Quando somos crianças tudo é uma primeira vez. O primeiro passo. O primeiro amigo. O primeiro mergulho. Vivemos no espanto. No risco. Na descoberta.

Às vezes, temos sorte em guardar memórias vivas destas estreias do nosso repertório de experiências, outras primeiras vezes ficam guardadas no nosso subconsciente e moldam, inconscientemente, a imagem que temos do mundo. Depois, vamos crescendo e as primeiras vezes vão-se tornando cada vez menos regulares.

Algures entre horários fixos e os impostos, deixamos de contar as primeiras vezes para contar o tempo que falta para algo de novo acontecer.

No meio da rotina, trocam-se as descobertas pelo conforto. O frio na barriga por uma digestão segura.

É talvez isso que nos envelhece — não os anos, mas a ausência de primeiras vezes.

Viajar devolveu-nos o inédito. A surpresa. O inesperado. Mesmo com um plano pré-definido durante a pré-viagem, foi a primeira vez que permitimos que o vento soprasse o nosso caminho — para um caminho onde voltámos a sentir a vida com mais intensidade.

Onde cada momento é uma descoberta. E que esta descoberta também nos ajudou a devolver presença.

Porque em cada primeira vez que não cedemos às expectativas, nem à pressa, nem ao “e se eu não fizer bem?” deixamos espaço para descoberta, vulnerabilidade e entusiasmo.

Go with the slow
Go with the slow créditos: Laura Couto

Hoje, depois de cinco meses de viagem, olhamos para o mapa e vemos locais carregados de primeiras vezes.

A nossa primeira vez a viver com os monges, onde meditamos oito horas por dia e plantámos chilli com os monges.

A nossa primeira vez na rádio onde falámos sobre o nosso projeto para toda a Indonésia ouvir.

A nossa primeira vez à boleia, onde o medo e a confiança viajaram no mesmo banco.

A nossa primeira vez a viver com famílias muçulmanas, onde partilhámos festividades, comemos com as mãos e nos sentimos parte de uma realidade completamente diferente da nossa.

A nossa primeira vez… a redefinir o que significa casa.

Também existiram primeiras vezes que não foram fáceis — as primeiras vezes desconfortáveis.

A primeira vez que nos sentimos perdidos e deslocados, tivemos de reaprender a confiar no tempo e nas pessoas.

A primeira vez que partilhamos a cama com um estranho num couchsurfing ensinou-nos que há limites que só descobrimos ao ultrapassá-los.

No meio disto, houve dias em que o corpo pedia pausa. E a mente sentia que estávamos a fazer o completo oposto do nosso objetivo por termos tantas coisas novas para processar.

Mas mesmo nestas primeiras vezes — as difíceis e desconfortáveis — são parte do que está a tornar esta viagem tão viva e intensa.

Porque a vida é um caminho que não podemos controlar, onde o improviso é mais presente do que a perfeição. E onde o frio na barriga quer dizer que algo de importante e transformador está para acontecer.

E é tudo isto que viajar nos tem oferecido. Uma forma de recomeçar. De sair da zona de conforto. De nos reconhecermos enquanto Laura e Júlio.

De escancarar janelas para abrir novos horizontes. De dizer sim, mesmo que por dentro estejamos desconfortáveis ou com medo.

De abrir a mente e o coração a mundos diferentes do nosso.

Mas, particularmente, de nos devolvermos à vida que durante tanto tempo ficou parada à espera de…

As primeiras vezes não são o privilégio da juventude, são o resultado de uma escolha — a de não nos deixarmos de surpreender.

Pela primeira vez permitimos-nos abraçar uma mudança tão drástica na nossa vida. Mudámos a nossa rotina, o nosso ambiente, a nossa alimentação, as pessoas que estão à nossa volta. Pela primeira vez já não seria nada disso que definiria a nossa identidade.

A vida não tem que ser, sempre, um percurso ascendente. Pode ser também uma dança ou uma curva inesperada. E é nestes desvios que, muitas vezes, acontecem as melhores histórias. E que as melhores histórias normalmente começam com ‘’Foi a primeira vez que…’’

As primeiras vezes não são coisa da infância.

São aquilo que mantêm a vida viva.

O que nos acorda. O que nos move. O que nos faz sentir que ainda estamos aqui. E que, por mais adultos que sejamos, há sempre tempo para primeiras vezes na vida.