Temos estado a descobrir o mundo à boleia das histórias que nos chegam, como as do mundo confinado e de tantas outras que nos mostram que há hábitos e características culturais que não se perdem, apenas se transformam em tempos de pandemia e permitem que cada nação viva esta fase de forma única sem perder a sua identidade. Veja alguns exemplos.

Argentina: carne para compensar o isolamento

Os argentinos sempre foram um dos maiores consumidores de carne do mundo, contudo, nos últimos tempos e devido à crise económica, o consumo de carne vermelha foi diminuindo tendo aumentado com o início da quarentena. Sim, os argentinos podiam ter de ficar “escondidos” em casa mas não podiam perder a sua identidade e aquilo que também os define no mundo.

Austrália: primeiro eu e os meus

Não podíamos seguir sem falar daquele estranho fenómeno que se assistiu um pouco por todo o mundo: a corrida ao papel higiénico - e podemos “culpar” os australianos por quase termos ficado sem papel higiénico nas primeiras semanas do Estado de Emergência. É que as notícias, imagens e memes que circularam nas redes sociais por causa desta "loucura" na Austrália fizeram com que meio mundo fosse atrás do papel higiénico nos supermercados com medo de ficar sem.

Mas o que é que a corrida ao papel higiénico nos diz sobre os australianos?  Diz-nos que têm tendência para o individualismo. A verdade é que a sociedade australiana é considerada uma das mais individualistas do mundo, o que significa que cada indivíduo olha mais por si e pela sua família do que para o conjunto.

Bondi Beach
Australiano celebra a reabertura da famosa praia de Bondi em Sydney créditos: Saeed KHAN / AFP

De acordo com Paul Harrison, que estuda o comportamento humano na Universidade Deakin, em entrevista ao site australiano News, os australianos acreditam que resolvem os problemas ao comprarem coisas, tal como em outras sociedades capitalistas. Assim, numa situação de pânico, recorreram ao papel higiénico para compensar a sensação de falta de controlo perante a ameaça da COVID-19. O medo de perder o controlo e o sentimento de que estão por contra própria, motivado pela falta de crença no Governo e outras instituições, terão sido a quantidade certa de pólvora para dar-se o tiro de partida para a corrida ao papel higiénico, segundo Harrison.

No entanto, não podemos deixar de destacar o projeto "Adopt a Backpacker", que mostrou o lado solidário do povo australiano. Numa altura em que muitos viajantes ficaram presos no país e sem lugar onde ficar foram acolhidos por famílias australianas.

Coreia do Sul: primeiro nós, depois eu, mas sempre “ppalli, ppalli

O teletrabalho, os testes em massa e as restrições de viagem são algumas das medidas mais evidentes que ajudaram a conter o vírus na Coreia do Sul. Mas o site The Culture Trip chama-nos a atenção para um fator menos óbvio que ajudou a impedir a propagação do coronavírus: a cultura coletivista do país, que tem origem nos valores confucionistas milenares.

A influência da filosofia confucionista faz com que os sul-coreanos confiem no Governo e valorizem mais o coletivo do que os direitos individuais. Há um forte sentimento de união na Coreia do Sul que faz com que estejam todos juntos nisto.

A forma como combatem o novo coronavírus também evidenciou a mentalidade “ppalli, ppalli” dos sul-coreanos (são impacientes e querem tudo “para ontem”) e a vontade de adotar soluções tecnológicas.

Coreia do Sul: primeiro nós, depois eu
Regresso às aulas em Seul créditos: AFP

Espanha: tapear para ser feliz

As tapas são parte da cultura espanhola e do dia-a-dia dos espanhóis, tanto que, mesmo em isolamento, os espanhóis não deixaram morrer a tradição. Depois da quarentena ter começado em Espanha, os supermercados passaram a vender mais cerveja, batatas fritas, azeitonas e outros snacks.

Como podiam viver os espanhóis sem as suas tapas? “Em situações extremas, o que o corpo e a mente acabam por pedir são as coisas que nos fazem felizes”, explica a revista espanhola Woman a propósito deste tema. “As tapas são das nossas preferidas. Fazem parte do nosso ADN. São uma verdadeira marca de Espanha”, conclui.

Estados Unidos: armados em tempos de pandemia

Quem é que, à primeira, não achou estranha a corrida ao papel higiénico (é que não é um produto essencial à sobrevivência)? E o que é que pensa de uma corrida às armas em tempos de coronavírus? Aconteceu nos Estados Unidos da América.

Talvez não seja a primeira coisa que se lembre caso o Governo anuncie que o país vai ter de entrar em quarentena, mas, de acordo com o português José da Veiga, emigrado em Los Angeles há 22 anos, é desta forma que os norte-americanos reagem “sempre que acontece alguma coisa”. Em entrevista à Lusa, Veiga considera que a subida de vendas de armas e munições nos Estados Unidos é “representativa” da mentalidade americana que não confia na proteção do Governo.

