Os organizadores dos Jogos de Paris prometeram uma "grande festa nacional" no país, mas a 100 dias do início do evento, o clima político rarefeito e o pessimismo dos franceses estão a fazer com que o fervor por este espetáculo planetário diminua.

Todos os envolvidos na organização dos Jogos, começando pelo diretor Tony Estanguet, permanecem incansavelmente otimistas e encorajam os seus compatriotas a verem o lado positivo.

"O meu papel é explicar que esta é uma oportunidade fantástica para o nosso país sediar este evento, receber o mundo e também mostrar do que este país é capaz", disse aos jornalistas o ex-campeão olímpico de canoagem na última quarta-feira.

Estanguet não se surpreendeu com as reclamações e dúvidas entre os franceses: "Todos sabemos que em volta deste tipo de evento acabam sempre por surgir muitas dúvidas e preocupações".

As obras estão no caminho certo e o orçamento parece relativamente controlado, especialmente se comparado com o que aconteceu em edições recentes como Atenas (2004), Londres (2012) e Rio de Janeiro (2016).

O presidente francês, Emmanuel Macron, mostrou uma certa frustração durante a recente inauguração do Centro Aquático Olímpico, ao afirmar que nem a imprensa nem o público estão a dar aos organizadores o crédito que merecem.

"Tenham um pouco de perspectiva e olhem para a história dos Jogos anteriores", disse o mandatário de 46 anos aos repórteres, prometendo que os Jogos de Paris encherão o país de "orgulho".

"Na defensiva"

No entanto, os preparativos estão a ser prejudicados por disputas que afetam até o debate nacional sobre identidade e raça.

A influente extrema direita tem criticado desde o cartaz oficial dos Jogos (no qual a cruz de um conhecido monumento "desapareceu") até a escolha dos artistas que participarão da cerimóbia de abertura marcada para 26 de julho.

A possibilidade de a cantora franco-maliana Aya Nakamura participar deste evento provocou a oposição de políticos de extrema direita, que criticaram a "vulgaridade" da artista, algo que o Ministério da Cultura classificou como "puro racismo".

O sociólogo Hervé Le Bras tem-se mostrado pessimista quanto ao fato de os Jogos poderem se tornar um motivo de celebração nacional.

"Na verdade, há muitos indícios que sugerem que as fraturas aumentarão em França, especialmente entre Paris e o resto do país", declarou em entrevista à AFP.

Le Bras escreveu um livro em 2018 intitulado "Sentir-se mal numa França que vai bem", no qual se aprofundou este paradoxo da mentalidade francesa. Porque o país se sente mal quando é um dos mais ricos do mundo, com um dos sistemas sociais mais generosos e com um estilo de vida "invejado" por todos?

Uma grande sondagem realizada pelo grupo Ispos, em setembro passado, revelou que oito em cada dez franceses pensavam que o seu país está em declínio e quase metade deles admitiu sentir-se irritado e descontente.

Noutra época, por exemplo nas décadas do pós-guerra, a França estaria mais preparada para celebrar a organização dos Jogos, segundo Le Bras.

"Naquele tempo havia a sensação de que se estava a avançar rumo ao progresso. Agora não estamos nessa situação. Estamos na defensiva", justificou o sociólogo.

Jean Viard, outro conhecido sociólogo, acredita que a ameaça do terrorismo e da guerra na Europa e no Oriente Médio também afeta a mentalidade das pessoas.

"Vivemos um período em que existe um perigo climático, em que nos sentimos em guerra contra o clima, a guerra na Ucrânia, a guerra em Israel. As pessoas sentem-se rodeadas de violência", explicou à AFP.

Preocupação com a economia

Outro foco de preocupação é a economia. Os Jogos vão ocorrer num momento em que o aumento do custo de vida está a causar muitas dificuldades económicas, fazendo, entre outras coisas, com que os preços dos bilhetes para as competições olímpicas, às vezes muito elevados,  pareçam inacessíveis.

"Ouve-se a mesma coisa em todos os níveis da sociedade: estamos a organizar um espetáculo, estamos a pagar por ele, mas não poderemos participar", diz Paul Dietschy, historiador do desporto na Universidade da Borgonha, no leste da França.

Vários sindicatos ameaçam fazer greves se os aumentos salariais não forem alcançados.

Há também a preocupação com o rápido aumento da dívida pública, justamente no momento em que surgem notícias sobre o custo da fatura olímpica, que poderá chegar aos 5 mil milhões de euros.

E a reluzente Vila Olímpica acaba de ser inaugurada num momento em que o país enfrenta uma crise imobiliária.

"Tudo isso preocupa as pessoas", diz Le Bras.

Embora algumas sondagens no passado afirmassem que a maioria dos franceses apoiava a realização dos Jogos, uma outra, realizada pelo grupo Viavoice em 25 de março, revelou que 57% dos entrevistados demonstraram "pouco" ou "nenhum" entusiasmo em relação ao evento.

Apesar de tudo, o vice-presidente de Paris, Emmanuel Gregoire, acredita que o clima vai mudar: "Toda a gente estava com um pouco de medo em relação à segurança durante os Jogos... Isso está a mudar", disse recentemente.