Uma língua comum no Sudeste Asiático

Texto e fotografias por Diogo e Sara

Aterrámos em Bangkok, na Tailândia, e somos recebidos por um calor húmido que nos envolve, por aromas que nos intrigam, por cores vibrantes e pelos sabores da fruta madura e do picante, presente até nos pratos mais simples.

Ali, após termos ultrapassado a distância que nos separava deste lugar, rapidamente nos deparámos com um novo desafio: a língua. Para nós, tão importantes quanto os lugares eram também as pessoas, porém a comunicação parecia impossível. No entanto, não foi preciso muito tempo para nos apercebermos que, apesar de uma língua com sons e caracteres que desconhecíamos, os contornos deste novo “desafio” eram mais permeáveis do que imaginávamos.

Damnoen Sadoak - Um mercado de cores, sabores e cheiros
Damnoen Sadoak - Um mercado de cores, sabores e cheiros créditos: Diogo & Sara (imagem parcialmente processada por IA)

Ainda antes de aprender a dizer os clássicos “olá” ou “obrigado/a”, percebemos que sorrir podia ser qualquer um deles. Descobrimos também que havia gestos locais que transmitiam mensagens sem produzir qualquer som. Passámos a utilizar uma leve inclinação da cabeça com as mãos unidas na frente, como cumprimento e/ ou sinal de gratidão e respeito. Mais tarde, viemos a saber que esta “pequena vénia” tem o nome de Wai. Estes gestos foram a nossa primeira forma de comunicação deste lado do mundo.

Já os sons, logo surgiram, embora de formas diferentes do que seria de esperar. Nas ruas de Sen Monorom, uma província rural do Camboja, as crianças brincam entre elas, usando a sua criatividade para fazer de qualquer objeto um brinquedo. Quando nos veem passar, olham-nos de um jeito curioso e entusiasta enquanto acenam e repetem incessantemente “Hello, hello!”. Ao aproximarmo-nos, esta criatividade persiste. Desde interagir connosco através de inúmeros gestos, como imitar galinhas, fazer sons de animais, tocar com as suas mãos nas nossas ou repetir sons e palavras … vale tudo para comunicar. Isto, claro, sempre acompanhado por risos e sorrisos que definiam o tom de qualquer interação.

Recordamos uma menina que, pouco depois de conhecer o Diogo, começou inesperadamente a escalá-lo para lhe tapar os olhos e dizer “hello”. Talvez ela soubesse o significado desta palavra, talvez apenas tenha repetido o que várias outras pessoas já lhe disseram. De qualquer forma, tal como em muitos outros casos, a mensagem passa, deixando-nos a pensar que não só de línguas se faz a linguagem.

Sorrisos na Tailândia
Um sorriso diz tudo créditos: Diogo & Sara

Enquanto estávamos numa selva em Mondulkiri, no Camboja, tivemos o privilégio de passar algum tempo com os Bunong, uma minoria étnica indígena. Foi enquanto cozinhávamos uma sopa num tronco de bambu à beira de uma fogueira, que eles partilharam connosco aspetos da sua identidade cultural única, como por exemplo, apesar de cambojanos, eles terem a sua própria língua.

Alguns deles aprenderam a falar Khmer, língua oficial do Camboja, com pessoas fora da sua comunidade, e alguns ainda se arriscam no inglês, através do contacto com os turistas. Numa destas interações, em que trocámos palavras em inglês e Bunong, descobrimos que em alguns casos, palavras que procurávamos não tinham correspondência no seu idioma. Foi o caso de “água com gás”, bebida que não existe naquela cultura. Em vários outros momentos dispensámos até as palavras para comunicar.

Após um dos Bunong ter construído uma flauta de bambu para cada um de nós, todos procurámos notas, e todos aplaudimos as melodias mais harmoniosas. Foi ainda nessa noite, que com poucas palavras, os Bunong nos explicaram como jogar dois jogos de cartas, jogos estes que aqueceram a noite passada na selva.

Luong a ensinar-nos a cozinhar sopa numa cana de bambu
Luong a ensinar-nos a cozinhar sopa numa cana de bambu créditos: Diogo & Sara
Origami feito de folha de palmeira pelo Nett, um dos Bunong
Origami feito de folha de palmeira pelo Nett, um dos Bunong créditos: Diogo & Sara

Se há algo a retirar das experiências que temos tido é que comunicar parece ser uma necessidade humana na qual a intenção comanda. Pequenos gestos e até sons arbitrários podem ser utilizados para interagir e transmitir mensagens quando refletem uma intenção sincera.

Esta viagem tem-nos feito sentir que para lá das fronteiras, existe um conjunto de linguagens que transcendem a verbalização e que já todos sabemos. Gestos, sons, sorrisos, o ato de brincar, música e entretenimento parecem surgir não só como formas diferentes de comunicar, mas sobretudo como formas universais de empatia, compreensão e conexão. Afinal, não serão estas algumas das funções mais importantes da comunicação em si?

Diogo & Sara, Cascata Leng Khin
O Diogo e a Sara na Cascata Leng Khin créditos: Diogo & Sara

"Universus" é o nome do projeto de ano sabático criado pela Sara e o Diogo, dois psicólogos que irão mostrar uma outra perspetiva do Sudeste Asiático e da Grécia ao longo de 10 meses. Ambos acreditam que "cada pessoa é um universo, porém toda esta diversidade pode ser uma ponte para uma união coletiva". Podem acompanhá-los no SAPO Viagens e no instagram.