Sendo estas tours a pé, ora juntam dois em um: exercício durante umas quatro horas (varia de acordo com a tour e com a cidade) e muita cultura. Vai em grupos sempre muito atentos ao guia que, normalmente, é entusiástico sobre as histórias que conta da cidade. Eu nunca encontrei um guia que não fosse diferente desse registo. Aliás até me impressiona o facto de os guias estarem a repetir, sempre, as mesmas histórias, fazendo os mesmos circuitos e… parecendo que é a primeira vez que o fazem. A par e passo lembro-me de caminhar, por exemplo, em Berlim. Fizemos toda a cidade e foi das minhas tours, na Europa, mais completas e enriquecedoras. Não por acaso. O nosso guia não me fez sentir um único segundo de cansaço enquanto atravessámos Berlim Oeste a Este.

Como deve calcular, Berlim é uma cidade que contada na voz de um alemão assume outro tom. A história dos acontecimentos da II Grande Guerra foi pontuada a cada parada que íamos fazendo. O guia imprimia mais realce nessas paragens. Eu senti muita emoção em pontos como o memorial judaico, no meio da cidade. Se fosse uma outra tour, passando incauta ali de autocarro, eu não ia sentir o que aqui vou descrever. Tive de entrar naquele cemitério que, para mim, é isso mesmo. Quis perceber tudo e agarrar bem forte as lágrimas para não transbordar a emoção. À primeira vista são blocos de cimento completamente desiguais e pode percorrer as fileiras entre eles. Vai ver muitas pedrinhas por ali. Pedrinhas que significam os arranjos florais da lembrança das famílias que ali vão colocando as pedras. Tal como nós quando trocamos as flores nos túmulos dos nossos entes queridos. Mas estes blocos desiguais são assim porque representam os diferentes estratos sociais judeus. Mesmo na morte há desigualdade.

A tour a pé faz-nos contornar quarteirões sem percebermos os quilómetros percorridos. Dica: leve ténis, água e força nessa emoção! Encontramos óperas, estátuas, paredes desenhadas, esculturas magníficas, bibliotecas e segredos a que nem todos os turistas têm acesso. Os segredos estão nas palavras que utilizamos para falar de viajar e de quem viajou antes de nós: ali é o caso.

Vou focar uma segunda experiência, de entre tantas que teria para contar desta tour, só em Berlim! E nisto começo a recordar-me do muro de Berlim e do checkpoint Charlie que dividiu Berlim Ocidental e Oriental. Bem, mas o que mais me impressionou foi estar a olhar para o chão alemão, numa das praças públicas onde foram incendiadas as milhares de obras que Hitler condenara à cegueira tirana só porque não estavam de acordo com a ideologia ariana. O Bücherverbrennung (queima dos livros) ocorreu em 1933 e foram os livros as primeiras vítimas do Nazismo. Em várias praças e junto a bibliotecas de renome. Depois, todos sabemos quem foram as outras vítimas, encastradas em comboios gelados e que não estavam em bibliotecas, mas foram igualmente lançadas ao fogo. Em campos de concentração. Sobre isto aconselho também uma free walking tour, a Este de Berlim, para ver Sachsenhausen. Prepare-se se for um pouco sensível. Se for muito sensível, não vá a este campo de concentração.

Mesmo assim desafio pois os guias são fantásticos e fazem destas tours mais delicadas uma forma de enaltecer o ser humano nas vertentes que não conhecemos e achamos que sim. Achamos… até aqui! Nessa outra free walking tour, a guia era chilena, mas tal como o anterior guia alemão, ela sempre dizia que a cada passo que dávamos devíamos reter na memória que havia vergonha a pairar no ar sobre aqueles atos hediondos. E que estas tours serviam como memoriais, sem distinguir com blocos maiores e menores, para todos. Lembro-me da simpática chilena dizer constantemente que os alemães são um povo muito astuto e hospitaleiro e que faz questão de punir estas atrocidades. Através das palavras, das viagens que fazemos, desta forma.  Fiquei parada frente ao livro de registos dos nomes de judeus e não só… que ali perderam a vida. Fiquei diferente desde aquela viagem.

E devem mesmo ser generosos na ‘gorjeta’ a dar ao guia, são tours gratuitas sim, mas vão perceber que eles merecem esse gesto. Contudo deixo um alerta: cuidado pois aconteceu-me, numa destas cidades, um guia se fazer passar por agente turístico das free walking tours. Reparem se ele tem as credenciais e sigam caminho! Enquanto eu deambulava, sem tours, por Berlim… e heurística como gosto de ser, percebi: cada dia é mais um incêndio da vergonha ocorrida, mas em altas labaredas com o orgulho de se ser alemão e de se saber que aquilo não deveria ter acontecido. Fiquei tão fã da Alemanha por isto e porque é parecida a uma senhora elegante e sofisticada. Mas ponderada e com as ‘portas’ mais imponentes da Europa.  Porque nada queimam para esconder, mas precisamente têm memoriais e nomes em todos os lados… mantendo a memória viva e de chama alta virada ao céu.

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