Tinha acabado de chegar ao centro do Funchal quando a vi pela primeira vez, a esvoaçar acima da calçada, com as suas enormes asas laranjas, pintalgadas de preto e branco. Era uma borboleta-monarca, inconfundível no seu tamanho e beleza — e ninguém me avisara que a Madeira fazia parte dos seus reinos.

Trata-se de uma das mais famosas espécies de borboletas, muito à conta do espetacular fenómeno natural que protagoniza anualmente na América do Norte. No início de outubro, bandos de milhões de borboletas-monarcas partem das suas zonas de reprodução no Canadá e norte dos EUA em direção ao México, onde hibernam. Seis meses depois, na primavera, voltam a fazer o caminho de regresso.

Este vaivém, com mais de 4 mil quilómetros em cada direção, faz da borboleta-monarca uma das poucas borboletas migratórias. De acordo com o livro Viajantes: animais extraordinários, de Xulio Gutiérrez, a monarca faz uso das suas grandes asas para potenciar a boleia das correntes ascendentes de ar quente, que a elevam a mais de mil metros de altura. Uma proeza de resistência, mas também de navegação: quando dá por si a desviar-se da sua rota, a borboleta pousa e aguarda que o vento acalme.

Fenómenos atmosféricos mais intensos, como ciclones e furacões, podem arrastá-la para longe do seu destino, o que, a par de algumas colónias já existentes no litoral algarvio, pode ajudar a explicar como chegou às nossas costas. No Funchal, todavia, a borboleta-monarca já é uma espécie residente, visível um pouco por todo o lado, como sugere a indiferença geral à sua passagem nas ruas e jardins da cidade. Só alguns visitantes mais atentos denunciam o espanto com a sua beleza alada.

Mas o que fazem aqui estas borboletas-monarcas, tão longe da América do Norte, a sua região de origem? Para responder a essa pergunta, visitei o Museu de História Natural da Madeira, um ponto de passagem obrigatório para os amantes da Natureza e para as próprias borboletas. Várias monarcas podem ser vistas a esvoaçar no jardim da instituição, ainda que nenhum exemplar figure na sua coleção de espécies de borboletas endémicas. Isto já nos dá uma pista sobre o que se passa aqui.

O Museu colocou-me em contacto com o biólogo Luís Palma, para quem a monarca é objeto de investigação científica há décadas. Segundo um estudo que desenvolveu com outros investigadores em 2023, o primeiro avistamento da borboleta-monarca na Madeira data de 1889, embora a sua colonização da ilha seja muito mais recente e remonte aos nossos anos 80 e 90. Só nessa altura é que os exemplares que atravessaram o Atlântico encontraram, nos jardins da cidade, a última peça que faltava para assentarem: uma planta hospedeira, nomeadamente a Asclepia curassavica.

Quando deteta o arbusto certo, a borboleta-fêmea põe centenas de ovos no verso das suas folhas. Ao fim de quatro dias, eclode uma lagarta esfomeada que irá passar as duas semanas seguintes a alimentar-se da planta. Trata-se de um banquete duplamente proveitoso para a borboleta, pois acaba por ingerir uma toxina que, lhe sendo inofensiva, a torna venenosa para os seus predadores.

A relativa raridade destas plantas hospedeiras em Portugal, aliada à seletividade da monarca, faz com que continue a ser relativamente raro avistar uma destas borboletas em Portugal continental. Em 2003, Luís Palma e outro investigador identificaram 15 locais no interior e litoral algarvio com colónias de borboletas-monarcas, associadas à presença de uma das duas plantas hospedeiras com ocorrência no continente: o algodoeiro-falso (Gomphocarpus fruticosus) e a paina-de-seda (G. physocarpus).

Plantas hospedeiras da borboleta-monarca
Duas das plantas hospedeiras da borboleta-monarca que podem ser encontradas em Portugal: Asclepia curassavica e, possivelmente, a Gomphocarpus physocarpus créditos: Flickr/krossbow e Flickr/FarOutFlora

Tratam-se de espécies exóticas de plantas cuja disseminação em Portugal parece ser condicionada pela agricultura e alterações climáticas. Ainda assim, será que é possível dar uma pequena ajuda às borboletas-monarcas errantes? Coloquei a questão a Luís Palma: “As pessoas individualmente podem contribuir muito para a sua conservação com a utilização de Asclepias e G. physocarpus como [plantas] ornamentais de jardim”, responde o biólogo.

“As borboletas são excelentes voadoras e conseguem detetar pequenos grupos de plantas em locais isolados. Como tal, na região de distribuição da espécie, é quase garantido que as borboletas irão aparecer onde estejam estas plantas”, explica. “Se for complementado por uma sebe de lantanas (Lantana camara) que é grande produtora de néctar e muito apreciada pelos insetos, é duplamente provável o seu aparecimento”, acrescenta.

Para o investigador, vale a pena criar condições para que a borboleta-monarca seja mais visível em Portugal. “É a maior borboleta europeia e uma das mais vistosas e atraentes pelo que tem todo o potencial para ser um símbolo popular da conservação”, diz.

No centro do Funchal, entretanto, essa popularidade está bem à vista no Jardim Municipal. São poucos os turistas que ali passam, munidos de câmara fotográfica, que não tentam registar a célebre borboleta a alimentar-se nas coloridas lantanas. Para ela, as migrações de milhares de quilómetros são, agora, tribulações de vidas passadas. Tudo aquilo de que precisa está ali, a um jardim de distância.