Metro de Nova Iorque
Metro de Nova Iorque créditos: Stephanie Keith/Getty Images/AFP

O facto é também explicado por Daniel Hill, um norte-americano de 29 anos, residente na Carolina do Norte. Ao The New York Times, Daniel explica que as pessoas acham que se algo muito mau e de grandes dimensões acontecer, o serviço de urgência, lá 911, pode falhar. “ Vimos isso com o furacão Katrina. As pessoas não se esqueceram que aconteceu um desastre e que o Governo não veio em seu auxílio”, desabafa. Já o blogue norte-americano, The Truth About Guns, considera que “o aumento de vendas” durante a pandemia “demonstra que as armas de fogo continuam a ser um item desejado e os norte-americanos a levam a sério como forma de segurança, especialmente em tempos incertos”.

Moçambique: o país da capulana

A capulana faz parte da cultura e da identidade de Moçambique, pois é utilizada em todas as fases da vida do moçambicano: para transportar os bebés, para decorar a casa ou para vestir. Estes são apenas alguns exemplos, pois há muitas possibilidades para este pano que, em tempos de pandemia, serve também para os moçambicanos fabricarem máscaras comunitárias.

Reino Unido: dos pubs para o ciberespaço

Os pubs podem estar fechados, mas há tradições que os britânicos fazem questão de manter como a dos quizzes sobre conhecimento inútil. É que os concursos de perguntas e respostas dizem muito à população do Reino Unido - foi aqui que nasceu o programa do “Quem  quer ser milionário”, por exemplo. Em tempos de COVID-19, esta velha tradição de fazer quizzes enquanto se bebe com os amigos passou para o ciberespaço.

Irlanda do Norte: nada como um "pint"

Como os pubs fazem parte do coração da sociedade britânica, em Belfast, Irlanda do Norte, os “pints” passaram a ir até à casa dos clientes, graças às carrinhas de Richard Keenan. Com o pub encerrado, The Hatfield House, Keenan teve a ideia de dividir a equipa em quatro carrinhas, equipadas com barris refrigerados e torneiras de cerveja. É que não se pode comparar o sabor da Guiness servida sob pressão, lentamente e em duas etapas com as de lata. Segundo Keenan, os clientes ficam felizes em poder reconectar-se, mesmo que por um instante, com algo semelhante a uma vida normal.

Suíça: respeito e gratidão sempre

Nem sempre nos lembramos, mas os suíços têm um forte sentido de ajuda humanitária e muito respeito pelo próximo. É neste país que se encontra a sede das Nações Unidas no continente europeu, em Genebra, que é considerada a capital humanitária do mundo e o berço do movimento da Cruz Vermelha.

Durante a quarentena, a Suíça utilizou a montanha de Matterhorn para passar uma mensagem  de esperança para o país e para o mundo, projetando bandeiras de diferentes países no topo da montanha de quase 4.500 metros, que se assemelha a uma enorme pirâmide e cuja silhueta está representada na embalagem do chocolate Toblerone.

Suíça
Os suíços têm um forte sentido de ajuda humanitária e muito respeito pelo próximo Twitter@zermatt_tourism

Na noite do dia 20 de abril, a bandeira portuguesa iluminou Matterhorn, pois na cidade mais próxima da montanha, Zermatt, existe uma grande comunidade de imigrantes portugueses. Foi a forma de Zermatt agradecer a estes imigrantes por continuarem na cidade apesar dos tempos difíceis e da distância com a família.

Islândia: abraçar árvores

A Islândia foi um dos países menos afetados pelo COVID-19. Com um número de testes recorde e uma população reduzida, a "terra do fogo e do gelo" nem sequer impôs uma quarentena obrigatória. No entanto, o distanciamento social fez parte das recomendações do governo. Para combater a falta de contacto humano, foi lançada a campanha "se não pode abraçar um humano, abrace uma árvore". O objetivo principal foi "trazer alegria às pessoas neste momento de crise e encorajá-las a sair para aproveitar os espaços verdes", pode ser lido num comunicado divulgado pelo Serviço Florestal da Islândia.

Portugal: cheio de "alma lusitana"

E se a quarentena revelou através da vida à varanda que todos gostamos de socializar, também trouxe ao de cima a “alma lusitana” que se evidencia mais nos tempos de crise do que de prosperidade. Afinal, como se diz, isto de ser português não se explica, sente-se, e merece admiração como disse um médico ouvido pelo New York Times.

O espírito solidário, afetuoso e acolhedor fez-se sentir desde a classe política (que se uniu para combater o vírus) aos portugueses que costuram máscaras para os vizinhos, estes últimos elogiados pela presidente da Comissão Europeia, Ursula Von Der Leyen. Uma vez mais, os portugueses mostraram serem meninos bem comportados -  já o tinham mostrado com a crise de 2008 - pois, apesar de não existirem sanções ou atestados de circulações, respeitaram a quarentena, tanto que no carrinho de compras passou a existir mais café.