“Hoje estão a fazer mantas para um hotel”, explica-nos o nosso guia, Alan Loayza, da Limatours, após sermos recebidos com música tradicional, palmas e colares de flores pelas anfitriãs da aldeia de Patacancha que, em conjunto com mulheres de mais quatro comunidades da bacia da serra homónima (Huilloc, Rumira-Sondormayo, Quelccanca, Yanamayo), criam tecidos coloridos com lã de ovelhas, alpacas, lamas ou vicunhas através de técnicas de tecelagem ancestrais, que foram aperfeiçoadas durante os tempos dos Incas e que têm sido transmitidas de geração em geração. Apesar da diversidade de cores dos tecidos, estas artesãs só utilizam recursos da natureza – o que torna tudo ainda mais surpreendente.
Encontramo-nos a 3800 metros de altitude e a quase 90 quilómetros da cidade de Cidade de Cusco. Aqui não há internet, mas, pelo menos, nesta comunidade há sinal de uma linha telefónica, sorte que Quelccanca e Yanamayo não têm. “Para contactarmos as mulheres destas duas comunidades tem de ser pela rádio local”, revela Rocio del Barco, designer e formadora do projeto TUI Coulourful Cultures que, em parceria com a organização Limatours Foundation, procura capacitar tecedeiras desta região bastante isolada e integrá-las na cadeia de valor do turismo.
Afinal, o saber fazer tem valor (e chega além-fronteiras)
“Acordo todos os dias às 4h30”, conta-nos Magdalena, de 41 anos. Magdalena levanta-se ainda de madrugada para preparar os filhos para a escola e para levar as alpacas "até cima" do monte para ficarem a pastar, pois é onde encontram mais alimento.
Com as crianças já na escola e as alpacas no pasto, a mãe de cinco filhos aproveita para se dedicar à tecelagem até às 16h, altura que tem de parar para ir buscar os seus animais ao monte.
"As mulheres são a base da economia destas comunidades", comenta Alan. "Trabalham mais do que os homens, porém, parte do trabalho diário é invisível", acrescenta.
Com o apoio do TUI Coulourful Cultures, muitas destas guerreiras diárias começam a ver a sua sorte mudar. De repente, a técnica de tecelagem andina que aprendem ainda em crianças tornou-se numa herança com valor que lhes está a permitir contribuir para o sustento da família e para a educação dos seus descendentes.
“O trabalho destas mulheres foi transformado num produto competitivo que pode chegar a outros mercados como o dos Estados Unidos e da Europa”, nota Rocio em conversa com o SAPO Viagens.
Implementado em 2022, o projeto está a apoiar 135 artesãs provenientes destas cinco comunidades indígenas de Patacancha ao promover a sua formação e a providenciar ferramentas para que consigam vender os seus produtos que competem com os das grandes indústrias que, apesar de oferecerem menor qualidade e serem menos amigos do ambiente, praticam preços mais baixos.
Até à data, o grupo de artesãs já vendeu mais de 4500 peças em espaços pop-ups de venda como a feira nacional peruana Ruraq Maki e nove das suas profissionais conquistaram o prémio “Somos Artesania”, cujo valor serviu para investir em mais matéria-prima. Para além disto, o grupo estabeleceu parcerias e angariou como clientes grupos hoteleiros como o Belmond Hotel.
É por isso que hoje Magdalena, que não concluiu o ensino primário, sente-se “muito feliz”. Afinal, duas das filhas já terminaram o secundário e, graças à tecelagem, continua a ter possibilidade de apoiar os estudos de todos os filhos.
“Inicialmente, tiveram as suas reticências. Não acreditavam que seria possível”, partilha Rocio del Barco. “Agora, sabem que os seus produtos podem ser vendidos, porque o projeto também lhes abriu portas para as feiras e para mais oportunidades comerciais”, conclui a formadora, acrescentando que todas as artesãs cumprem com as suas tarefas porque sabem que, no final, têm retorno.
Têm consciência do seu valor, tanto para os seus lares como para as suas comunidades
Dois anos após ter embarcado nesta aventura solidária, Rocio sente que estas mulheres indígenas estão com mais garra para proteger o que conquistaram. “Sinto-as com mais força para proteger o seu rendimento e a sua identidade. Agora, têm consciência do seu valor, tanto para os seus lares como para as suas comunidades”.
Rocio ainda recorda que os maridos, que prestam serviços ao Inca Trail, trabalham de abril a outubro, ou seja, fora da época das chuvas. “O rendimento que as artesãs obtêm contribui com certeza para o da família”, finaliza.
"Elas estão a contar a sua história"
Enquanto tomamos um chá de coca e aquecemos as mãos geladas, acompanhamos o processo de tecelagem que aqui é mais do que a criação de tecidos coloridos e de agasalho: é uma arte e forma de expressão - por isso é que todas as artesãs presentes, independentemente da idade, estão vestidas com roupas tradicionais (não, não é para o turista ver, é mesmo parte do seu dia a dia).
Através do vestuário, as mulheres indígenas desta região andina contam a sua história e expressam a sua identidade. Os motivos de cada peça variam e os chapéus, que indicam a comunidade a que pertencem, também revelam se são casadas (sem flores) ou solteiras (com flores) e contêm um orifício para colocar moedas. Apesar de cada item ter as suas especificidades, têm todos cores garridas e os mesmos moldes. Por exemplo, as saias têm sempre uma base preta que depois contrasta com os padrões da faixa colorida que se aplica na mesma.
Seguimos o processo de produção de tecidos do início ao fim. Primeiro, vemos Madgadalena a separar a lã de ovelha para fiar. Depois deste passo, uma colega lava esta matéria-prima com uma raiz de saponária, que, visualmente, parece-se com a das batatas. De acordo com Alan, a raiz, que já é utilizada há séculos pelo povo andino, possui propriedades de limpeza e de formação de espuma. “Assim, pode ser um substituto natural do sabão a fim de lavar roupas e até as mãos. Para libertar a saponina, basta ferver a raiz por alguns minutos”, indica o guia.
Lavada a lã, é hora de fiar com o fuso. Num espaço coberto, juntam-se plantas num pote com água a ferver para tingir fios. Para além de plantas, podem utilizar-se insetos para criar diferentes cores. Clara Augusta Carrión, 73 anos, e porta-voz das mulheres de Patacancha, refere ainda que, por vezes, para criar cores fortes como a azul, adicionam urina fermentada de bebé à água.
Segue-se o processo de tecelagem que parece bastante complexo e minucioso.
"As proporções, as distâncias e as medidas têm de ser perfeitas", comenta o guia enquanto duas artesãs, em conjunto, dão forma a um tecido, ao passo que outras, individualmente e com teares de cintura, entrelaçam fios.
"Elas podem enganar-se, por isso, precisam estar totalmente concentradas", complementa Alan.
"Todos os produtos que estas senhoras vendem são a sua essência andina, o seu património", afirma Rocio del Barco. "Em todas as peças vamos ter sempre esta representação dupla: do mundo de baixo e do mundo de cima".
De acordo com Rocio, na perspetiva andina tudo no mundo se complementa. "Nada foca-se no individualismo”, garante. "É por isso que, agora, elas estão a contar a sua história e a partilhar este tipo de visão com o mundo".
"Como Rocio referiu, as artesãs estão a manter a sua essência nos designs, só os atualizaram e adicionaram mais cores", conclui Alan.
O SAPO Viagens visitou o Peru a convite da TUI Care Foundation
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