Bilhete-postal por Pedro Neves

Lisboa ainda tem surpresas para quem procura sinais da Natureza no meio da cidade.

O jardim Bordallo Pinheiro, integrado no Palácio Pimenta, é uma delas. Conhecido sobretudo pelos gigantes de cerâmica criados por Joana Vasconcelos, é também o mais colorido e bonito roseiral aberto ao público na capital.

Perante as esculturas inspiradas no imaginário de Bordalo Pinheiro (uma vespa do tamanho de uma pessoa ou um caracol tão grande como um gato a escalar a parede), é fácil perder um bocadinho de vista as rosas de várias tonalidades que ali aproveitam o calor estival para desabrochar.

Um roseiral deste tamanho, entre o bulício incessante da Segunda Circular e o vaivém de aviões por cima, é uma singularidade que merece destaque numa cidade onde o funcionalismo em betão, o vandalismo e a poluição tendem a circunscrever a beleza tímida e frágil das flores a pequenas bolsas de Natureza.

Não tenho dados para avaliar a escassez lisboeta de flores, mas a minha experiência a visitar outras cidades e vilas do país leva-me a crer que desistimos da ideia de naturalizar e engalanar os nossos espaços públicos. Basta pensar na suntuosidade florida do Jardim de Santa Bárbara, em Braga, ou nas petúnias de Vila Praia de Âncora (em 2023, visíveis até do espaço!), para só dar dois exemplos do que estamos a perder.

As rosas do Jardim Bordallo Pinheiro, em Lisboa
As rosas do Jardim Bordallo Pinheiro, em Lisboa O jardim pode ser visitado gratuitamente durante o horário de funcionamento do Museu da Cidade créditos: Pedro Neves

Entre todos os desafios que afetam a vida na cidade, é tentador minimizar a ausência de flores, mas ela pode ser reflexo da chamada "cegueira das plantas", com consequências na qualidade de vida. Os jardins comunitários (como o encantador Jardim das Marias, em Benfica), a defesa apaixonada dos jacarandás (que evitou abates desnecessários de árvores centenárias) e as floreiras anónimas que vão surgindo aqui e acolá, mostram que há cada vez mais gente a tentar contrariar esta noção de que o lugar da Natureza, seja ela do tamanho de uma flor ou de uma árvore, já não é entre nós.

Não sendo propriamente a imagem acabada de um oásis de paz e sossego, ali encaixado entre uma via rápida e um aeroporto, o roseiral entre os muros do Palácio Pimenta (não é preciso bilhete para passear pelos seus jardins) é um pequeno consolo a quem sente a falta das flores na cidade. Vale a pena apreciá-lo.