Bilhete-postal enviado por Alice Barcellos

Sou daquelas pessoas que acredita até ao último momento que o tempo vai ficar melhor quando tenho uma viagem marcada. Mesmo sabendo que as previsões apontam para dias de chuva, há sempre aquela voz interior otimista que tenta convencer-me de que um sol radiante pode aparecer sem avisar. Obviamente, isso não costuma acontecer, principalmente quando vais viajar para a Galiza. Se achamos que no Porto o outono/inverno é chuvoso, isso é porque não vivemos na Galiza. A diferença não deve ser muita mas quero acreditar que os nossos vizinhos do "andar de cima" sofrem mais com o mau tempo do que nós.

Já lá iam quase 15 anos (estou a ficar velha) desde a última vez que tinha ido a Santiago de Compostela, curiosamente também foi numa viagem em família, e há muito que tinha o desejo de regressar. Ao longo deste tempo, o Caminho foi ficando cada vez mais popular nos sites de viagens, como uma daquelas experiências para se ter uma vez na vida, e, de facto, são cada vez mais pessoas que conheço que fazem ou fizeram o Caminho de Santiago e o descrevem sempre como uma experiência única.

Santiago de Compostela
Santiago de Compostela créditos: Alice Barcellos

Não, este texto não é sobre fazer o Caminho de Santiago, não foi desta que o fiz e, honestamente, não sei se é o meu género de viagem. Esse texto é simplesmente um pequeno guia de uma escapadinha a Santiago de Compostela em família (eu e o meu irmão), com guarda-chuvas partidos, molhas e boa comida. Isso porque apesar de ser uma cidade conhecida pela religiosidade e pelo centro histórico medieval imaculado, Santiago de Compostela é também uma boa opção para quem quer fazer uma escapadinha de fim de semana sem grandes pretensões. Simplesmente percorrer a cidade a pé e ir descobrindo as flores e as "marias" escondidas entre o granito escuro dos edifícios imponentes.

Foi o que fizemos. Depois de muito bem instalados no Boutique Hotel Literario San Bieito (recomendo), esperamos que o dilúvio que nos recebeu passasse e fizemo-nos ao caminho com a intenção de provar as melhores tapas da cidade. Ficar dentro do casco histórico é uma vantagem para explorar Santiago. Para quem vem de carro, há opção de deixá-lo estacionado em parques subterrâneos (paguei 12 euros por dia) e, desta forma, tem-se liberdade para andar a pé, sem o stress de ter de pegar no carro, até porque não é permitido circular de carro em quase todo o centro histórico.

O céu já estava pintado de noite carregada quando começamos a nossa peregrinação - íamos com algumas paragens gentilmente sinalizadas pela menina que nos recebeu no hotel e nos deu dicas de lugares nada turísticos, frequentados por locais. Era isso mesmo que procurávamos. Com essa massificação e uniformização do turismo, fico sempre com receio de, ao visitar uma cidade, não conseguir captar a sua essência, não conseguir encontrar aqueles locais mais tradicionais que conservam a alma do lugar. Felizmente, Santiago consegue manter esta atmosfera tradicional, bem como sítios que não se renderam às modas dos hambúrgueres artesanais, bowls, smoothies e estas cenas "instagramáveis" que parecem querer tomar conta das nossas cidades.

Tapas em Santiago de Compostela
créditos: Alice Barcellos

Primeira paragem: Maria Castaña. Sentimo-nos acolhidos pelo ambiente quentinho e pelas mesas rústicas de madeira. Paredes em pedra, com pequenas moedas de cêntimos encaixadas nos relevos, uma roda de amigos ao balcão a beber umas "cañas" depois do trabalho, dois turistas que conversavam atrás de nós e pareciam estar a conhecerem-se naquele momento.

Duas cervejas para a nossa mesa, acompanhadas de uma tapa de feijoada. Comida de conforto num potinho: feijão branco a desmanchar-se e uma rodela de chouriço que me conquistaram, de imediato, o coração. Ainda ficamos a ver o menu, indecisos em pedir mais qualquer coisa, mas, após terminar, decidimos seguir em frente e continuar a explorar, aproveitando a trégua que a chuva nos dava.

Depois de caminhar mais um pouco pelas ruas estreitas, escolhemos sentar ao balcão de O Boteco. O nome brasileiro não tira o peso histórico do edifício. Mais duas cañas, desta vez acompanhadas com montaditos, entre os quais, gostei mais do de polvo com queijo. Lá fora, a chuva recomeçava a cair e peregrinos passavam com longas capas de plástico a proteger as mochilas.

Nem parecia terça-feira quando entramos no Tita, especialista em tortilhas - mesas cheias, grupos de jovens a lembrar que Santiago é uma cidade universitária e muitas tortilhas a sair. Ficamos impressionados com a descrição da tortilha grande no menu: 30 ovos, 2,5 quilos de batatas e azeite. Não cheguei a ver, mas imaginei uma tortilha do tamanho da mesa! Contentamo-nos com uma dose individual, servida como tapa, mas que conseguiu demonstrar a fama do lugar, estava deliciosa.

Já não havia espaço na barriga para muito mais e a última paragem da noite foi escolhida pela quantidade de gente que se concentrava à porta, a fumar, a beber e a conversar. O Riquela parecia ser um bar animado para terminar a noite. E, sem prever, acabamos ainda por assistir a um espetáculo de comédia/improviso que estava a decorrer no pequeno palco ao fundo do espaço. Bem interessante! Não posso dizer o mesmo das tapas que vieram para a mesa, mas também não se podia pedir muito mais com a quantidade de pessoas que estavam a servir naquela noite. Perdoamos, até porque também já não havia fome para muito mais.

Estava feita a peregrinação noturna. Chegamos ao hotel sem o guarda-chuva - não resistiu ao vento e à chuva e foi parar ao contentor de lixo - e com uma molha (mais uma!). No dia seguinte, ainda deu para saborear a deliciosa tarte de amêndoas de Santiago - um ótimo souvenir para levar para a casa. Foi o que fizemos, depois de ter ido ver a grandiosa Catedral, labirinto de andaimes no interior, por estar em obras. A chuva que continuava a cair tirou-nos o ânimo de continuar a explorar a cidade. Salvaram-nos as muitas arcadas que cortam o centro de Santiago e que são o melhor abrigo para estes dias em que o céu parece não querer parar de fazer cair água.

Ficou a promessa de voltar um dia, quem sabe com sol, quem sabe a caminhar... Com a certeza de que vamos ser bem recebidos (e alimentados) de qualquer das formas.