Como/quando começou o “bichinho” das viagens?

É-me difícil especificar um momento, mas consigo identificar uma série de contextos e situações: o mapa-mundo que o meu tio João tinha na parede, com alfinetes espetados nos sítios que já visitara; os puzzles que fazia em casa da minha avó, com monumentos e paisagens que me faziam querer viajar; o facto de o meu bisavô ter sido governador da Índia Portuguesa e por isso haver sempre muitas memórias de Goa pela casa; a paixão que o meu pai tinha por motas e os passeios que fazíamos; os passeios com o meu avô ao Castelo dos Mouros e ao Cabo da Roca; os livros da Enid Blyton e as aventuras do Indiana Jones... são referências que contribuíram para uma mente curiosa, inquieta e praticamente insaciável, que é a base desse “bichinho”.

Além de viajar, gosta muito de…

Ler e escrever, ver filmes, ouvir música, comer, caminhar, fazer puzzles e fotografar – o que, no fundo, são tudo formas de viajar, projecções dessa minha curiosidade.

Quantos países já visitou?

À volta de setenta, não sei ao certo. Não é algo que esteja presente, ou que me condicione na hora de decidir para onde vou, quando ou quanto tempo. Já foi relevante, quando era mais novo e tinha uma fome incontrolável de mundo. Além disso, sempre gostei de números – e até cheguei a ter objectivos. Contudo, hoje em dia isso já não me diz nada, não me interessa somar países, mas sim vivências. Adoro voltar a lugares onde já fui, conhecê-los noutros contextos, aprofundar a minha experiência, ver mais do que só uma fotografia.

Não me interessa somar países, mas sim vivências

Por ser líder de viagens há mais de 10 anos, volto dezenas de vezes a alguns lugares, e isso permite-me fazer uma leitura continuada, aguçar o meu sentido crítico, analisar melhor as particularidades de certas culturas, tradições e dinâmicas. Por isso é que me “faz comichão” quando as pessoas tiram conclusões imediatas e transformam-nas em generalidades, que na maior parte das vezes já vão de encontro à ideia que a própria pessoa tinha formado através de guias e outros relatos – de encontro ao preconceito, portanto.

Para conhecer a sério, é preciso voltar. Estar disponível. Ver de vários ângulos. Sentir coisas diferentes.

Passei quase 3 anos da minha vida na Índia, por exemplo, em mais de uma dezena de viagens, já perdi a conta a quantas. Isso permite-me, mais do que conhecer “por alto” muitas coisas, conhecer bem só algumas. Ao mesmo tempo, também tenho muito mais noção do quanto não sei sobre a Índia. Aliás, uma conclusão a que cheguei nestes anos todos às voltas é que, quanto melhor conheço um país, mais me apercebo do que pouco sei dele. Um tanto ou quanto filosófico, eu sei, mas às vezes também dá para isto.

Viagens mais marcantes e porquê?

É-me difícil escolher só uma ou duas viagens, porque cada uma tem a sua história, o seu contacto, as suas consequências. Assim sendo, escolho meia dúzia, pode ser?

As aventuras de mota que fazia pelo país, com amigos, ainda adolescente. Nem sei como é que os nossos pais nos deixavam, deviam ficar com o coração nas mãos. Mas isso deu-nos um calibre incrível.

O meu primeiro interrail foi um abrir de olhos inesquecível, lembro-me de ter a sensação clara que o mapa da Europa tinha encolhido, e de ficar fascinado com a descoberta de que tantos sítios que antes me pareciam tão longínquos e até inóspitos, de repente serem familiares e acessíveis. Tanto assim foi que, durante alguns anos, só fazia interrails.

Só fui pela primeira vez à Ásia aos 25 anos, curiosamente. Foi à Tailândia – e essa viagem mudou em muito a forma de eu percepcionar o mundo, as pessoas e as interacções entre uns e outros.

Índia
Jorge Vasallo a celebra o Holy na Índia créditos: DR

A minha meia-volta ao mundo foi outro passo de gigante no meu percurso enquanto viajante. Pela primeira vez, aventurei-me sozinho e durante um longo período. Entre muitas outras experiências fascinantes, foi nesta viagem que pela primeira vez fui à Índia (finalmente, pois era um sonho antigo), e não tenho dúvidas que há um Jorge Vassallo Antes da Índia e outro Depois da Índia.

