Mariana Batalha seguiu para a Índia e para o Sudeste Asiático com o propósito de iluminar e ser iluminada por aqueles com quem se cruza nestes sete meses de viagem. Focar-se-á no seu desenvolvimento pessoal enquanto pretende ser inspiração para mais jovens realizarem sonhos como o dela. No Instagram, partilha a viagem no @girassol_giraterra.

A realidade do voluntariado

A ideia de ensinar inglês a crianças em países como o Camboja é muito romantizada, especialmente nas redes sociais. Mas a realidade tem os seus desafios. Quando cheguei à escola na ilha de Koh Rong, rapidamente percebi que não havia formação, nem grande orientação prévia para os voluntários.

A minha experiência foi uma constante tentativa e erro – tentar, falhar e melhorar. Estava constantemente a tentar descobrir o que os alunos já sabiam ou não e, em simultâneo, encontrar formas eficazes de comunicação.

Um dos desafios mais difíceis, sem dúvida, foi manter a autoridade dentro da sala de aula, sem perder a conexão com os alunos no recreio. A escola onde estive tem um lema bonito: “Ser um lugar onde as crianças possam ser crianças”. Mas isso também significa que, para elas, nós, os voluntários, somos simultaneamente professores e amigos. Encontrar esse equilíbrio não foi evidente.

Além disso, a barreira linguística tornou tudo mais desafiante. Não falar khmer dificultava a compreensão das conversas paralelas entre os alunos e, infelizmente, isso também tornava mais difícil intervir em situações de bullying. Outro desafio foi lidar com as grandes diferenças de nível de inglês dentro da mesma turma. Como estimular os alunos mais avançados sem deixar ninguém para trás? Quando éramos dois professores na sala, conseguíamos dividir a turma subtilmente, mas quando estava sozinha tive de inventar estratégias para conseguir envolver todos.

O mais engraçado é que, no meio de tudo isto, as crianças ensinaram-me tanto! Aprendi que o incentivo é muito mais eficaz do que a punição – algo que já sabia, mas que, na prática, com uma turma de 30 crianças cheias de energia, é bem mais difícil de aplicar. Também percebi que chamar cada aluno pelo nome fazia toda a diferença, porque os fazia sentir especiais e mais motivados, mesmo que isso representasse um esforço acrescido para mim que tentei decorar 30 nomes numa língua que não conheço.

E, claro, há a questão da atenção. Hoje em dia, o attention span das crianças parece ser menor do que nunca, e manter uma turma inteira focada foi uma verdadeira batalha. Mas, por outro lado, ensinar uma língua nova sem falar a deles obrigou-me a melhorar a minha comunicação. Fiz teatro, exagerei gestos, mudei tons de voz. E a verdade é que funcionou! Aprendi a comunicar e a obter a atenção deles sem partilharmos o mesmo idioma.

Além de tudo o que aprendi com elas a nível de ensino e comunicação, houve algo ainda mais especial: elas ensinaram-me a reviver a leveza da infância. A olhar para a vida com mais simplicidade. A lembrar-me de quando as preocupações não eram realmente preocupações. No meio das minhas tentativas de planear aulas perfeitas, de garantir que todos aprendessem, de querer sempre fazer mais e melhor, elas mostraram-me que, às vezes, só precisamos de parar e aproveitar o momento.

Ver a forma como brincavam, riam sem razão aparente e viviam o presente sem pressa fez-me perceber que, muitas vezes, complicamos demasiado. Que a vida pode ser mais leve, se a deixarmos ser. E que, no fim, não se trata de ter tudo sob controlo, mas sim de encontrar um equilíbrio entre dar o nosso melhor e saber relaxar.

As pessoas que marcaram esta experiência

Para além das crianças, os outros voluntários foram uma grande parte desta jornada. Conheci pessoas incríveis que levo para sempre no coração, com histórias de vida completamente diferentes. Eu, uma estudante de gestão, dei por mim rodeada de uma psicóloga, um chefe de cozinha, uma consultora, uma manager, um bancário reformado e duas meninas que tinham acabado o secundário. E todos aprendemos uns com os outros.

