Apertar uma esponja e largá-la. Colocar o cinto do passageiro. Arrumar um livro numa prateleira alta. Apontar para ele. Rir com estrilho. Encontrar o comando nos entretantos de um sofá. Virar a palma do pé para o chão e andar da sala para o campo. Colocar uma enxada em água para que inche. Todos estes momentos são de extensão ou distensão. São fenómenos de alongamento, voluntários ou não. São deslocamentos. No fundo, são actos de viagem. E raramente se refutam. Porque são gestos quotidianos e não se associam a vadiagem ou incumprimento. Com viagens que impliquem o excesso de noites passadas fora de casa não é bem assim. Ou, mais recentemente, com os que viajam durante a pandemia (mesmo cumprindo as regras na origem e no destino) também não. Para este tipo de viajantes levantam-se muitas questões apontadas para o desenraizamento, deambulação, vistos como estrangeiros do seu próprio país.

No mesmo ano em que Copérnico publicou a sua famosa obra sobre o mundo - de revolutionibus orbium coelestium (revolução de esferas celestes) -, Vesalio apresentou também ao mundo o seu livro sobre a estrutura do corpo humano. Mesmo sem esta coincidência, sempre existiu uma relação entre mundo exterior e corpo. O corpo faz parte do mundo. E é esse mundo que também o aleija, ficando o corpo a doer, principalmente nos regressos. Porque é no regresso que o corpo se volta a preocupar mais com a vida. E a vida tem a mesma ampulheta para todos, quer sejamos quietistas felizes ou viajantes inconformados. Todos temos o mesmo cronómetro. Os que urgem de emoção ficando na mesma rua ou aqueles para quem o estatismo não parece suficiente. Mas todos poderemos vir a ser, mais dia menos dia, viajantes enganados: tanto os que tratam com curiosidade do mesmo lugar toda a vida como aqueles que têm curiosidade de mudar de lugar toda a vida. Enquanto o dia do julgamento não chega, somos todos viajantes. Para onde vamos? Quem conduz? O condutor bebeu? Temos aqui um problema: sabemos pouco. No entanto, passageiros, coloquem o cinto. O que, no fundo, já é um acto de viagem.