Em 2008 lancei-me numa aventura que foi, muito provavelmente, aquela que teve consequências mais marcantes na minha vida. Fui de bicicleta e com apenas 1000 euros, com o meu amigo Carlos Carneiro, até Dakar. Esta viagem era mais do que só isso: era um projecto pensado e com objectivos bem definidos: deu-nos uma projecção incrível, ganhámos prémios e até dinheiro, e daqui resultou o primeiro livro de ambos e, mais tarde, a incursão na Nomad como líderes de viagem.

Last but not least, a viagem de 5000km que fiz de vespa pela Índia. Não só porque foi mais uma passagem intensa e impressionante neste país que já conhecia bem, mas também porque resultou no meu terceiro livro, o “De Vespa na Índia”, que era também o primeiro como autor independente, já desvinculado da editora. A sua concepção e publicação foi, por si só, outra viagem.

Destino que quer regressar e porquê?

Índia! Índia! Índia! Sempre a Índia, eu sei. Mas é um lugar que já me corre nas veias, que é tema de dois dos meus livros e pelo menos de mais um, que estou neste momento a escrever. Foi da Índia que tive de “dar de frosques”, em Março, quando “rebentou” o tsunami COVID.

Mas também quero muito voltar ao Myanmar, pois tenho um carinho especial pelo país, tenho lá amigos e continuo a levar grupos, mas sem agência. E vou voltar rapidamente às Filipinas, onde estive um mês no início deste ano, e que é o meu novo “crush” geográfico.

Próximos destinos e expectativas. Tendo em conta a atual conjuntura, como acha que vão ser as viagens pós-COVID-19?

Nesta fase, acho que estou a viver, a vários níveis, uma fase só-sei-que-nada-sei. Mas como diz o hashtag, vamos ficar todos bem – e eu sou um optimista, por isso acredito mesmo que vamos voltar a viajar em breve.

Nem me passa pela cabeça não viajar

Numa primeira fase, vou apostar em Portugal. O país merece, e temos essa responsabilidade, enquanto viajantes. Estimular o turismo caseiro, explorar recantos ainda desconhecidos, rever lugares que já conheço... Felizmente, até conheço relativamente bem o país, mas há muito para ver, Portugal tem uma variedade incrível de paisagens e detalhes.

Claro que também quero voltar à Ásia, levar uns grupos aqui-e-ali, e há tanto mundo ainda para conhecer. Desde o meu tradicional top 5 dos sítios onde quero ir, a festivais e todo um leque de experiências incríveis.

Os voos vão ficar mais caros, provavelmente. As low cost vão ter dificuldades e alguns países vão deixar de facilitar nos vistos. Vamos ter que nos adaptar a uma série de dinâmicas. Mas vai haver uma necessidade geral de estimular o turismo, também, porque muitos países vivem disso.

Nem me passa pela cabeça não viajar.

Dica de viagem mais valiosa que pode dar

Há 3 grandes inimigos de quem viaja, aos quais chamo “Os 3 Pês”, e que normalmente aconselho os viajantes a reduzir ao mínimo indispensável:

  • Peso
  • Pressa
  • Preconceito

Quanto mais levarmos de cada um, menos estaremos disponíveis para aprender, absorver, viver, experimentar.

Lugar preferido em Portugal

Mais uma vez, é difícil dizer só um. Felizmente, vivemos num país que, apesar de pequeno em território, é enorme na diversidade de paisagens e património! Ainda por cima, come-se bem. E onde se come bem, viaja-se bem.

Sintra, de onde sou, é sem dúvida um dos meus lugares preferidos. Da serra e dos palácios ao Cabo da Roca e às Azenhas do Mar... conheço esta zona como a palma da minha mão. Depois há Vila Viçosa, a Costa Vicentina, as aldeias históricas, a Costa Nova, Guimarães, o Gerês... e os Açores, que é o meu não-lugar preferido, aquele onde eu já devia ter ido mil vezes e nunca fui, por mais incrível que pareça.

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