois lugares que me enchem o coração: o Parque Nacional da Peneda-Gerês, pela sua vegetação exuberante, serras e cascatas e a Ilha do Faial, pois, apesar de pequena, é uma ilha com inúmeros contrastes paisagísticos e uma energia de viajantes que pode ser sentida na marina da Horta.
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