A canoa de cinco metros desliza suavemente sobre o rio, deixando-se levar pela corrente quase inexistente e ganhando balanço num ou outro "sendero", caminhos rápidos desenhados naturalmente pelas águas.

Somos três pessoas a bordo, incluindo Jorge, o nosso guia. Conhece a Reserva como ninguém, contando que já se embrenhou no leito do rio e nos seus trilhos ao longo de 21 dias seguidos.

A Reserva Natural de Pacaya-Samiria tem uma área de 21 mil km2.

As paisagens lembram-me as que conheci na Guiné Equatorial e que poderão reconhecer em São Tomé, por exemplo. Vegetação de verde luxuriante, extremamente densa, com centenas de espécies quase em sobreposição. A selva ocupa todo o espaço existente, tombando ainda os grossos troncos das árvores e seus ramos sobre o rio e obrigando a ágeis desvios.

Para o rio ouve-se pingar algumas correntes de água nas margens, que drenam de poças ainda cheias das chuvas de dias recentes. Ocasionalmente, saltará um ou outro peixe, algumas tartarugas repousam ao sol e, com muita, muita sorte, avisto a cabeça de dois pequenos golfinhos, algo que nunca esperaria encontrar neste contexto. Nos céus cruzam regularmente garças, papagaios, tucanos e outras aves que nos farão companhia ao longo destes dois dias.

Já passa de meio da tarde e o sol começa a baixar nas nossas costas. A aplicação de repelente já não é suficiente e é altura de substituir os calções por calças e o top por uma camisola, protegendo a pele ao máximo dos mosquitos que se parecem multiplicar.

É de noite e continuamos a descer o rio, remos em riste. Estas canoas são desprovidas de motor, por forma a preservar o habitat local, a pureza dos sons e evitar a poluição. De lanterna presa com uma fita junto à cabeça, Jorge aponta para as margens, de onde reflexos brancos ou vermelhos denunciam os olhos de alguns pequenos crocodilos.

É com agrado que chego ao refúgio, nada mais que uma cabana de madeira alimentada a gerador, com quartos sem porta, colchões sobre estrados precários e redes mosquiteiras por montar. Nada disso interessa, tal é o cansaço. Dois dedos de conversa com um turista grego que tenta encontrar o seu lugar no mundo após cumprir serviço militar, e adormeço rápida e pesadamente.

O despertador volta a tocar pelas cinco da manhã, e já assisto ao nascer do sol a partir do rio. Continuaremos a descer por mais hora e meia para depois voltar a tempo do pequeno-almoço que afinal é arroz, legumes e peixe pescado na véspera. O refúgio da reserva é ocupado de rotativa por duas pessoas a cada 10 dias de cada vez, que sinalizam quaisquer tentativas de caça furtiva.

São 10 da manhã quando voltamos a entrar na canoa, numa viagem dura que se prolongará até às 18.30h da tarde nunca com pausas superiores a dois, três minutos. O sol vai-se colocando a pique, tornando o tempo não só mais quente, mas também mais lento e duro de passar. Visitar a Reserva Natural de Pacaya-Samiria é sem dúvida bonito, mas uma experiência de demasiadas horas que não consigo recomendar de ânimo leve, não tendo dúvidas de que será do agrado total de só algumas pessoas.

Macacos saltam pelos topos das árvores, observando-nos curiosos a passar cá em baixo, enquanto comem as suas frutas, e vislumbro uma preguiça enrolada sobre si própria num dos ramos, invejado o seu conforto.

Dois dias na selva da Reserva Natural de Pacaya-Samiria
créditos: Andreia Castro

O corpo está a ferver e a água das garrafas usadas serve agora para molhar mãos, pés e a cabeça, numa tentativa de refresco que dura pouco. Numa das margens, uma pequena anaconda escondida por entre as raízes e as águas.

Pego uma vez mais nos remos, as mãos já calejadas e com bolhas em ambos os polegares. É sempre uma ajuda que dura por pouco tempo, evidenciando-se a falta de preparação física. Jorge continua estoicamente num trabalho violentíssimo que é o de manobrar a canoa, agora contra a corrente, com ou sem ajuda. Os seus braços mal param, e o cansaço nota-se também em algumas palavras que deixam de ser num espanhol perceptível. O rio baixou de caudal uns 30 centímetros em relação à véspera, e os avanços são difíceis e várias vezes temos de sair para empurrar a canoa com as mãos - tarefa ainda mais difícil considerando os solos totalmente argilosos onde nos enterramos até meio da galocha que chega ao joelho.

Soa o barulho do primeiro trovão no momento em que a canoa encosta no ponto de entrada da reserva e os relâmpagos multiplicam-se nos céus. O tuk tuk avança furiosamente pela floresta em direcção a Lagunas - para trás, nuvens pesadas que anunciam chuva e para diante, um céu de milhares de estrelas como aquele com que fui presenteada na noite que passei na selva.

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