Das selfies em comboios a saltos de lanchas em andamento, as tendências virais nas redes sociais estão a pôr em risco viajantes e comunidades locais. Entre mortes acidentais, intrusões culturais e danos ambientais, o turismo digital tornou-se, por vezes, um perigo real.

Quando uma selfie se transforma em tragédia

Em várias partes do mundo, apenas os smartphones permanecem como testemunhas de tragédias evitáveis. Desde o famoso comboio nas montanhas do Sri Lanka até precipícios em Espanha ou Itália, muitos viajantes arriscam a vida por uma fotografia impactante.

As redes sociais abriram novas portas para descobrir destinos exóticos e poupar tempo nos preparativos. No entanto, a obsessão pelos likes está a custar caro: à segurança dos viajantes, à paz das comunidades locais e até à integridade de ecossistemas frágeis.

Segundo a Fundação iO, entre 2008 e 2021, mais de 300 pessoas perderam a vida em acidentes ligados a comportamentos perigosos promovidos online durante viagens.

O caso de Ella, no Sri Lanka — e outros exemplos fatais

Em 2019, uma imagem de um casal português suspenso do lado de fora de um comboio que atravessava uma ponte em Ella, no Sri Lanka, tornou-se viral. Ambos afirmaram que o comboio circulava lentamente, mas a mesma linha ferroviária já foi palco de várias mortes, como a de uma turista russa que caiu ao tentar tirar uma selfie, em fevereiro de 2025.

Situações semelhantes aconteceram um pouco por todo o mundo: em 2015, um turista alemão caiu de um penhasco na região de Ligúria, Itália, e em São Paulo, Brasil, um jovem de 27 anos perdeu a vida após uma queda do topo de um escarpado miradouro em Bertioga.

Turismo de guerra: a nova fronteira da imprudência

Em plena era de conflitos armados — como os da Ucrânia ou do Médio Oriente — surgiu a tendência do #WarTourism, em que alguns viajantes procuram adrenalina e notoriedade em zonas de guerra. Para além do risco evidente de morte, estas viagens são frequentemente excluídas das coberturas de seguros, deixando os turistas desprotegidos em contextos altamente instáveis.

Saltar de lanchas a alta velocidade: o desafio mortal do momento

Nas redes sociais, sobretudo no TikTok, ganhou força o perigoso #BoatJumpingChallenge, que incentiva os utilizadores a saltar para o mar a partir de lanchas em movimento. Em julho passado, quatro pessoas morreram nos EUA enquanto participavam neste desafio na véspera do feriado do 4 de julho.

A bordo dos aviões: truques virais que comprometem a saúde

Outras modas preocupantes nasceram a bordo de aviões. Uma delas, o #SeatbeltSleepHack, sugere prender o cinto de segurança aos tornozelos para dormir com os pés apoiados no banco, sendo um hábito que aumenta o risco de trombose venosa profunda, devido à má circulação sanguínea, em ambientes pressurizados como o dos aviões.

Já o #Rawdogging defende voos longos sem comer nem beber para reduzir os efeitos do jet lag. No entanto, esta prática pode causar desidratação severa e exaustão, comprometendo a saúde do passageiro.

O impacto invisível: comunidades e cultura local em risco

A ânsia de capturar a imagem perfeita leva muitos turistas a ignorar o contexto cultural dos lugares que visitam. Em San Juan Chamula, um vilarejo indígena no México, uma mulher da etnia tzotzil fugiu de um fotógrafo que a segurava para tirar uma foto sem o seu consentimento. Para aquela comunidade, as imagens podem roubar parte da alma, um exemplo de como o desrespeito cultural se banaliza em nome do conteúdo.

Em locais humildes e pouco habituados ao turismo, este comportamento representa uma forma de intrusão que fere a dignidade das populações locais.

Partilhar localizações: o efeito colateral do overtourism

Divulgar a localização exata de um sítio bonito nas redes pode parecer inofensivo, mas muitas vezes contribui para a degradação de lugares antes tranquilos. Um exemplo é a colorida Rue Crémieux, em Paris, onde os moradores foram obrigados a instalar barreiras para afastar o fluxo constante de instagrammers. Em Alicante, no bairro de Santa Cruz, até ir comprar pão se tornou um desafio, com os vizinhos a aparecer em dezenas de selfies por dia.

Rue Crémieux, em Paris
Rue Crémieux, em Paris Rue Crémieux, em Paris créditos: By Patrick Nouhailler's | CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=54803609

Viajar com consciência: o papel do viajante no mundo digital

O turismo responsável exige mais do que boas intenções. Significa pensar antes de agir, questionar antes de partilhar, e respeitar antes de fotografar. As redes sociais não devem ditar os nossos comportamentos, sobretudo quando o preço pode ser a vida de alguém, a privacidade de uma comunidade ou a sustentabilidade de um ecossistema.

A viagem perfeita não está na fotografia que partilhamos. Está na experiência autêntica que vivemos.