Voluntariado no Camboja
Voluntariado no Camboja Uma pequena turma, mas uma grande equipa. Mariana e Karolina créditos: Mariana Batalha

A psicóloga ensinou-me formas de acalmar uma turma agitada e captar a atenção dos miúdos. O chefe de cozinha tinha uma abordagem interessante –fazia debates em vez de dar aulas tradicionais, e isso deu-me ideias para tornar as minhas aulas mais interativas. A consultora explicou-me que as crianças funcionam como os adultos e adoram competição, então comecei a dividir a turma em equipas e a atribuir pontos para aumentar a motivação (eles adoraram!). A manager ajudou-me a impor regras de uma forma mais eficaz e assertiva. E o bancário reformado ensinou-me talvez a lição mais valiosa de todas: que nem tudo precisa de ser perfeito. Que, mesmo quando sentimos que a aula não correu a 100%, os alunos acabam sempre por aprender alguma coisa.

Ralph Waldo Emerson disse uma vez: “Cada pessoa é superior a mim em alguma coisa, e é disso que aprendo.” E não poderia concordar mais. Não só aprendi com os outros voluntários e com a comunidade, mas também com as próprias crianças.

O impacto da comunidade

Mas esta experiência não se resumiu à sala de aula. Também tive a sorte de criar ligações com jovens locais e perceber um pouco mais sobre a realidade do Camboja. Foi assim que conheci o Panhan, uma das pessoas mais incríveis que conheci nesta viagem. Ele trabalhava no campo para sustentar a sua família e conseguia mesmo assim estudar em simultâneo.

Um dia, eu e a Céline oferecemo-nos para passar a tarde na quinta onde vivia e ajudá-lo com as tarefas. Passamos horas a cortar troncos de árvores e a carregá-los para uma máquina, tudo debaixo de 40 graus. Eu suava por todos os lados, o corpo doía-me e no final do dia tinha cortes nas mãos. Apesar de ter adorado o desafio e adorar sair da minha zona de conforto, sei que na realidade é um trabalho duro para quem faz disto rotina.

O impacto da comunidade
O impacto da comunidade Um dia passado a cortar árvores debaixo de 40°C créditos: Mariana Batalha

E naquele momento, senti-me profundamente grata. Não só por todas as oportunidades que tive até agora, mas por estar ali, a conhecer realidades tão diferentes da minha. Esta experiência ficou comigo. Sempre que penso que estou sobrecarregada, lembro-me deste dia. E lembro-me do Panhan e de tantos outros que, apesar de tudo, continuam a sorrir e a espalhar energia.

O adeus mais difícil

O que eu não estava preparada era para o apego emocional que ia criar. À medida que os dias passavam, eu repetia para mim mesma: como assim já passou uma semana? Como assim já passaram duas? Como assim já passaram três? E, de repente, chegou o momento de partir.

Já estou há meses a viajar e deveria estar habituada a despedidas, mas esta foi especialmente difícil. Não sei quando, ou se algum dia, voltarei a ver aquelas crianças, aqueles voluntários, aquela escola. E isso custa-me imenso.

O adeus mais difícil
O adeus mais difícil Uma despedida cheia de sorrisos mas corações partidos ao mesmo tempo créditos: Mariana Batalha

Mas, ao mesmo tempo, não posso deixar de sentir gratidão. Sei que deixei um bocadinho de mim lá. E sei que, de alguma forma, fiz a diferença na vida deles, assim como eles fizeram na minha. Espero que cada uma daquelas crianças tenha sentido que alguém acreditava nelas, porque nós, sem dúvida, acreditamos e talvez seja isso que realmente importa. No fundo, voluntariar não é só dar – é crescer, conectar, aprender e levar um bocadinho de cada lugar connosco.