Qual é o nosso lugar no mundo? Há um conceito japonês para ajudar a encontrá-lo: ikigai

Uma gapper com 93 anos

Texto e fotografias por Pedro Vale

Quando decidi vir para o Japão, tinha um objetivo difuso em mente: encontrar a minha luz, ou "Hikari", que me guiasse. Ao longo do tempo, este objetivo começou a tomar forma e, neste último mês, percebi que esse propósito tem um nome específico: encontrar o meu "ikigai".

O “ikigai” é um conceito japonês que representa a busca por um propósito de vida, uma razão para acordar todas as manhãs e sentirmo-nos realizados. É a interseção entre aquilo que amamos fazer, aquilo em que somos bons, aquilo pelo qual somos remunerados e aquilo que o mundo precisa. Ao encontrar este ponto de convergência, experimentamos uma sensação profunda de plenitude e significado.

Foi durante o meu tempo em Ito, na província de Shizuoka, enquanto trabalhava no Ryokan [uma hospedaria típica japonesa] mais antigo do Japão, que tive o privilégio de conhecer este conceito através de uma senhora extraordinária, de 93 anos de idade, chamada Shigeko, pelo que partilho convosco um pouco da sua experiência de vida.

Esta notável mulher não apenas viajou por mais de 100 países, como o fez numa época em que as facilidades de viagem eram muito limitadas em comparação com os dias de hoje. Amante da natureza, das pessoas e do mundo, visitou desde as Cataratas do Iguaçu, no Brasil, ao Salto Ángel na Venezuela, esteve nas Cataratas de Vitória no Zimbabué até às Cataratas do Niágara no Canadá. Foi verdadeiramente incrível ouvir as suas aventuras e os lugares que ela teve a oportunidade de explorar, incluindo o nosso próprio país, Portugal, que visitou por três vezes.

Tive ainda a oportunidade de folhear os álbuns de fotografias desta senhora, pelo que fiquei maravilhado ao ver não só todas fotografias capturadas durante a sua visita à Madeira em 2014 como a sua coleção de selos e plantas que foi adicionando nestes álbuns. Mas foi ao folhear as fotos da sua visita à cidade do Porto que percebi o verdadeiro encanto que este lugar exerceu sobre ela. As suas fotos capturaram os monumentos históricos, as ruas estreitas e pitorescas e a vida cultural que caracteriza esta cidade. Foi o Porto que deixou uma marca indelével no coração desta viajante incansável.

A história desta senhora serve como uma inspiração para mim. A sua capacidade de apreciar a beleza do mundo, bem como a sua coragem e determinação inabalável ao explorar e abraçar novas culturas, mesmo em tempos desafiadores, são um exemplo poderoso da importância de viver uma vida com curiosidade, gratidão e abertura para o desconhecido.

Ter a oportunidade de refletir sobre o que é realmente importante na minha vida é um privilégio que reconheço plenamente. Enquanto escrevo estas palavras, sou inundado por pensamentos sobre como cheguei até aqui. Lembro-me dos dias em que o Japão era apenas um sonho distante e agora vejo-me a realizar este sonho. Este momento de introspeção leva-me a questionar quais são os meus outros objetivos pessoais e profissionais que me motivam. Será a busca por um bom emprego? A aspiração por uma vida sem preocupações? Ou talvez a busca pela felicidade?

Ao ponderar sobre todas estas questões, percebo que são muitas as coisas pelas quais devo ser grato. O “ikigai”, com toda a sua profundidade e complexidade, revela-se como um estado de espírito que muitas vezes subestimamos. É uma jornada de autoconhecimento e autodescoberta que nos desafia a explorar as nossas paixões, talentos e contribuições para o mundo.

Neste momento de contemplação, compreendo que encontrar o meu “ikigai” não é apenas uma meta, mas sim uma jornada contínua. É um convite para viver uma vida com propósito, onde cada ação é impulsionada pela procura da harmonia e da realização pessoal. É uma jornada que me inspira a ser a melhor versão de mim mesmo e a fazer a diferença no mundo ao meu redor.