O “pequeno” caminho português (105 km) de Valença a Santiago de Compostela é o ideal para caminhantes de “primeira fornada”. Num percurso de dificuldade média, a necessidade de preparação física não é tão elevada e, parece-nos, um bom ponto de partida para aqueles que, se assim quiserem, seguir para caminhos mais longos.

No dia zero, partimos de carro até Valença. Mochilas carregadas q.b. e uma excitação descomunal, pela viagem que estávamos prestes a começar. Deixamos o carro em Valença e no nosso quilómetro zero, iniciamos o Caminho: uns quatro quilómetros até Tui. Atravessar a centenária ponte rodoferroviária é, por si só, prenúncio de quanto nos esperava e de quão o desconhecido pode, em alguns casos, ser sinónimo de vida, de aventura, de memórias.

O nosso primeiro albergue! Ser caminhante não se explica, vive-se. O sentimento de pertença e partilha entre os peregrinos, nos olhares cúmplices, nas palavras de afeto e num inextinguível “Bom Caminho / Buen Camino”, que haveríamos de ouvir e de dizer, vezes sem conta, ao longo desta incrível aventura, são linhas invisíveis que nos unem.

Caminhos de Santiago
Os "sinais" do caminho estão por todo o lado.

É impossível perder-se ou desviar-se do Caminho, com indicações e sinalizações em cada esquina ou encruzilhada. Mesmo os mais desorientados ou distraídos não terão como enganar-se! Em algumas bifurcações será possível seguir por dois caminhos diferentes. Disse-me, uma alma sábia, que fossemos sempre pela esquerda: foi o que fizemos! Outra importante dica: se decidirem começar uma etapa muito cedo, ainda antes do nascer do dia, não se esqueçam das lanternas, imprescindíveis para ver as setas e vieiras que indicam o Caminho.

Dia 1: Tui a Redondela

Despertamos cedo. Afinal havia tanto caminho a percorrer, tanto para ver, tudo para descobrir! De Tui a Redondela são aproximadamente 30 quilómetros, com uma etapa um pouco mais exigente, mas que as paisagens e os lugares haveriam de compensar. Há quem divida esta etapa em duas, de Tui a Porrino e de Porrino a Redondela, mas, na verdade, a ânsia, não de chegar ao destino, mas de percorrer o Caminho, era tão grande que uma etapa de 19 quilómetros nos parecia pouco.

De Valença a Santiago de Compostela a pé
A Rosa levou 5 dias a percorrer a pé os 105 quilómetros entre Valença e Santiago de Compostela.

Apreciar a beleza das paisagens naturais, ver os pequenos apontamentos artísticos, entre esculturas, gravuras e desenhos, que vão surgindo e apenas “estar”, sem nada que nos apresse ou nos perturbe. Muito pelo contrário, cada recanto nos convida ao descanso, à quietude e à reflexão.

Dia 2: Redondela a Pontevedra

Uma vez mais, deixamos o albergue cedo. O corpo continuava em forma e a mente estava mais do que preparada.

O caminho há-de levar-nos a pequenas localidades, todas elas com um património natural, histórico e religioso que vale a pena explorar. Entre pontes, praças, capelas e vielas ou entre bosques e rios, seguimos.

Caminhos de Santiago
Um lembrete importante ao longo do caminho.

Depois de uma meia jornada de cerca de 23 quilómetros, é impossível não visitar Pontevedra, cidade hospitaleira, com um riquíssimo centro histórico. São estes os quilómetros que não “entram” no Caminho, mas que indubitavelmente fazem parte dele.

Dia 3: Pontevedra a Caldas de Reis

Um meio dia de cerca de vinte e cinco quilómetros, de Pontevedra a Caldas de Reis. Seguimos em direção ao Rio Lérez e deixamo-nos guiar pelos marcos que vão aparecendo. Uma vez mais, a beleza paisagística faz parte do roteiro, com histórias e curiosidades em cada vila ou lugar por onde passamos. Chegados a Caldas de Reyes, impõem-se uma passagem na Fonte da Las Burgas e paragem obrigatória no Lavadouro Termal, abastecido das mesmas águas quentes da Fonte.

São os bocadillos, as tapas, a caña ou a água que alimentam e refrescam o corpo. O espírito vai alimentando-se da partilha com outros peregrinos, das paisagens e dos lugares e da certeza do único que que vivemos. Poderemos fazer este Caminho novamente ou outro dos muitos Caminhos, mas esta experiência será ímpar e inesquecível!

Dia 4: Caldas de Reis a Pádron

O Caminho segue: belo, ímpar, inolvidável.

O nosso destino final começa já a desenhar-se e Padrón é, sem dúvida, um belíssimo princípio do fim. A antiga Sede Episcopal, atual Igreja Paroquial de Santa Maria de Iria-Flávia, a Fonte do Carme, o Santiaguinho do Monte e o Pedrón, lugar onde se crê ter sido amarrado o barco onde seguiam os restos mortais de Santiago, desde Haffa, na Palestina, são pontos de visita imprescindíveis. Aliás, qualquer peregrino que visite estes locais e faça prova da sua peregrinação a Compostela, poderá pedir, no albergue de Pádron, a “Pedronía - Hic Fuit Corpus Beati Jacobi”.

Dia 5: Padrón a Santiago de Compostela

Os vinte e cinco quilómetros finais. Respiramos Compostela em cada passo. A mochila foi, ao longo do Caminho, ficando cada vez mais leve e, ainda que um certo cansaço se faça sentir, as pernas estão cada vez mais ritmadas e aptas a galgar quilómetros.

A majestosa Catedral ergue-se à nossa frente e somos, de novo, pequenos face à imensidão do mundo, mas grandes, na façanha que agora se conclui. Retemperar forças na Praça tem um sabor inexplicável. A visita à Catedral e ao sepulcro são momentos de imensa reflexão e introspeção.

Catedral de Santiago de Compostela
A Catedral de Santiago de Compostela.

Na Loja do Peregrino, credencial na mão - onde fomos colecionando os carimbos das localidades por onde passámos, aguardamos pacientemente pela “Compostela”, prova do caminho de Santiago de Compostela agora cumprido.

Caminho à parte, na hora de voltar à “realidade”, corremos para a estação e regressamos de autocarro, de Santiago a Valença. A vida segue, o Caminho feito aponta o quanto ainda há por andar!