O melhor é começar. Começar uma viagem é, de certo modo, afastarmo-nos de outra que estejamos já a viver. À medida que nos afastamos, ganhamos espaço e cronologia. Sair de uma viagem para ir ver outra não é não gostar daquela onde se está. É mostrar outra maneira de sentir. Uma forma de ter mais tempo e existir sem estar preocupado com datas e horas, a não ser as que são impostas pelos bilhetes que se compram.

O conforto dos ténis que se levam nos pés ajuda, mas o que importa são as pessoas e os lugares. Não os seus nomes, que às vezes são difíceis de memorizar. Desta vez sei o nome do local onde me encontro, Lanquín, que fica a norte da Guatemala, a 5h da capital. São 2h da tarde, já há poucos transportes públicos, vão esticar-se no preço de certeza. Uma das vantagens de ter tempo é poder esperar por uma boleia.

Desta vez, chegou mais rápido do que esperava. Aproveito-a como se devem aproveitar todas as boleias - lá atrás, na carrinha de caixa aberta, de cabelos ao vento. Os lugares da frente estão reservados para o condutor e respetiva família. Faço um amigo novo, um cão. O caminho é empedrado e há uma melancia que, como não se consegue segurar, rola sobre o chão e só pára nos cantos. Faço mais dois amigos, uma avó e o seu neto que entram depois de mim no mesmo registo - a esticar um polegar e a rezar com o outro que alguém tenha amabilidade e um assento, lá atrás, a céu aberto, para o destino do seu destino.

À boleia na Guatemala. Esticar um polegar e rezar com o outro
créditos: Mal Parado

Não sinto perigo, apesar de não conhecer estas caras de lado nenhum. Tudo me empurra para a aventura e para a confiança em todos os olhos que me rodeiam. O cão também parece confiar em mim, está tranquilo. A melancia continua inquieta. Uma poeira incomoda-me um dos olhos que me fez confiar em toda a gente. Não posso levar a mãos aos olhos porque já me agarrei aos suportes da carrinha e estamos em fevereiro de 2021. Apanhar covid, sozinho, num país longe, com poucos cuidados de saúde, pode causar uma cicatriz grave ou um desígnio pior. Esse pensamento é recorrente, desgasta.

Ao volante vai um israelita. Ao seu lado, viaja a sua mulher, guatemalteca. Abriram um hotel por estas bandas há pouco tempo. A semana deles tem sete dias, tal como a minha. Mas se o mundo se equilibrasse mais, a semana deste casal deveria ter sete dias mais 40 minutos. Porque esse foi o tempo de desvio que, por opção e generosidade, fizeram por mim para eu chegar ao meu destino, Semuc Champey. É mais difícil distinguir um pepino de uma courgette do que uma boleia generosa de uma boleia perigosa. Qual é a razão que nos orienta para a confiança em alguém que não conhecemos? É como nas lojas do meu bairro, onde sei que não preciso de verificar o troco.