
Reportagem por Rusmir Smajilhodzic / AFP
O Museu Nacional da Bósnia, onde está em exposição, decidiu doar à população de Gaza o dinheiro arrecadado com as visitas e as vendas de um livro relacionado à Haggadah de Saraievo, uma das joias do judaísmo medieval.
O objetivo, como explicaram, é "apoiar o povo da Palestina, que sofre o terror sistemático, calculado e a sangue frio do Estado de Israel".
A iniciativa foi duramente criticada por organizações judaicas locais e internacionais; algumas acusaram o museu de antissemitismo.
O diretor da instituição, Mirsad Sijaric, defende a decisão e afirma que a medida também recebeu apoio entre judeus da diáspora. "Tomamos partido? Sim, tomamos", disse Sijaric à AFP.
O diretor insiste que a medida "não vai de forma alguma contra" o povo judeu, mas é uma mensagem de indignação diante das consequências da ofensiva israelita em Gaza, desencadeada em resposta aos ataques do movimento Hamas a 7 de outubro de 2023.
"Fingir neutralidade significa alinhar-se com o mal. Na minha opinião, isso não está certo e devemos opor-nos", explica.
A Haggadah de Saraievo foi escrita à mão num pergaminho, iluminada com ouro e cobre e enriquecida com ricas ilustrações de cores vívidas.
O texto hebraico aborda temas bíblicos como a história da Criação, a história de Caim e Abel e o êxodo dos judeus do Egito.
A história do documento não é menos surpreendente. Escrito por volta de 1350 na Catalunha, deixou Espanha com a expulsão dos judeus decretada pelos Reis Católicos. Depois de passar pela Itália, chegou à Bósnia, então parte do Império Otomano, e reapareceu publicamente no final do século XIX, quando uma família de Saraievo o vendeu ao museu.
Desde então, sobreviveu à ocupação nazi dos Balcãs e à guerra da década de 1990, quando Saraievo foi cercada por um longo período pelas forças sérvias.

Esta versão da Haggadah — um texto religioso lido durante o feriado da Páscoa judaica — está exposta em uma sala especialmente projetada, financiada pela França, e tornou-se um símbolo da diversidade de Saraievo, que tem maioria muçulmana e quase mil moradores judeus.
Jakob Finci, presidente da comunidade judaica da Bósnia, considera a ideia de doar o dinheiro arrecadado para Gaza "estranha" e "um pouco ofensiva".
"Isso prejudica a reputação da cidade e a reputação da Haggadah de Saraievo, que por tantos anos testemunhou o caráter multiétnico de Saraievo e a nossa vida em comum", diz Finci. "Tenho visto muitas críticas, mas nenhum elogio", acrescenta.
"Acho que é uma forma de apoiar os palestinianos em Gaza", opina a egiptóloga italiana Silvia Einaudi após ver o manuscrito, que atraiu mais visitantes desde a criação da sala especial em 2018.
A nível internacional, várias organizações judaicas criticaram o museu bósnio, entre elas a Liga Antidifamação, que chamou a medida de "politização" do que é um símbolo de "sobrevivência e convivência".
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