Bilhete-postal enviado por Maria Celeste Leitão

Revelou-se uma verdadeira aventura desde o momento do embarque no avião em Lisboa até ao nosso regresso. Foram tantas as peripécias… o programa que comprámos teve pouco a ver com o programa em que fomos inseridos, por ter havido mudança de datas (o avião não saiu no dia programado porque de repente surgiu um nevoeiro cerrado), de voos, de percursos. Fomos incluídos no programa de um grupo de alemães, o que se revelou surpreendente, pela positiva, e nos levou a visitar sítios que de outro modo ficariam desconhecidos para nós.

O que se segue é o relato de uma das nossas muitas aventuras.

O barco saiu do Assuão, fez o percurso habitual pelo Nilo, parou em Luxor (onde normalmente terminava a viagem de cruzeiro) e continuou, deslizando suavemente, para Qena onde ficou acostado para passarmos aí a noite.

O grupo de Portugueses (nós dois e um casal com a filha de 18 anos) decidiu sair para visitar a cidade que se via da margem, antes do jantar. Fomos avisados que o dia estava a findar e seria pouco recomendável andar por nossa conta naquela terra. Mas achámos que alugando uma charrete (havia um par delas junto à margem), e regressando ainda de dia, não haveria problema. E lá fomos, alegres e orgulhosos da nossa coragem, pois fomos os únicos a sair.

Quem conduzia a charrete era um jovem egípcio que falava inglês e que logo se prontificou a acompanhar-nos numa visita à mesquita da vila, com todo o prazer.

Ao chegar à cidade havia uma multidão de gente nas ruas poeirentas, cheias de banquetas com produtos hortícolas ou carne, tudo exposto, tudo cheio de moscas, numa alegre confusão de cheiros e cores e burburinho de vozes e fumo.

Vimos muita gente a olhar para nós com ar surpreendido e nós começamos a sentirmo-nos desconfortáveis.

Parámos junto à mesquita. Tirámos os sapatos e deixámo-los junto a tantos outros, à porta. Todos pensámos que quando regressássemos não estariam lá, de certeza. Ficámos junto à porta da entrada, do lado de dentro, e percebemos que deveria estar a decorrer uma cerimónia.

O guia estava a falar baixinho com alguém mas nós rapidamente percebemos que algo não estava bem. E não estava, porque surgiu um homem, com ar superior e furioso, direito a nós a apontar para a porta da rua e concluímos que não deveríamos ter entrado naquelas circunstâncias. Preocupados, procurámos os nossos sapatos, que não tinham desaparecido, e o guia levou-nos logo para a charrete, com ar apreensivo, levando-nos de volta ao barco.

O sol estava a pôr-se e o ar estava sereno, e nós a respirar fundo e a usufruir da paisagem inóspita. De repente, ainda distante do cais, surgiram, dos arbustos, dois homens que ficaram parados no meio da estrada. O nosso guia parecia assustado e disse-nos que não podia seguir em frente, que tínhamos de descer e ir a pé para o barco. Nós dissemos que não, que tínhamos pago a viagem de ida e volta e que ele tinha mesmo de nos levar. A mão do meu marido segurava a minha com força e transpirava. O meu coração galopava. Só pensava que não havia de ser nada, que tudo correria bem. Afinal nós éramos 3 homens e 3 mulheres…

Não sei o que aconteceu, se houve troca de olhares entre o condutor e os aparentes “salteadores”, ou o que quer pudesse ter sido, mas continuámos, em modo acelerado, e os desconhecidos desviaram-se do meio da estrada e nós passámos sem para eles olhar…

Os últimos metros a pé até ao barco foram os mais longos da minha vida e eu tive a sensação nítida que um anjo teria estado a proteger-nos nas “longas” horas do curto percurso.