Por: João Damião Almeida - Projeto Prá Frente

Esta aventura deu-se em Luxor, numa visita curta de apenas um dia, que conseguimos encaixar no calendário com recurso a dois comboios noturnos em noites seguidas. Apesar de estarem a uma distância de apenas quinhentos quilómetros, a viagem de comboio para Luxor demorou quase catorze horas. Fizemos questão de viajar na classe mais baixa, em banco reclinável (em vez de cama), para não fazer disparar o preço da deslocação.

Viajar de comboio em classe económica é sempre uma excelente forma de conhecer um país. Dentro do vagão, as pessoas falam ou ressonam descontraidamente e veem passar barulhentos vendedores ambulantes pelo corredor (vendem pentes, mantas, desodorizante, legumes, café), enquanto do bar chega o barulho indistinguível de vozes animadas e uma cortina de fumo de tabaco. Lá fora, já de manhã, as margens do Nilo enchem-nos os olhos, com as suas planícies verdes a perder de vista e algumas palmeiras espalhadas pela paisagem.

O comboio atrasou e acabámos por chegar a Luxor já à hora de almoço. Não tínhamos dados móveis no telemóvel e o wifi gratuito naquele país era praticamente um mito mas tínhamos na cabeça o plano desenhado quase vinte horas antes para o que íamos fazer e portanto não perdemos tempo a procurar bicicletas para conduzirmos até ao vale dos reis.

Depois de uma negociação apaixonada, acabámos por conseguir alugar duas bicicletas por 70EGP - cerca de 4 euros - para uma tarde (tinha procurado saber qual era a margem razoável de preços) depois do vendedor garantir que 30EGP por bicicleta por hora era o preço que fazia aos locais. Eram duas bicicletas muito fracas, com travões desprezíveis e pneus mal-cheios. Faziam muito barulho e ameaçavam soltar qualquer peça a cada lomba. Mas teriam de bastar para fazermos os nove quilómetros que nos separavam do Vale dos Reis (e já agora, regressar).

Prá Frente é que é: De bicicleta em Luxor até ao Vale dos Reis
créditos: Projeto Prá Frente

A viagem de bicicleta foi relativamente tranquila. Se conduzir no Egito seria certamente uma experiência aterradora e muito demorada para um recém-chegado, por esta altura os longos dias de passeio e interação com o código da estrada específico deste país facilitaram bastante a condução. Dirigimo-nos ao rio, onde apanhámos um ferry que nos levou à margem esquerda, ou “West Bank”, e continuámos a nossa viagem numa cidade totalmente distinta, uma cidade de terra batida, de vegetação densa, de agricultores de roupa suja e sorriso na cara. Ao final de dez minutos, começávamos a ver enormes esculturas e sabíamos que nos estávamos a aproximar do nosso destino.

Prá Frente é que é: De bicicleta em Luxor até ao Vale dos Reis
créditos: Projeto Prá Frente

O Vale dos Reis é (não surpreendentemente) um vale no centro da necrópole de Tebas - antigo nome da cidade. Durante o Império Novo (c. 1550 aC - 1070 aC), Tebas foi capital do Império Egípcio e foi neste local discreto da margem esquerda do Nilo que se ergueram tumbas para os faraós e nobres da altura. Mais de 3000 anos depois, foi um dos locais arqueológicos mais conhecidos e apetecíveis do mundo, tendo sido lá descobertas mais de 60 tumbas, entre as quais a de Tutankhamon.

É fácil entender a importância arqueológica deste sítio. Mesmo despidas dos enormes tesouros com que estas tumbas eram adornadas, o que resta hoje a quem visite o Vale dos Reis é suficiente para compreender o seu valor histórico-cultural. Cada tumba é única e de uma beleza incomparável, com corredores totalmente pintados em cores vivas que contam histórias e prestam homenagem através de hieróglifos e desenhos. Cada tumba é um museu de arte egípcia, algumas com mais de 100 metros de extensão, que culminam geralmente com uma sala maior com o túmulo em pedra trabalhada.

Prá Frente é que é: De bicicleta em Luxor até ao Vale dos Reis
créditos: Projeto Prá Frente
Prá Frente é que é: De bicicleta em Luxor até ao Vale dos Reis
créditos: Projeto Prá Frente

Saídos do vale, o tempo era demasiado curto para o que Luxor tinha para oferecer. Afinal, esta cidade é toda ela um colossal museu ao ar livre. Descemos o vale ao mesmo tempo que o sol caía no horizonte e antes de devolvermos as bicicletas ainda tivemos tempo de espreitar o corredor das esfinges recentemente inaugurado, que une o Templo de Luxor e de Karnak, dois dos maiores templos do país.

Já é noite quando deixamos as bicicletas na loja e aí fica também o nosso sossego para o resto da noite. A cada dez segundos somos abordados para nos venderem um passeio de charrete, uma viagem de microbus ou qualquer outra coisa turística. “Where are you going?”, “Ride a horse?”, “Maybe later?”. Mas o nosso dia em Luxor chegava ao fim e tínhamos um comboio para apanhar. Eram mais doze horas de viagem num banco, mas adormecer não seria um problema. Iríamos sonhar com tempos faraónicos, rituais egípcios e templos megalómanos.

Projeto Prá frente

O Projeto Prá Frente foi criado por dois jovens engenheiros, com a intenção de conhecer (e partilhar) uma perspetiva completa do Sudeste Africano, focando-se não só no seu património deslumbrante, mas também nas suas pessoas e naquilo que tem para oferecer para o futuro.

Para saber mais siga o Instagram: @projeto_prafrente