Por: João Damião Almeida - Projeto Prá Frente

O som do trânsito frenético invade-nos os ouvidos assim que chegamos ao enorme largo. Pensando melhor, julgo que esse rumor incessante nunca nos deixou desde que aterrámos no aeroporto, dois dias antes. Um turbilhão de motas, carros velhos e tuktuks serpenteiam as avenidas e contornam-se uns aos outros, sem nunca parar, como um cruzamento num formigueiro em hora de ponta.

Por toda a parte distinguem-se carrinhas, todas muito semelhantes, brancas ou azuis, que já aprendemos serem chamadas de microbus. São o meio de transporte predileto dos egípcios e por esta altura também o nosso. Com cerca de doze lugares, viajam sempre com a porta lateral deslizante aberta para facilitar a entrada e saída de passageiros e fazem rotas específicas que só os locais parecem saber. Para nós, menos experientes, basta gritar ao motorista o nome árabe do nosso destino, cuja pronúncia memorizamos para estas situações, para ele nos responder com gestos se passa ou não por lá.

Prá Frente é que é: Singularidades do Cairo
Cairo créditos: Projeto Prá Frente

O sol àquela hora já pede uma sombra para almoçar. Ainda assim, a temperatura não se compara às máximas frequentes de 35ºC do Verão. Ao fundo de uma das avenidas, os tons inconfundíveis do smog também aquecem a paisagem e adensam a atmosfera. Atravessamos a estrada para a praça em direção a três bancas de comida de rua.

Um dos vendedores grita promoções ao mesmo tempo que enxota com as mãos as moscas dos frutos. Outro mais ao lado vende fritos enquanto, a um canto, uma dúzia de cabras desajustadas olha descontraidamente aquele tumulto de buzinas e tubos de escape que passa às centenas a cada minuto. Ponderamos, mas rapidamente decidimos que o nosso organismo recém-chegado não está provavelmente preparado para a microbiota daqueles produtos.

Olho em redor à procura de mais oferta. À volta da praça, os prédios baixos trazem à urbe os tons sépia do deserto. Em toda aquela zona da cidade, os edifícios são em estilo árabe, medieval. O Cairo histórico é verdadeiramente intemporal, com os seus mais de mil anos de fundação. Olhando pela rua Al Oshneya, de onde viemos, recordo a mesquita e universidade de Al Azhar, ao fundo, que remontam ao século X.

Decidimo-nos por um letreiro árabe e uma porta discreta num canto da praça por onde se descortina um restaurante calmo e aparentemente caseiro. Um senhor mais velho está sentado à entrada por trás de uma máquina registadora enquanto, à esquerda, um longo balcão com acrílico separa três chefes ocupados com enormes frigideiras que compõem a área da cozinha. Sentamo-nos na mesa mais próxima e pedimos ao empregado sorridente um menu, para instantes mais tarde o ver chegar com um papel plastificado com muitas linhas de letras e números árabes.

Prá Frente é que é: Singularidades do Cairo
créditos: Projeto Prá Frente

Tento encontrar algum caractere que reconheça, sem efeito. Folgo em confirmar que o restaurante não é turístico e decido naquele momento que pelo menos a numeração árabe tenho de aprender. Baixo o menu e devolvo um olhar constrangido ao simpático funcionário que me sorri de pé, segurando um bloco de notas e caneta. Com recurso às fotografias ilustrativas na parede, lá conseguimos pedir um prato que combinava arroz, massa e lentilhas, e almoçamos maravilhosamente por 14 libras (0.8€) cada.

Só nos voltámos a lembrar da fome à noite, depois de passear pela zona do rio, de ver pela primeira vez o Nilo, visitar o Museu Nacional Egípcio e assistir aos preparativos da 43ª edição do festival internacional de cinema do Cairo, num daqueles dias em que o pedómetro faz record. À noite tínhamos já dois conselhos diferentes a apontar para a mesma refeição: um dos símbolos gastronómicos do Egito – Koshari – num restaurante específico e especializado. Confiei, nem pesquisei mais nada. Por isso, nem suspeitava que, quando mo trouxessem à mesa nessa noite, iria ver a mesma mistura de arroz, massa e lentilhas com que me tinha deliciado horas antes.

Projeto Prá frente

O Projeto Prá Frente foi criado por dois jovens engenheiros, com a intenção de conhecer (e partilhar) uma perspetiva completa do Sudeste Africano, focando-se não só no seu património deslumbrante, mas também nas suas pessoas e naquilo que tem para oferecer para o futuro.

Para saber mais siga o Instagram: @projeto_prafrente