Sou de uma pequena vila do norte do país e com uma família numerosa. Cresci com tudo o que há de mais importante, valores firmemente incutidos, liberdade de brincar com a terra, andar de bicicleta e patins, almoços de domingo em casa da avó com trinta pessoas ou mais. Cresci com os primos, cresci com humildade e aceitando desde tenra idade que não se pode ter tudo o que se quer. Amadureci mais rápido do que queria na adolescência com o cancro do meu pai que em forma de tsunami revirou a vida da família toda. O meu pai venceu e a minha mãe heroína segurou o barco. Corrijo, a minha mãe remou por todos nós e fez os meus olhos verem do que se trata a resiliência, a lealdade, o cuidar, a força e o amor. O que me leva a contar tudo isto? Contexto, este é o primeiro factor que desencadeia a minha vinda para a Austrália.

Na escola gostava de números, de perceber as fórmulas e achar solução para cada problema. No entanto, eu não tinha a opção de economia na escola secundária que frequentei e para ingressar na universidade pública de economia do Porto era exatamente o exame nacional de acesso que exigiam. Não ponderei outros lugares, na minha mente limitei a que a prioridade fosse estar próxima de casa para poder suportar os custos dado a conjuntura financeira familiar. Com notas curriculares bastantes boas foi quase por exclusão de hipóteses o meu ingresso em Bioquímica e até poderia ter a justificação romântica de poder trabalhar na cura do cancro. E, afinal, é isto que nos ensinam certo? O caminho para o “sucesso” é estudar, muito, e arranjar um “bom” emprego, constituir uma família e está uma vida feita e ganha.

De raízes simples, sem contactos ou cunhas, terminei o meu curso na fase “troika” do nosso país. Não arranjava trabalho na área e tão pouco sabia se era mesmo isso a que queria dedicar o meu tempo, a minha vida. Esperar sem respostas não era opção. Segui por isso a linha de emigração da família e dei o meu primeiro salto de fé para fora da zona de conforto. Trabalhei mais de três anos em Zurique numa empresa de limpezas, onde aprendi muito sobre vida de adulta, gerir o salário, responsabilidade, sobre pessoas e interesses. Sobretudo escolhi sempre fazer, viver para em consciência conhecer melhor o que me satisfaz mas com mais certeza ainda o que não quero para mim. Uma confirmação de que o materialismo e consumismo corrompe-me a alma ao invés da simplicidade dos detalhes e gestos que me proporcionam felicidade.

O desejo e curiosidade por novas experiências e lugares ganhavam força em mim

Voltei a Portugal, a casa, feliz por recuperar o meu quarto, ouvir a gargalhada da minha mãe e treinar com o meu irmão. Recomeçar não é fácil. Não ter a experiência exigida, não sabia o que procurar e muito menos onde. Acabei num call center na linha de apoio ao cliente, que não foi tão mau quanto pensava. De forma geral todos nós diabolizamos um pouco estes serviços. Conheci pessoas boas, aprendi mais sobre empatia, voltei às viagens diárias de comboio, não encontrei o amor e em menos de nada, eu estava novamente dentro de uma rotina de que não me orgulhava.

A frustração de não preenchimento, um vazio qualquer na alma por falta de encontrar um propósito de vida maior, o desejo e curiosidade por novas experiências e lugares ganhavam força em mim. Uma angústia cada vez menos suportável de querer sentir, viver. Não queria só existir. Retomei a minha busca, sempre pesquisei e tive interesse sobre programas de trabalho ou voluntariado internacional mas encontrava organizações ou agências às quais se tem de pagar despesas, contribuições, sem esquecer os voos que se somavam a um medo gigante a que chamo “e depois”. Sim, investir o dinheiro poupado no call center, que foi possível por viver com os pais e ter uma vida mais minimalista, vivo a experiência e depois volto. Este medo nunca foi de ir mas sim de voltar e recomeçar. De estar mais velha sem um currículo bom aos olhos da sociedade, sem aptidões novas, sem dinheiro e sem orientação pessoal sobre o que fazer. Mas que fique bem claro, voltar não é sinal de falha ou insucesso, é não se conformar com o que não te serve, é coragem de mudar e recomeçar as vezes que forem precisas até que não precises mais.

Um dia recebo uma chamada, no parque de estacionamento da estação de Penafiel, o primeiro contacto de uma agência que auxilia no pedido do visto de trabalho e férias na Austrália. Enquanto deslizava entre stories e posts de Instagram uns dias antes, parei numa pergunta de uma publicidade dessa agência sobre se gostaria de trabalhar e viajar noutro país. Sem refletir muito, apressei-me a dizer “sim, quero”, preenchendo todos os meus dados para ser contactada.

Mãe, e se eu fosse viver para a Austrália?
créditos: DR

Não foi coincidência ou obra do destino. O que pesquisamos ou falamos com os amigos hoje, amanhã está nos destaques das nossas redes sociais como um ciclo vicioso de influência. Mas neste caso ainda bem que assim foi. Procurei mais informação entre blogs e vídeos de pessoas a viverem esta oportunidade e acreditar “é isto que preciso” e afinal “é possível”.

As minhas crenças desde miúda sobre viagens eram que estas estão ao alcance de ricos ou então se resumem a férias, aqueles prémios dos bons empregos, 15 dias a um mês por ano, a recompensa pelo teu esforço e tempo dedicado. Não tem de ser assim, são muitas as possibilidades que desconhecia. Eu, finalmente, tinha encontrado a minha. Nada melhor que poder trabalhar num país sem que a língua não é um obstáculo, afamado por dar oportunidades a todos, terra de mochileiros e viajantes do mundo inteiro, com renumeração boa, um clima maravilhoso (eu não gosto de frio e chuva (sou do Norte do país, lembram-se?) e perto de lugares incríveis para visitar como Indonésia ou Tailândia.

Eu sei, isto parece quase rótulo de propaganda enganosa. Em dois segundos projetei o sonho de viver à beira-mar, com um estilo de vida equilibrado e simples, comida saudável e exercício físico, desapego pelos bens materiais e conexão com a Natureza. Acreditei. A decisão estava tomada, era a hora de fazer a mochila.

Mãe, e se eu fosse viver para a Austrália?

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