São Gonçalo: o santo que cura verrugas e encontra maridos
Se junho é o mês dos Santos Populares por excelência, em Amarante é São Gonçalo quem inaugura as festividades. Todos os anos, no primeiro fim de semana deste mês, celebra-se "O Junho", uma festa popular onde se mistura a religião com tradição.
Tal como Santo António, São Gonçalo é considerado um santo casamenteiro, no entanto, conta com uma nuance peculiar: enquanto o primeiro ajuda as jovens a dar o nó, o segundo dedica-se a encontrar marido para as mais velhas.
Para além de casamenteiro, São Gonçalo é venerado como curandeiro de cravos (verrugas). Desde o século XVI, romeiros de todo o país deslocavam-se até Amarante para oferecer cravos vermelhos ao santo, na esperança de verem desaparecer as verrugas. Ainda hoje, durante o desfile dos romeiros, as cestas com cravos vermelhos recordam esta tradição.
Acredita-se que São Gonçalo tenha nascido em Tagilde por volta de 1200 e falecido em Amarante em 1262. Para a igreja católica, São Gonçalo é beato, facto que pode explicar o motivo pelo qual o arraial organizado em sua honra não é reconhecido no país como o primeiro do mês dos Santos Populares.
A ponte, a igreja e a memória da resistência
A Igreja de São Gonçalo, junto à ponte homónima, é um dos grandes ex-líbris de Amarante. Para além da imponência do edifício e do túmulo do beato, há ali também um ritual curioso: as mulheres solteiras podem puxar três vezes a corda que se encontra no braço esquerdo da estátua do padroeiro desta cidade — dizem que aumenta as hipóteses de se casarem.
A fachada deste templo preserva ainda marcas de balas de canhão e mosquete disparadas durante as Invasões Francesas em 1809. As marcas recordam um episódio que ficou conhecido como a "defesa heroica da ponte" e a resistência da população amarantina que, com valentia, conseguiu impedir as tropas francesas de atravessar a ponte medieval. Descubra mais aqui.
Amarante é igualmente uma das paragens do Caminho de Santiago, mais precisamente da rota conhecida como Caminho de Torres. Pela entrada lateral da igreja passam peregrinos que, ao entrarem, se deparam de imediato com a imagem de Santiago Apóstolo.
Doces ousados e devoção popular
Nenhuma visita a Amarante fica completa sem se provar a doçaria tradicional — e aqui a fronteira entre o sagrado e o profano volta a esbater-se. Os famosos quinhõezinhos de São Gonçalo, que têm forma fálica e origem conventual, têm origem pagã mas, atualmente, são dedicados ao beato numa celebração da fertilidade com humor à mistura.
A Confeitaria da Ponte, a mais antiga da cidade, é o lugar certo para conhecer os "cinco magníficos" da doçaria local: brisas do Tâmega, papos de anjo, foguetes, galhofas e São Gonçalinhos. E sim, também lá encontra os marotos quinhõezinhos. Pode ficar a saber mais aqui.
Amadeo de Souza-Cardoso e a arte que se serve à mesa
Amarante é berço de um dos maiores nomes da arte moderna portuguesa: Amadeo de Souza-Cardoso. O Museu Municipal, que leva o seu nome, encontra-se temporariamente encerrado para obras de requalificação até 30 de agosto, mas vale a pena visitar a loja do museu e o posto de turismo que permanecem abertos na Alameda Teixeira de Pascoaes.
Enquanto isso, a arte do pintor continua a ser celebrada de outras formas. No charmoso restaurante Pena, a jornada internacional do pintor ganha forma à mesa com um menu de degustação com seis momentos, servido em loiça da coleção exclusiva da Vista Alegre inspirada na sua obra "Paisagem". Esta é sem dúvida uma experiência que cruza arte, gastronomia e território com assinatura contemporânea, podendo ser complementada com um workshop de pintura.
História com traço contemporâneo
Símbolo da resistência contra as tropas francesas, o Solar dos Magalhães é hoje um lugar que conta a história e preserva a identidade da cidade. Requalificado pelo arquiteto Álvaro Siza Vieira, o edifício do Museu da Identidade e Memória de Amarante (MIMAR) cruza presente e passado, valendo, por isso, uma visita.
Outro lugar com história a visitar, é o Cine-Teatro. Inaugurado em 1947 como sala de cinema, ficou ao abando nas últimas décadas do século XX até ter sido adquirido, no ano 2000, pela Câmara Municipal local com o fim de "o devolver à cidade e recuperar como equipamento cultural", conforme explicado no site oficial desta autarquia.
Reaberto após obras iniciadas em 2019, o espaço conta atualmente com uma sala de espetáculos, livraria, vinoteca e bar com vista para o Tâmega.
Trilhos entre pedras e paisagens de cartão-postal
A natureza é outro dos grandes trunfos de Amarante e existem trilhos interessantes como o das Azenhas, concebido pelo arquiteto paisagista Sidónio Pardal e que começa no coração da cidade, para poder desfrutar deste tesouro. Se se aventurar por este percurso e se o caudal permitir do rio permitir, não deixe de o atravessar a saltitar de pedra em pedra à moda de "Tom Sawyer" ou da "Ana dos Cabelos Ruivos". Recordam-se?
O melhor souvenir? A filosofia da cidade
O que não falta são lembranças originais para levar de Amarante, contudo, atrevemo-nos a dizer que a melhor talvez seja este dizer:
"Aqui, é preciso dar-se bem com Deus e com o Diabo"
Parece exagero? Quiçá, porém, algo é certo: não são muitos os lugares onde o sagrado e o profano, a tradição e a modernidade, o natural e o cultural convivem com tanta graça e equilíbrio como nesta cidade à beira-Tâmega.
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