Reportagem por João Pimenta

Situado no extremo sul da China, paralelo ao norte do Vietname, a ilha de Hainan oferece clima tropical, praias de areia branca, marisqueiras à beira-mar e isenção de visto para cidadãos oriundos de 59 países.

A China planeia converter o território, que tem cerca de um terço da dimensão de Portugal continental, numa zona franca, com um sistema aduaneiro separado do continente chinês.

Alguns sinais de Pequim revelam um paradoxo: a China adotou isenção de vistos para visitantes de vários países e simplificou o processo para outros, mas o Ministério de Segurança do Estado chinês apela repetidamente a "toda a sociedade" para detetar e combater espiões estrangeiros, criando um ambiente de suspeição.

Mensagens de telemóvel enviadas aos residentes pelo governo alertam frequentemente para a necessidade de “proteger segredos de Estado”, “proteger a segurança do Partido [Comunista]” ou “construir em conjunto uma fortaleza que salvaguarde a segurança nacional”.

“Vários locais perguntaram-me se sou um espião”, contou Danny Parrott, um britânico que viveu na China quase uma década e que visitou recentemente o país após um hiato de três anos provocado pela pandemia. “Não sentia isto antes”, disse à Lusa.

A ilha alberga já os maiores centros comerciais do mundo para compras ‘duty free' e permite acesso a produtos médicos que não foram aprovados no resto do país.

“Os nossos cuidados médicos estão sincronizados com os reguladores internacionais”, explicou Chen Tiejun, diretor do Gabinete de Turismo e Cultura de Hainan, à agência Lusa.

Hainan investiu fortemente em infraestruturas, incluindo novos aeroportos e uma linha ferroviária de alta velocidade que dá a volta à ilha em três horas, atravessando 650 quilómetros preenchidos por campos de manga, café e arroz, montanhas, rios e aldeias típicas.

Mas estes argumentos não parecem suficientes para cumprir o objetivo delineado pelo Presidente chinês, Xi Jinping, durante uma visita à ilha, em 2013, quando instou os locais a aproveitarem as "montanhas verdes, águas límpidas, mares e céus azuis" para construir "uma ilha de turismo internacional".

“É preciso tempo para que a perceção sobre a China melhore e os amigos estrangeiros considerem a possibilidade de vir para cá”, explicou Jin Zhou, relações públicas do Atlantis Sanya, um mega resort integrado situado na cidade balnear de Sanya, sul de Hainan, em que o número de hóspedes estrangeiros está atualmente entre 3% e 5 % da sua clientela.

É uma realidade comum ao resto do país: dados oficiais indicam que o número de estrangeiros que visitam atualmente a China se mantém em cerca de 30% dos níveis de 2019, o último ano antes da pandemia.

Um inquérito realizado, em 2023, pelo Centro de Investigação Pew apurou que "a maioria da população nos países ocidentais tem opiniões desfavoráveis em relação à China”.

“O controlo mais apertado do Governo chinês sobre a sociedade pode potencialmente causar desconforto aos viajantes estrangeiros”, lê-se no inquérito.

Os Estados Unidos ou Austrália advertem os seus cidadãos para "reconsiderarem viagens à China continental devido à aplicação arbitrária das leis locais, nomeadamente no que se refere às proibições de saída, e ao risco de detenções injustificadas". Em particular, as autoridades avisam para o “risco de detenção arbitrária ou de aplicação severa das leis locais, incluindo leis de segurança nacional definidas em sentido lato".

Outro paradoxo reside no ecossistema digital chinês: o comércio eletrónico, serviços de logística ou rede de transportes públicos da China estão entre os mais desenvolvidos do planeta, mas uma barreira conhecida como 'Grande Firewall da China' - um trocadilho com a Grande Muralha, o principal ex-líbris do país – limita a sua utilização para não residentes.

Pagamentos com VISA ou Google Pay raramente estão disponíveis no país. Redes sociais, incluindo Instagram e Facebook ou o serviço de navegação Google Maps são inacessíveis.

“As pessoas quando viajam não querem estar constantemente preocupadas se o cartão VISA vai ser aceite ou não ou ficar sem acesso a motores de busca e redes sociais”, descreveu Stefan, um alemão que viajou recentemente pela Ásia.

“A China é o único país onde é preciso descarregar uma série de aplicações, que podem ou não ter versão em inglês ou funcionar ou não para estrangeiros, mas que são imprescindíveis para coisas tão simples como comprar uma bebida”, explicou também um turista norte-americano.

“Para a pessoa comum, que deseja passar duas semanas de férias tranquilo, não vale a pena, quando se pode experienciar a Ásia no Japão, Coreia do Sul, Tailândia ou Vietname”, observou.